(Vigília, Canada)
Estou escrevendo esse e-mail por um computador da minha prima na clinica, quando fiquei sabendo que poderia compartilhar ainda mais da minha historia e por meio dela quem sabe ajudar mais pessoas não pensei duas vezes antes de tomar a minha decisão. Talvez seja um pouco precipitada ou não, já que já falei do assunto com jornais locais da minha cidade e outras pessoas.
Fazem 7 anos que estou internada nessa clinica, que fica em um lugar lindo, tem muitas flores, pessoas acolhedoras e aqui me sinto segura, minha família só tem permissão para me visitar nos finais de semana, a não ser quando meu pai vem de Nova York para ficar aqui durante a semana. Todos os dias participo de diversas atividades, alguns dias estou deprimida, outros dias me sentindo muito calma, ate demais as vezes.
Tomo por dia 8 comprimidos com funções diferentes, participo de terapias em grupos e uma vez por semana em uma consulta extra com o meu medico, tenho poucos familiares hoje em dia, digamos os que sobraram e os que eu ainda me lembro. Muita coisa foi apagado da minha memoria, pela quantidade de medicamentos que já tomei, as cirurgias que já fiz e o tanto de droga que fui induzida na adolescência, mas sabe de uma coisa para mim tudo bem, as vezes prefiro realmente não lembrar de tudo.
O pouco que me lembro já me atormenta diariamente por mais que eu não queira, acontece sabe, e tudo bem!
Queria poder contar toda a minha historia, sinto decepcionar por não poder contar toda ela, detalhe por detalhe, mas simplesmente não me lembro dela toda, e duvido que outra pessoa iria querer contar ou saber o que vivi. Então vou contar apenas as coisas das quais me lembro e que façam algum sentido na minha mente.
Comecei a sair com um cara, como nos últimos tempos passamos a chamar aqueles com quem saímos e é um desconhecido, não era para ser nada a serio, apenas uma ou duas noites de balada, bebidas e sexo casual, eu tinha por volta de 15 anos. Mas isso para ele virou uma obsessão.
Nunca fui muito bonita, hoje em dia menos ainda com as marcas que carrego no meu corpo, as cicatrizes de cirurgia e o cabelo por crescer, mas na época ele viu algo em mim ou talvez tivesse achado a vitima certa, para que pudesse fazer o que quisesse, como esta acostumado a fazer.
Não me lembro como começamos a namorar, como ele me pediu em namoro, quando fui morar com ele e muito menos quando os abusos começaram em todos os sentidos, uma das poucas coisas que me lembro disso foi quando descobri o assassino que ele era, ele tinha varias facas, armas, porretes guardados no porão.
Ele dizia que iria usar em mim se eu não obedecesse e fosse quem ele queria que eu fosse, que não teria dificuldade em fazer isso, já que afinal de contas tinha matado as ex-namoradas e ate agora a policia não tinha o prendido, com o tempo ele foi se tornando um maníaco, um louco, falava das coisas que fazia no passado e como tratava as mulheres.
Me tornei um nada, um objeto, a todo momento eu estava com medo, fazia o que ele mandava, entrei em depressão profunda, ele me batia, me chicoteava, me amarrava, tinha dias que eu ficava sem comer, por um tempo fui proibida de sair de casa e depois ele começou a se cortar e me cortar também.
Os abusos, os estupros e tudo mais era muito forte e pesado, as coisas que ele dizia que iria fazer mais ainda. Vive por 2 anos com medo e nessa vida pelo que meu pai calcula desde o dia que ele diz que eu desapareci, não me lembro como sai dessa por isso digo que minha historia talvez possa ser um pouco decepcionante para vocês.
Meu pai pouco fala do assunto, ele só diz que quando me encontrou eu estava acabada, nua e jogada em uma floresta, que esse meu ex-namorado estava morto, e apenas isso, nada menos e nada a mais.
Ao longo dos últimos anos muitas coisas aconteceram, por muito tempo vivi com medo, com receio, depressão, passei por 5 cirurgias diferentes, um transplante de rim, muitas e muitas fisioterapias e uma quimioterapia, não me peça para explicar porque não saberia dizer o porque e como aconteceu.
Estar escrevendo esse e-mail, por mais ideias vagas que pode ser ou possivelmente parecer, me da uma esperança ainda maior, de me recuperar e saber que tem pessoas que se interessam por nos, mesmo sem nos conhecer, e outras que estão dispostas a nos ajudar, mesmo que de inicio fiquemos relutantes e com medo, por que sim isso vai vir acontecer.
Mas sempre pensei que tudo no final iria dar certo que eu iria melhorar, não vou voltar a ser quem eu era, isso jamais, mas talvez eu possa vir a ser outra pessoa melhor, com mais força, vontade, determinação e guerreira.
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Chega! Nunca mais (Volume 2)
Non-FictionChega! Nunca mais ao abuso sexual. Volume dois da coletânea de relatos de mulheres e agora neste segundo volume de diversas pessoas ao redor do mundo que sofreram abuso sexual, pessoas que apesar de não terem sofrido ou passado por isso não quisera...