Agitando a festa

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Nesta viajem feita na carruagem de Cronos, vamos regredir alguns anos e pararmos no dia 13 de outubro de 2006. Nesta época estava acontecendo em Viçosa O Festival da Primavera e a comemoração do seu 175° aniversário.

Era uma festa linda, os corpos quentes de centenas de pessoas aqueciam aquela noite. Um som barulhento, animado, que movimentava multidões, estremecia meu coração, um forte cheiro de cerveja derramada, por sinal era um cheiro de festa que eu adorava. As barracas de bebidas e comidas faziam um círculo sobre a única avenida da cidade, abasteciam-nos e se abasteciam. Tinha as barracas de cerveja que colocavam uma ou duas tendas, para cobrir as mesas e cadeiras, eles serviam batatas-fritas e churrasquinhos no espeto como tira-gosto. No meio da avenida, já perto da Praça Duas Vidas, ficavam as barracas de cachorro-quente. (Coma um e no outro dia torne-se um monarca, e de seu trono não se locomoverá.) E não tem como esquecer as badaladas barracas de drinques e batidas, que se estendiam por toda a avenida, a batida mais apreciada pelos jovens possuía o macabro nome de capeta. Um enorme palco montado no início da avenida brilhava coloridamente, dali saiam vários tipos de cantos, mas o comum ao público era o ritmo do forró. Ao lado do palco tinha um camarote, onde pairavam a elite da cidade: grandes coronéis, que apesar da falta do título possuíam grandes lotes de terra e eram considerados autoridades na cidade, suas palavras eram ordens e tinham que ser escritas, verdadeiros senhores feudais; comerciantes, a burguesia, os que tinham mais poder aquisitivo, eles eram bajulados pelos demais; Vereadores, muitos deles semianalfabetos, estes considero como sanguessugas do povo, eles mamavam nas tetas da prefeitura a vida toda, são capaz de tudo para continuar no poder legislativo; Por fim, o prefeito, a grande autoridade da cidade, o ícone que por ali jazia com meia dúzia de puxa-sacos.

Aos meus dezoito anos, segurava um copo com uma dose de Whisky na mão, usava roupas de marcas, pele pálida, corpo atlético, estatura média e cabelos castanhos caracolados. Minha carteira recheada de dinheiro, e um olhar canino desejando Ana Julia Pedrosa, a garota mais cobiçada da cidade.

Para muitos rapazes da adorável Princesa das Matas era só isso que poderiam ter: o desejo e nada mais. Mas para mim, só o desejo não bastava, iria até o fim para conseguir o que queria, nas maiorias das vezes sempre conseguia, tinha certa facilidade para conquista as garotas. Há tempos que vinha tentando algo com ela e ali era o momento certo de dá o tiro certeiro.

Meu pai era herdeiro de uma fazenda e um grande advogado bastante requisitado na região, este fato servia de grande influência para eu poder conquistar algumas garotas, o poder era dado por pedaços de papeis infectos ou por números imaginários, armazenados em uma rede sócio-adiministrativa. Outra coisa, verdade seja dita, eu não sou de se jogar fora em questão de beleza e usava meu charme e minha lábia para as conquistar também. Resumindo levava a minha vida assim, curtindo em festas e num jogo continuo de sedução, prazeres e diversão sem limites.

Ana Julia Pedrosa é uma filha bastarda de um vereador forte da cidade, conhecido como Carlinhos Móveis. Antes de ser reconhecido como vereador, Carlinhos tinha uma singela loja de móveis, que se tornou uma grande loja do dia para noite, seus preços muito inferiores ao preço do mercado atraíram a clientela, assim vendia seus produtos mais rápido do que se tomava água. Com o dinheiro do grande lucro com as vendas (é! Apesar do baixo preço, ninguém sabe como, mas ele ainda conseguia tirar um alto lucro) Carlinhos investiu em sua campanha eleitoral e se tornou vereador da nossa singela princesa das matas. Nesta época ele cumpria o seu terceiro mandato e seu negócio expandiu ao triplo, com filiais em outras cidades em nomes de terceiros.

Mas voltemos à linda Julia. A bastarda, como havia dito, morava com sua mãe e seu padrasto em Maceió, mas há quatro anos atrás, houve um terrível acidente de carro que deu fim à sua mãe, padrasto e seu meio irmão de apenas um ano de idade. No dia do acidente, a jovem só não fez parte da lista de prontuário por que estava dormindo na casa de praia de sua amiga em Coruripe. Recebeu, no dia, a notícia de sua tia, ela disse que sua família tinha sofrido um acidente, mas foi no hospital que ficou sabendo dos detalhes da grande fatalidade. Julia não dava fé no ocorrido, para ela, sua mãe e irmão ainda estavam vivos e tudo não iria passar de um mal-entendido. Essa sensação demorou algumas semanas para sair de Julia, quando ela realmente se deu conta do triste fim de sua família, caiu em um profundo desespero. Não comia, não dormia, não falava, não respiraria, se pudesse. O estado mental de Ana Julia fez com que ela se aproximasse de seu pai, que até então era um estranho. Assim, a frágil loirinha acabou indo morar com seu "desconhecido" pai na nossa magnífica Viçosa.

Tentando alegrar o estado de espírito da filha e tentando compensar o tempo perdido não dedicado as ações de pai, Carlinhos Móveis acobertou a filha de vontades, satisfazendo todos os seus desejos. Com isso, a fragilidade e o abalo por conta do acidente iriam acabando-se e tornando-se futilidades e muito mimo.

Julia estava linda como sempre, seus cabelos longos e loiros, sua pele tão clara que refletia a luz como o satélite lunar, seus olhos verdes, sedutores e falantes, seus lábios carnudos que me inundavam a boca, a vontade de os tocar com os meus era pulsante e difícil de controlar toda vez que eu a via. Dançava exuberante e cheia de si (como me atraia aquela garota!). Fiquei um bom tempo contemplando sua beleza, queria chegar, aproximar-me, mas estava gostando de a admirar de longe, quando as tantas doses de whisky e outras loucas misturas alcoólicas já estavam dando-me um mar de sensações resolvi ir ao seu encontro. Ela já tinha percebido o meu desejo, por isso me olhava, atraia-me. Mas, outro se antecedeu a mim, Diogo Guedes meu pior inimigo (antes, quando crianças fomos muito íntimos, devido a sua arrogância e o meu orgulho nossa amizade foi perdendo-se com o tempo e se tornou inimizade.), sussurrou no ouvido de Julia e a tirou para dançar.

Os ciúmes junto ao álcool estavam devorando-me, aponto de ter uma conversa comigo mesmo. "Vai lá e acaba com a festinha daquele otário e mostra pra ela quem é homem de verdade." Eu já estava convencido que era isso mesmo que deveria fazer, quando outro eu começou a falar também. "É melhor não! Você vai fazer um papel muito desagradável na frente dela e o otário será você." Foi mais convincente que o primeiro, por isso eu resolvi ficar quieto no meu canto só observando roendo-me de ciúmes. Mas Diogo foi longe demais, tentou a beijar a força, ela hesitou e pediu que ele a largasse. Foi quando as vozes dos meus eu apareceram de novo. "Agora é sua chance! Ele está tentando abusar da garota, acaba com ele e receba as glorias dela." Agora sim estava completamente convencido que tinha que dar uma boa surra no Diogo. "Não faça isso! Não banque o herói, por que se..."

— Cala essa boca! — Gritei já sem paciência (esse segundo eu é muito chato!) e Pedro, um amigo meu que estava do lado, espantou-se com meu grito e pensando que estava dirigindo-me a ele disse:

— O quê? Mas eu nem falei nada! — Retrucou Pedro, sem saber o que estava acontecendo e o que estava a acontecer.

— Não, não é com você não. Venha comigo, vamos agitar um pouco essa festa.

Então fomos em direção a Julia, que ainda tentava se livrar das mãos de Diogo. Peguei no ombro dele e o pedi para que a soltasse e sem que ele tivesse tempo de reagir, dei-lhe um soco bem no meio de seu nariz (um lugar que não era difícil de errar), foi nessa hora que a agitação começou. Julia gritou, a multidão se afastou formando um círculo em nossa volta, a música parou, o cantor pediu que a polícia fosse conter a confusão. Diogo reagiu com outro soco que passou queimando no meu ouvido esquerdo, dei-lhe um chute no estômago e vi seus olhos virarem, foi aí, que recebi um grande golpe certeiro de um dos amigos dele que entrou na briga. O cara era bem alto e tinha uma mão estupidamente pesada, mas, ainda bem que não estava só, senão tinha levado a pior. Pedro também se manifestou e conseguiu fazer com que o responsável pelo soco que levei comesse poeira, os tantos quilos de Pedro são bem difíceis de se abater, assim ele consegue uma enorme vantagem nas lutas. Levantei e continuei de onde estava, agarrei Diogo e nós dois caímos e ficamos rolando pelo chão. Algumas pessoas que estavam ao nosso redor nos derramavam bebidas e nos atiravam latinhas de cerveja, a confusão só veio acabar quando os seguranças da festa e a polícia chegaram.

Os policiais nos deram uma bronca enorme e nos mandou para casa, isso por que nossos pais são figurões conhecidos na cidade, pois se não, passaríamos no mínimo à noite no xadrez, vendo o sol nascer quadrado ao lado de alguns ladrões de galinhas e outros bêbados. 

Meu nome é GabrielOnde histórias criam vida. Descubra agora