Capítulo 11 - A despedida

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Ficar pensando na minha mãe depois do telefonema do Eduardo para o meu pai deve ter acordado várias conexões do meu subconsciente. Várias memórias apareceram vivas durante meu sono curto.

A mudança para os fundos da casa da dona Amélia foi motivo de grande tristeza para mamãe. Morávamos com minha avó que ao morrer levou grande parte da renda que nos sustentava. Minha mãe nunca foi preguiçosa ou pouco motivada para trabalhar o problema é seu inconformismo com a vida. Ela não levava desaforos para casa e eram rápidas suas passagens por empregos. Quando ela via injustiça fosse com quem fosse manifestava-se com veemência.

Uma amiga dela que eu conhecia sempre falou que ela sentia as dores dos outros e muitas vezes o outro nem sequer tinha reparado na tal dor. Minha avó falava que ela era bocuda e malcriada. Palavrões eram constantes no seu vocabulário e ela os definia como expressões do idioma.

Os relacionamentos eram constantes e fugazes. Em um ano cheguei a conhecer mais de oito pretendentes. As escolhas, em geral, eram ruins. A dona Amélia era cliente assídua do Alceu, o último namorado da mamãe. Ele tinha um corcel antigo lotado de roupas de cama, mesa e banho. Era simpático com as clientes e fazia um carnê próprio em uma caderneta de papelaria.

Dona Amélia o convidava para entrar, deixava que ele usasse o banheiro e ainda servia café com bolinhos. Ele passava na casa dela duas vezes no mês. Ela sempre comprava pelo menos um pano de prato. Nas segundas feiras o salão que mamãe trabalhava ficava fechado e foi assim que eles se conheceram.

No início eu gostei muito da conversa dele cheia de promessa de dias melhores e enriquecimento. Até que um dia enquanto eu lavava a louça da dona Amélia, nós conversamos sobre ele. A querida velhinha me explicou tudo sobre as palavras refletirem sonhos que nunca vão se concretizar. Falou sobre pessoas que voam alto em seus pensamentos e não fazem um plano de ação para tornar tudo verdade. Ela o conhecia fazia anos e duvidava que ele conquistasse dias melhores.

Minha mãe por outro lado ficou impressionada com possibilidades de ganho financeiro e afeto e logo começou a viajar com ele nas segundas feiras, para conhecer as clientes e ajudar e a seguir as estratégias de vida melhor vieram.

Durante um domingo ele a levou para conhecer um pequeno local onde poderiam montar um salão de cabelereiros. A ênfase que ela deu ao chegar em finalmente ser dona da sua própria vida e do seu próprio negócio ressoava pela casa. Eu quis sentir a mesma alegria e não pude depois da injeção de palavras coerentes que dona Amélia me deu.

Um pouco antes de partirem ele dormiu na nossa pequena casinha e dona Amélia me acolheu no quarto de hóspedes. As palavras da minha mãe sempre vão ficar na minha cabeça.

— Filha o lugar é muito pequeno para nós três. Primeiro eu vou com o Alceu e logo te busco. A clientela vai ficar grande em pouco tempo, não tem ninguém tão boa como eu naquela cidade. E fora isso a dona Amélia não está bem, tem sempre uma pneumonia atrás da outra. Já combinei com ela que vou mandar o dinheiro do aluguel todo mês e mais um pouquinho para você comer.

Eu fiquei triste e feliz. Triste por ficar longe da minha mãe e feliz por não deixar a escola e nem a dona Amélia. Eu pensei que o logo da mamãe seria dentro de uns seis meses até ouvir:

— Ju pode colocar um ano, pelo menos. — sábias palavras da dona Amélia.

Tudo ficou bem durante o primeiro ano que ela se foi. As cartas no início que eram otimistas e cheias de sonhos iluminados foram perdendo o brilho ao decorrer do tempo. E palavras como sucesso, dinheiro e passear foram logo substituídas por dificuldades, crise financeira do país e economizar. Eu queria ter visto minha mãe pelo menos nas comemorações de fim de ano e ela alegou que era quando mais iria trabalhar e guardar dinheiro.

Nossos laços de amor. COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora