Capítulo 17

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Padre Marcos

Às três da tarde, o tempo corria abafado, indicando uma possível chuva quando alguns raios de trovões ameaçaram mandar as típicas chuvas de verão ao cair da tarde. Fábio foi levado para o sepultamento por mim e um coveiro. Não tive condições de fazer qualquer tipo de oração. Padre Regis seguiu o velório com orações e passagens bíblicas. Muito sério e experiente, conduziu as palavras de conforto a minha tia e a todos. Alguns vizinhos compareceram, especialmente a moça que sempre quis se casar com ele. Minha tia se sentiu mal e foi amparada por Dona Matilde, a mãe da moça. Recordava-me dela nos meus tempos de criança. Fábio e eu invadíamos seu quintal para pegar mangas. Era uma senhora gentil, mas muito atenta à vida alheia. Sempre desejou que sua filha se casasse com meu primo, e Eles até tiveram um namorico, mas acho que Fábio nunca deu muita importância.

Como as coisas podiam ter chegado a esse ponto? Não conseguia assimilar por que meu primo havia feito uma loucura dessas. O que seria de minha tia? Quando ela recebeu essa notícia, por Deus, eu estava com ela. Passamos a noite conversando sobre coisas banais, como os amigos de Fábio. Um deles estava estudando nos Estados Unidos e minha tia queria esse futuro para o meu primo. Ela, com seu jeito autoritário e com alto poder de convencimento, faria com que ele estudasse qualquer coisa fora do Brasil. Sabia que era uma estratégia de minha tia para afastar Fábio de Gardênia. Seria uma ótima tentativa. Tia Inês insinuava que Fábio precisava conhecer pessoas novas. Apesar de ela fazer gosto em um possível relacionamento sério com a filha da vizinha, parecia que minha tia arquitetava mesmo uma outra solução mais eficaz e definitiva, segundo seu pensamento. Era inegável que ela não gostava nem um pouco da ideia de que Gardênia fosse se casar com meu primo. Para titia, seria como mandá-la ao matadouro.

E foi assim: minha tia estava planejando o futuro de meu primo, quando, às duas da madrugada, recebemos a notícia devastadora da morte de Fábio. As lembranças do afogamento de meu irmão vieram à tona. Foi um único instante, quando, por alguns minutos, me distraí, brincando com os peixes. E logo me perguntei se também eu poderia ter me distraído com a morte de Fábio. Será que ele tinha enviado alguns sinais e eu não tinha percebido?

Tentei consolá-la com hombridade, mas não consegui ser tão forte. Choramos igual duas crianças, como quando um adulto fala palavras duras e a criança chora sem pudor e com a genuína sinceridade que só ela possui. Abracei-a e ficamos assim por um tempo, até nos darmos conta do que tínhamos acabado de saber.

Enquanto carregava o caixão, refletia sobre o que tinha acontecido naquela madrugada. Instantes depois, o coveiro deu início ao sepultamento. Padre Regis estava falando as últimas palavras quando minha tia, abalada pela forte emoção, desmaiou de súbito, e Dona Matilde logo pediu socorro médico, chamando uma ambulância..

Quando o caixão foi baixado, começou a cair a realidade sobre minha cabeça. Dei-me conta de que nunca mais o veria, assim como meu irmão. Me perguntei o porquê daquele rapaz tão jovem terminar sua vida daquela maneira tão trágica. Não haviam respostas.

Gardênia teve uma atitude inesperada quando começaram a jogar a terra. Ela se deitou na lápide e soluçou com seu choro de visível abalo. Sua atitude gerou surpresa perante os que estavam ali presentes, incluindo Padre Regis. Aquela moça se culpava, e eu sentia uma profunda compaixão dessa realidade de sua vida. Não é fácil nos sentirmos culpados. Precisamos verdadeiramente nos perdoar. É um sentimento que nos causa prisão, o sentimento avassalador do remorso. Ela tinha me dito que se arrependia de não ter se casado com Fábio, e que jamais aceitaria seu próprio erro. Consolei-a e disse que não era sua culpa, e achava sinceramente que não era mesmo. Como podemos imaginar que alguém próximo irá agir dessa maneira? A verdade é que nunca pensamos que coisas ruins nos podem acontecer, especialmente nesses casos. Sempre achamos que vai acontecer com os outros. Como somos egoístas e vulneráveis! Nada está em nossas mãos, perdemos o controle dos fatos muito facilmente, sem que percebamos.

A Flor do PecadoWhere stories live. Discover now