Chapter XIII - The Day Celeste Died

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A proteção dos braços de Amber entorpece meus sentidos, geralmente tão em alerta. Os soldados concentram-se mais na fiscalização da porta do que no próprio quarto, os poucos que permanecem em seus postos, com as armas nos ombros, andam em círculos pelo espaço, devagar, sem pressa, quase sempre parando para conversar. Observo-os por um bom tempo, fingindo escutar. A rainha me vestira com roupas novas, o verde esmeralda era aconchegante, ainda que acompanhado de más lembranças. Lembrava-me de Jadis. Era a cor do reino, o reino de Octavius. Os olhos dele encontram os meus uma ou duas vezes, mas o pensamento de uma próxima me deixava inquieta. Parece que ele sempre sabe o que vou fazer, e agora não é diferente. Levanto do colo de Amber finalmente, e aceno a cabeça em um agradecimento silencioso.
- Qual o seu nome? - pergunta ela, doce.
- Catherine, Majestade - murmuro.
Quando percebo que ela está com os ouvidos atentos e apostos, conto minha trajetória até o momento que me tornei Celeste de Pottier.
- Você me lembra a mim mesma quando jovem - ela sorri, e é um sorriso verdadeiro - Somos muito parecidas, na verdade. Quando for rainha e usar meus presentes, verá o quanto.
- Vossa Majestade nunca pensou em ter uma filha? - reflito - Digo, após o nascimento de Froy.
- Eu tive uma filha, Alteza.
Engulo em seco.
- Lembra quando contei meu romance com o plebeu? - disse a rainha, pensativa - Nossa relação foi, digamos, mais intensa do que eu deixei transparecer para você.
- E o que houve com ela?
- Morreu no parto. Eu estava fragilizada, meu pai havia descoberto a minha relação com ele - continuou ela - Pagou a todos que presenciaram o acontecimento pelo silêncio. Depois disso tudo, ainda decidiu me casar com Tiberias de Lancaster.
- Eu pensei que você havia aprendido a amá-lo - confessei.
- Eu não sei dizer o que sinto quanto a Tiberias, é... É bastante complicado.
- Se me permite a pergunta, por que a senhora e vosso irmão se odeiam tanto?
- Adalberto e Octavius são amigos de longa data, Alteza - disse ela - Quando eu tentei matar Octavius, meu irmão presenciou tudo. Ele nunca soube o que o desgraçado me fez, claro.
- E o que fez para chocá-lo tanto assim?
- Meu pai estava muito doente, sua morte era eminente. Portanto, fiz uma visita até Alfambres, e Octavius visitou meu irmão. Ele havia perdido a batalha contra vosso pai, foi pedir asilo político. Quando eu o vi, me destemperei.
Amber enrolou uma mecha de seus cabelos no dedo.
- O empurrei da escada. Depois disso, fui embora - ela sorriu, estava debochando - Não me julgue! Vê-lo rolar pelas escadas foi, no mínimo, terapêutico.
As batidas na porta anunciaram a chegada de Froy e Harry. Era o momento da verdade. A verdade sobre o dia que Celeste morreu. Um guarda abriu a porta e juntamente com os outros, saiu logo após, levando não somente a paz que havia sido estabelecida no recinto, mas a versão da mulher que eu acabara de conhecer.
+++

Solte-se. Deixe-se ir, sussurra a voz em minha cabeça. Meus olhos fecham levemente enquanto me concentro. Meus próprios pensamentos desaparecem para que minha mente busque a concentração que tanto deseja. Froy senta ao lado da mãe, mas sinto seu olhar pesar em mim Harry, por outro lado, não sai do meu lado por um segundo. Sinto sua mão no meu ombro, eu estava segura. A energia, viva sob minha pele, agita-se em mim mais uma vez, até vibrar em cada músculo e nervo. Geralmente o processo termina aí, mas não desta vez. Em vez de segurar, vou ao encontro dessa força, me deixo levar. Mergulho em algo que sou incapaz de explicar, uma sensação que é tudo e nada, luz e trevas, calor e frio, vida e morte. Logo, o poder é a única coisa na minha cabeça, ofuscando todos os fantasmas e lembranças.
- Eu nunca quis a aliança com Ilhures - disse Amber, tentando recapitular para Froy - Para mim, a aliança com Arcádia sempre foi mais proveitosa, visto que Mirtes é uma jovem adorável.
E que namora uma garota, a propósito.
- Quando soube que a princesa Celeste estava vindo para Alhures, precisei fazer algo, impedir que o noivado fosse perpetuado. Foi aí que contratei, bem, saqueadores.
- Não os pagou muito bem, Majestade. Foi necessário apenas um saco de ouro e alguns socos para fazê-los falar - disse Harry, se gabando.
Mesmo o escárnio o fazia atraente. Meu guarda precisava de se barbear devido à ética da aparência, mas os pelos caíam tão bem nele. Sua mandíbula se retraiu em outro sorriso. Outro maldito sorriso do guarda mais leal que já pude conhecer.
- Eu não estou entendendo - interrompeu Froy - Sobre o quê tudo isso se trata? Sobre seu desprezo por Celeste?
- Eu contratei saqueadores para surpreender a carruagem dela, Froy - disse ela - Entretanto, nunca autorizei que usassem de violência, tampouco de armas para incitar o medo. Era apenas uma tentativa estúpida e supérflua de fazer meu plano de unificar Arcádia e Alhures.
- Está dizendo que não foi você que mandou matá-la? - cuspiu Harry - Aqueles homens disseram exatamente o contrário.
- É exatamente esse o problema. Eu não os mandei para matá-la, mas provavelmente alguém o fez.
- E como a ordem original foi sua, deixou que a culpa recaísse sobre Vossa Majestade - finalizei.
- Há alguém tramando algo, algo ruim - disse Amber - Alguém que sabe cada passo que damos, que premeditou não somente a morte de Celeste, mas a vinda de Dom Solomon.
- O que quer dizer com isso? - Froy se levantou, indo para perto de mim.
- No dia que Celeste chegou, foi também o dia que o Inquisidor veio para Alhures - disse ela - Eu fiz parecer que havíamos o chamado para resolver o problema com a bruxa, mas eu averiguei. Não foi ninguém desta corte.
Minha mente está limpa, como um vazio negro a ressoar força. Agora, me concentro na força e ela não desaparece; na verdade, se move pelo meu corpo, dos olhos à ponta dos dedos. À minha esquerda, Harry deixa escapar uma interjeição de espanto. Pela primeira vez, Froy fica sem palavras. E eu também. Não quero me mexer. Tenho medo de que a menor mudança faça minha cabeça explodir.
- Não fiquem com essas caras patéticas - disse a rainha, revirando os olhos - Temos alguém muito ardiloso entre nós, e precisamos descobrir quem.
- Octavius, é claro - constatou Harry - Quem mais teria motivos para destabilizar Alhures?
- Ele não estava aqui na época que tudo aconteceu, a menos que tenha um aliado infiltrado - disse Froy - E se tiver, Deus tenha misericórdia desta pessoa, pois eu não terei.
- Não vejo motivos para que nós mesmos não averiguemos, Alteza - ofereceu Harry, arrancando um sorriso do rosto de Froy.
- Pessoalmente eu não gosto de você, não depois daquela noite - disse Froy, e o desprezo dele era notável - Mas confiarei em você nessa noite, guarda. Espero não me arrepender.
- Vossa Alteza não precisará se exaltar desde que não fique no meu caminho quando eu mesmo quebrar os dentes do desgraçado.
- É, talvez eu esteja propenso a gostar um pouco mais de você - disse ele, e então partiram.
Aperto o punho.
- Você eliminou Dom Solomon, eu imagino.
- Eu queimei o desgraçado.
Amber sorriu.
- Fez um favor para toda Dália, princesa. Eu preciso descansar agora, se importa em retirar-se?
Nego, agradecendo a deixa para sair do recinto. Meu corpo treme, minha mente vagueia pelas possibilidades. Alguém está tentando fazer mal a todos nós por algum motivo, e eu não poderia fazer nada além de esperar pelos próximos passos.
+++
A silhueta de Harry se aproxima através das lamparinas. Rindo a plenos pulmões, examino a obra. Seus dentes alvos brilham através da luz. Seu rosto está um tanto machucado, mas nunca o vi tão feliz.
- Foi bom descarregar minha raiva em alguém - disse ele - Sua Majestade mastigará com certa dificuldade a partir de agora. Mas o que há com você? Está distante...
Ele não está enganado. Com um receio ainda maior do que virá a seguir, conto a ele o que houve. Sinto como se estivesse relatando minha própria morte, a sensação não era muito diferente.
- Cat, linda... Ele machucou você - Harry vociferou - Por Deus, eu vou matá-lo!
- Harry, não! - me ponho no caminho dele, segurando seus ombros.
- Você não vai me impedir de cortar cada pedacinho dele, Cat - continuou ele - Ninguém pode machucar você e sair impune! Simplesmente não pode! Eu falhei com você uma vez, não deixarei que aconteça de novo.
- Você? Falhar comigo? - disse, estupefata - Harry, tudo que você tem feito até então é me ajudar. Você me ajudou a tirar Cam do castelo, você...
- E ainda assim você teve que assistir calada enquanto queimavam ela viva - suas mãos envolvem meu rosto - Catherine, eu não posso falhar com você novamente. Eu já falhei com Celeste. Da última vez foi Cameron, mas nada impede que a próxima na linha de fogo seja você. Eu simplesmente não posso errar novamente.
O abraço. Seu coração bate forte, em ódio, em calor, em amor. Meu guarda não deixará que nada de mal me aconteça, sei disso. De repente, sinto um nó na garganta. Meus olhos marejam. Preciso piscar várias vezes na tentativa de conter as lágrimas quentes. Acho que tudo se acumulou: protocolo, aulas, a desconfiança de todos, um lugar onde nem posso ser eu mesma. É sufocante. Quero gritar, mas sei que não posso. Uma mão forte se fecha em torno do meu braço e quase solto um grito. Dois sentinelas estão ao meu lado, com seus olhos sombrios debaixo das máscaras. Ambos têm o dobro do meu tamanho. Insensíveis, um puxa Harry para determinando lado e eu mesma para o outro.
- Senhora - rosna um deles, o que me segura, sem qualquer aparência de respeito.
- Me solte! - a ordem sai fraca, quase um suspiro. Começo a perder o fôlego como se estivesse me afogando.
Só que não sou mestre deles. Não respondem a mim. Ninguém responde.
- Vocês ouviram minha noiva - diz outra voz. As palavras vêm firmes e duras, no tom da realeza. Froy. - Deixem-na em paz.
Não posso deixar de sentir um alívio ao ver o príncipe pisar na sacada. Os sentinelas aprumam o corpo em sua presença e inclinam a cabeça em sua direção. Aquele que me segura fala:
- Perdão, Alteza. Devemos assegurar que a princesa esteja segura - explica ao mesmo tempo que relaxa um pouco a mão.
- Pois agora vocês têm novas ordens replica o príncipe, a voz fria como gelo.
- Senhor, este homem... - meu guarda não finalizou, apenas deu sinal para o seu companheiro, ao mesmo tempo que vários outros sentinelas apareceram - Há alguns dias, este homem ameaçou vossa mãe de morte no jardim. E agora...
- E agora o quê, guarda? - brado, esperando uma resposta.
- A rainha, Alteza - disse ele - A rainha foi assassinada. Achamos o cadáver dela em seus aposentos, ela foi estrangulada. Apenas um homem pode ter feito tal ato, e consoante aos últimos acontecimentos...
- Vocês acham que eu matei a rainha? - vocifera Harry - Isso é uma loucura, me soltem agora!
- Você tem o direito de permanecer calado - anunciou outro guarda - Harry Wentworth, você está preso pelo assassinato da rainha Amber de Guise.
Assim que batem em retirada com suas capas flamejantes pingando água da chuva, solto um suspiro alto. Só então percebo que minhas mãos tremem, de modo que preciso cerrar o punho para esconder a agitação. Mas Froy não consegue evitar que meus joelhos cedam, muito menos consegue evitar o grito excruciante que finalmente posso liberar.

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