Capítulo 3

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Gardênia

Eram dez e meia da noite quando me vi refletida no grande espelho do camarim. Logo Fábio me veio à cabeça e me lembrei do que havia acontecido há dois dias. Não atendi suas ligações, que foram muitas. Estava em um estágio de mágoa. Sabia que por esses dias ele iria me procurar e, como sempre, me pedir desculpas, e eu ia acabar o perdoando. Como eu era burra! E coração mole. Mas resolvi não pensar muito nisso e me concentrei na minha maquiagem. Já havia refeito umas três vezes e não estava conseguindo acertar a mão. Não estava nos meus melhores dias. Faltava pouco tempo para a boate abrir, porém, as luzes no palco ainda estavam apagadas.

Era como mágica quando as luzes se acendiam, o DJ colocava as músicas eletrizantes e as meninas surgiam. Parecia que um mundo mágico de ilusão, luxúria e sedução pairava sobre aquele lugar. Um mundo onde os homens nos procuravam para fugir de suas realidades na busca de prazer, companhia e fantasias inconfessáveis. Do outro lado, nós, as meninas, brincávamos de seduzir, dávamos vida a personagens que não nos representavam, mulheres fatais, sedutoras. Cada uma tinha um estilo único.

Quando eu colocava os pés na boate, assumia uma personagem. Meu nome na noite era Marilyn. Sempre gostei da sensualidade exuberante de Marilyn Monroe, e me inspirei em sua atitude ousada para uma época muito convencional. A atriz parecia transpirar sensualidade. E isso funcionou. À medida em que o tempo foi passando, eu realmente havia esquecido quem era. Havia me esquecido de olhar para dentro de mim, envolta todas as noites, exceto aos domingos, naquela atmosfera de superficialidades e prazeres insanos de homens com mentes doentias. Mergulhei em um mundo de extremos, onde não era permitido ser fraco.

— Deixa eu te ajudar — Mila disse, de repente, ao perceber que eu tentava refazer a maquiagem.

— Hoje eu estou péssima — constatei.

— É assim mesmo, todo mundo tem seus dias de terror pessoal. Brigou com o Fábio? Deixa eu te ajudar — ela se prontificou, pegando na minha face e dando início a minha maquiagem. — Fecha os olhos, pra eu marcar seu côncavo.

— A resposta é sim.

— Bem que eu tenho notado você mais chateada. O que houve?

— Aquele ciúme de sempre. Você sabe.

— Ele não muda...

— Não sei mais o que fazer.

— Marilyn, ele nem desconfia do que você faz?

— Não. Ainda não tive coragem de contar, Mila. Tenho medo da reação dele.

— Olha, Marilyn, vou te dizer uma coisa: eu, no seu lugar, já teria terminado com ele. Eu não teria tanta paciência pra homem assim. Mas, como, no momento, estou preferindo mulher, não posso opinar muito. — Ela deu uma leve risada. Mila era muito verdadeira quando dava qualquer opinião.

— Sentimentos são complicados, como sempre. Dá uma olhada no espelho.

Olhei e gostei. Os traços ficaram precisos.

— Ficou ótimo, Mila.

— Isso sim é uma cara de mulher fatal — ela falou, ao me observar.

Mila era muito bonita. Seus longos cabelos negros e sua altura considerável faziam um conjunto harmonioso com seu corpo magro, mas definido. Admirava-a, mas uma coisa me incomodava muito nela: o uso de drogas. Isso era muito comum entre as meninas que trabalhavam na noite. Mila ficava sempre muito agitada quando estava entorpecida e dava em cima até dos clientes das outras garotas, pois seu único objetivo era conseguir mais dinheiro para seu vício. Mila me compadecia.

Muitas meninas perdiam o controle no submundo das drogas. Na verdade, elas acreditavam que a droga fazia com que esquecessem o que estavam fazendo, porque a prostituição causa muita angústia e a sensação de indignidade. Apesar de não usar drogas, muitas vezes eu me embebedava além da conta e fingia ser outra pessoa para esquecer quem eu era. Como já disse, esse é um mundo complexo. O dinheiro é sedutor, o poder sobre os homens também, mas, no fim, tudo isso pode acabar em um passe de mágica. Lembro-me de uma vez em que uma colega me disse cruelmente: "infelizmente, quando nós, garotas de programa, nos apaixonamos, perdemos o foco e aceitamos qualquer coisa, pois somos mais carentes que qualquer outra mulher "comum", por assim dizer". Eram as palavras de Nicole, uma das meninas que haviam trabalhado comigo há uns dois anos. Nunca esqueci essa frase.

Àquela altura, as luzes já haviam se acendido, dando início a mais uma noite da clássica e fervorosa noite carioca, da prostituição de luxo e das boates de Copacabana.

— Você fica melhor de batom bordô. Vou te dar um de presente — comentou.

Ela saiu de súbito do camarim ao terminar de se arrumar, pondo sua pequena bolsa dourada inseparável, própria para a noite. Me olhei no espelho e lembrei de um batom vermelho que eu tinha. "Parece que ela tinha razão" constatava, enquanto olhava meu reflexo no grande espelho. 

A Flor do PecadoWhere stories live. Discover now