Você Pode Fechar Os Olhos

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Era quase meia noite, onde nada e nem ninguém poderia escutar seu pranto. As cortinas balançavam como se dançassem uma melodia triste e a janela aberta deixava a Lua aparecer aos poucos, iluminado o quarto escuro e as lágrimas de Carol. Ela sentia o vento tocar-lhe o rosto, ele vinha para consolá-la e lhe fazer companhia. As noites mais escuras nos revelam a força que achamos não ter. Caroline havia perdido a final de um reality show, ela sabia que aquele só era o começo, mas ela também sentia a dor de perder. A dor de todo ser humano que não se conforma com a sensação de que seu melhor não foi o suficiente. E todos sentem-se como Carol, pelo menos uma vez na vida.
Longe de casa (ela pensava) longe das pessoas que poderiam me consolar agora, longe da Day. Day?!? Porque eu pensei "Longe da DAY?" Day era tão somente uma amiga querida que conheci ao longo do programa. Apenas alguém que me deu abrigo, sorrisos soltos e espontâneos, músicas divididas ao som das cordas afinadas do violão, que era comprometida com outra pessoa... "mas como eu gostaria que ela estivesse aqui, agora" - soltou Carol num sussurro.
No mesmo instante o som da notificação do celular tira Carol de seus pensamentos e ela pega o aparelho para tentar se distrair, talvez uma voltinha no Instagram a faria distrair-se de sua tristeza. Mas não pôde conter o sorriso ao ler a mensagem:

📱Espero que fique bem. - Day

Ela queria responder, queria dizer que tudo o que ela mais queria é que Day estivesse ali, mas não. Ela apenas leu a mensagem e devolveu o celular na cama. Deitou-se novamente e continuou com a companhia da Lua e do vento, observando novamente a cortinha em sua dança. Olhou para o violão encostado ao lado da cama e chorou, como uma criança, não continha os soluços e com suas mãos tapou o rosto, tentando não enxergar as dores que ele trouxera naquela noite.
Desde criança, Carol tocava violão, desde criança cantava a cada minuto e em todos os lugares, para cada lugar uma música. Mas tudo a trazia para aquele quarto de hotel, para aquela noite, tudo que Carol pensava era em como ela havia colocado seu coração em cada acorde e que de tão alto havia sonhado, também de tão alto havia caído. Ela olhou novamente para o violão e apenas não sentiu vontade de tocá-lo, o que era muito raro, já que sua vida era a música. Mas não naquela noite, ela só queria dormir e esquecer aquele dia. Mas, mais uma vez o celular interrompeu suas lágrimas, ela relutou para pegá-lo e olhar mais uma mensagem, mas enfim ela olhou e era sua mãe:

📱Filha? A mãe te ama, estamos te esperando aqui em casa. Você é a melhor cantora do mundo.

📱Oi, mãe! Logo estarei de volta, está tudo bem por aqui. Estou com saudades, te amo!

Carol jamais deixaria sua mãe perceber sua tristeza, jamais contaria que se derretia em lágrimas em um quarto escuro de hotel, sozinha.

Ela decidiu tomar um banho quente e talvez, deixar que a água levasse embora sua decepção. Tirou seu pijama e ligou o chuveiro, esperou a água ficar bem quente e se aqueceu embaixo dela. Naquele momento a água disfarçava suas lágrimas, que não se continham. Carol simplesmente não conseguia parar de chorar. Tudo aquilo a levou a sua infância, quando ainda criança aprendeu seus primeiros acordes, a alcançar notas altas, que outras crianças tinham dificuldade em alcançar e sentiu-se perdida. Tudo o que ela sabia fazer era tocar violão e cantar, mas tudo que ela via eram seus esforços e sua luta se perder em lágrimas debaixo de um chuveiro.
A campainha? Eu ouvi a campainha? Pensou Carol.
Ela estava tão longe em seus pensamentos que achou que fosse sua imaginação lhe pregando mais uma peça. Mas o barulho surgiu novamente e mais insistente. Não, não era sua imaginação, era mesmo a campainha. Mas ela não havia pedido nada, quem seria aquela hora? Enrolou-se na toalha e saiu para parar de uma vez por todas com aquele barulho que fazia sua cabeça explodir.
"Já vou" - gritou Carol tentando disfarçar a voz de choro.
Quando abriu a porta, Day estava parada diante dela. Foi como se seu coração parasse por dois segundos, dois segundos para sua mente se perder, não entender, piscou com força os olhos e Day interrompeu o silêncio:
"Não vai me convidar pra entrar?"
Carol não tinha palavras, sem dizer nada apenas afastou-se da porta e deixou que Day passasse por ela e sentasse na cama, também em silêncio.
Carol passou a mão no rosto enchugando as lágrimas e virou-se para Day. Limpou a garganta e disse baixo, quase num sussurro:
"Como me encontrou"? - Carol
"Como sempre te encontro, pedindo informações pra todo mundo, até chegar aqui. Na verdade, perguntei para o pessoal da produção onde ficavam hospedados as pessoas do programa e aqui estou". - Day
"Não deveria estar na sua casa? Com sua esposa? Afinal, você também não teve um dia muito bom, deveria estar com ela, sei lá, pelo menos é o que eu acho". - Carol
Day também havia disputado a final do programa com Carol e também havia perdido para uma outra concorrente. Mas Day parecia lúcida, com seus cabelos castanhos longos e olhos fixos e compenetrados em Carol, respondeu:
"Eu deveria estar aqui e estou, mas se acha que eu deveria estar em outro lugar é só me dizer e eu vou embora" Day disse com um tom de voz firme e continuou: "Meu dia realmente não foi o melhor dia da minha vida, mas também não foi o pior, então, não queira jogar em mim sua raiva. E minha EX-esposa, não sei onde anda, nem tampouco gostaria de saber".
Carol sabia que o relacionamento da Day não estava dos melhores, mas não sabia que elas haviam se separado, não sabia que Day apareceria no seu quarto, não sabia o que fazer com seu coração que não controlava-se perto daquela mulher e batia tão acelerado que ela temia que Day pudesse ouvir. Então ela fechou os olhos tentando não enchergar o que o seu coração já não sabia disfarçar.
"Vem cá". - Day
Carol obedeceu e sentou-se ao lado de Day na cama. Elas ficaram de frente uma com a outra e Day num gesto carinhoso ajeitou uma mecha de cabelo ruivo atrás da orelha de Carol. Elas fixaram o olhar uma na outra e sem dizer uma só palavras elas se falavam. Carol sentiu seu corpo estremecer e apesar de estar de toalha sentia-se nua diante daquele olhar. Uma lágrima quente desceu de seus olhos e Day a abraçou forte e disse:
"Eu sei que nosso dia não foi o melhor dia, mas nós apenas começamos Carol, temos muito ainda por fazer, hoje só foi um dia que perdemos, mas haverão tantos outros dias que podemos vencer." - Day
"Não é justo!" - Carol
"A vida não é justa, Baby". - Day
"Não, eu quis dizer que não é justo que você me console enquanto você também viveu, assim como eu, um dia difícil." - Carol
"Estar aqui é o meu consolo, nenhum prêmio, nenhum programa, me faria mais feliz do que o dia em que te vi pela primeira vez. Vestida com uma camiseta branca e um shorts jeans, seus cabelos ruivos e bagunçados. Quando ouvi você cantar o tempo parou e eu simplesmente não sabia nem onde eu estava, só sabia que tudo que eu queria era estar ali". - Day
Carol afastou-se de Day e olhou em seus olhos com cara de espanto:
"Você se lembra da roupa que eu estava vestindo quando me viu pela primeira vez?" - Carol
Day com a voz embargada e seus olhos fixos no de Carol, disse baixinho:
"Eu me lembro de tudo". - Day

Carol não entendia o que estava acontecendo, seus sentimentos estavam a flor da pele e tudo o que ela queria naquele momento era beijar os lábios de Day, era colocar seus sentimentos pra fora, externar o que há tempos seus sentidos pediam e ali, naquele momento, parada na frente da pessoa que bagunçou sua cabeça e que a fez perceber que sentimentos não se encontram, eles encontram você, não importa o quanto você fuja deles. Carol fechou os olhos, respirou fundo, ela não poderia beijar uma garota, toda sua vida ela se relacionou com homens, toda sua vida ela tinha certezas que levava consigo e não podia deixar levar-se por aquele momento de extrema carência. Então ela ponderou, levantou-se depressa, como quem quisesse fugir de si mesma, correr pra longe e não deixar-se levar pelo seu coração que implorava por um beijo de Day. Ela caminhou em direção da janela e a fechou. Com as mãos na tranca ficou ali, parada, tentando recobrar os sentidos.
Day entendeu o desespero de Carol, entendeu sua confusão e entrou no banheiro trancando a porta, deixando Carol respirar, voltar a si.
Quando Day saiu do banheiro, Carol estava deitada na única cama do quarto, em silêncio. Day chamou pelo seu nome e Carol virou-se para olhar pra ela.
"Eu achei esse roupão, acho que posso dormir com ele, não é?" - Day
Carol sorriu ao ver um roupão enorme, dez números maiores do que Day e respondeu:
"Acho que ficou ótimo em você." - Carol
Day caminhou em direção à cama e sentiu Carol ficando tensa novamente e tratou de acalmá-la:
"Fica tranquila, não vou fazer nada com você, vamos apenas dormir, tá bom? E como temos uma cama só por aqui, eu deito virada pra parede e você pro outro lado, pode ser?"
Carol sabia que Day não faria nada, depois de tanto tempo convivendo juntas, nunca havia faltado respeito e amizade e outra coisa, não era a primeira vez que elas dormiam na mesma cama. Uma vez, ensaiaram a noite toda e acabaram dormindo, só perceberam-se abraçadas ao amanhecer. Carol assentiu com a cabeça e Day se endireitou ao seu lado da cama fechando os olhos para que aquele dia terminasse ali.

P L A Y - Parte 1Onde histórias criam vida. Descubra agora