Corvos assassinos de Corvos

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     Eu estou deitado na minha cama. No relógio marcam 12 horas, mas eu ainda estou deitado, sozinho, na minha enorme cama de casal. O dia está escuro; nublado. Desagradável seria a palavra certa. E eu aqui, tentando preencher o vazio que se estende por dentro de mim. Não tenho vontade de me levantar. Aqui me parece ser um ótimo lugar para passar os últimos dias de minha vida.

     Eu não tenho emprego. Nem namorada; nem família. Eu me afastei de todos eles. Eles não me entendem. Não preenchiam o vazio que há dentro de mim; não faziam questão disso. Moro no interior de Dacota do Sul - Estados Unidos. Minha casa é velha; barulhenta; fétida e escura. Dizem que as coisas que você possui têm haver com algo que esta dentro de você... é o seu "Eu" profundo.

     Calço meus chinelos e desço as escadas em direção a cozinha. Arrasto meu corpo pelo corredor para chegar aos pés da escada. Meu corpo não tem mais forças. Ele já desistiu de viver. Desistiu de continuar. Minha alma já deixou essa matéria morta e dispensável à algum tempo. Desço as escadas lentamente me apoiando no corrimão de ferro carcomido pela ferrugem. A cor, que antes era prateada, agora só é um monte de resto como o resto da casa toda e tudo que habita nela. Inclusive eu!

     Coloco um pouco de café em minha caneca de cerâmica marrom escuro. Ela fica quente. Sim, consigo sentir ela esquentar minhas mãos pequenas e fúteis. Ando em direção as folhas de portas francesas que dão acesso para o jardim privativo da casa. Observo severamente e atenciosamente o que acontece fora de casa. -Nada de interessante - penso em voz alta observando a vasta e densa floresta que se encontra a uns 50 metros da casa onde me encontro agora.

     Enquanto observo a área esterna da casa, percebo que alguns rebeldes raios de sol ultrapassam a densa camada de nuvens que cobrem o céu. O sol reflete a geada que esta sobre a grama nesse exato momento. - Nunca contemplei algo tão perfeito antes. - penso em voz alta novamente. De repente algo bate muito forte a porta de entrada da casa. Levo um susto grande; o que faz com que o café, que estava dentro da minha caneca, caia no chão.

     Sigo em direção a porta e coloco minha mão na maçaneta, que esta gelada. A maçaneta é redonda e dourada, presa a uma porta grande de madeira bruta. Madeira de carvalho; com um vidro fosco ovalado no meio. Giro a maçaneta para o lado esquerdo. Hesito um segundo porém abro a porta. Nada. Fecho a porta novamente e saio de perto da porta. Dou apenas cinco passos, até que escuto outra batida violenta na porta. Violenta a ponto de quebrar o vidro da porta. Algo preto entra dentro de casa.

     Corro para ver o que é. - Um corvo. O pescoço do pobre pássaro está quebrado. Olho para os lados a procura de algo que possa me ajudar, porém não encontro o que nem eu mesmo sei o que estou procurando. Um outro corvo entra pelo buraco de vidro quebrado na porta e arranha meu rosto. Sinto o sangue escorrer. Meu rosto fica quente. Em questão de segundos, outros tantos corvos entram pelo buraco da porta e começam a me atacar...

     *Quem diria hein Ronaldo; sendo morto pelo mesma coisa que te dava prazer em matar.* penso. Sim, eu sou psicopata. Por tal motivo que me isolei da humanidade, eles nunca me entenderam. Nunca fizerem questão. Porém agora, isso não vale de nada. Eu estou sendo morto pela coisa que eu gostava de matar. Eu deveria saber que um dia isso iria acontecer. Como qualquer outra coisa que ocorreu na minha vida; qualquer outra coisa que exista nessa casa; qualquer outro objeto ou ser vivo, minha morte será insignificante.

     Ninguém nunca irá descobrir. A casa nunca deixará de ser uma mera casa. Os objetos existentes aqui, nunca deixaram de ser meros objetos. E eu? Nunca deixarei de ser um mero ser fútil. Enquanto os corvos arrancam minha carne, minhas entranhas, meus olhos, com aqueles pequenos e magníficos bicos pontudos e ágeis, eu morro feliz. Acho que esse sempre foi o sonho que eu busquei e nunca encontrei. Morrer...

     O que me resta é apodrecer junto a casa. Ficar ali jogado no chão sem forma, sem rosto... e sem vida!



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