Meu nome é Clara

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Estava de volta a minha casa, tinha acabado de chegar do hospital, ainda continuava sentindo o gosto amargo dos analgésicos e me sentia um pouco sonolento. Entrei no meu quarto e olhei para o espelho na porta do meu guarda-roupas, tinha um enorme galo em minha testa, eu estava horrível. Mas sentindo-me extremamente aliviado porque já estava em minha residência, não suportava ficar em um hospital, não gostava de ir para lá nem como visita. Aquele cheiro de água sanitária misturada com álcool, aquelas pessoas doentes espalhadas por todo o lado, tudo aquilo me dava um mal-estar insuportável e ainda tinha uma certa fragilidade do momento. No hospital eu me lembrava que nós não somos eternos e nem fortes cem por cento da nossa vida. Eu percebia que somos iguais a cristais, frágeis e podemos quebrar em um simples atrito. Sentia-me assim também em velórios, por isso que fazia de tudo para não estar presente em nenhum.

Essa tinha sido a segunda vez que eu fiquei internado, a primeira vez eu tinha apenas doze anos de idade. Não é difícil recordar desse momento, de como tudo aconteceu.

Foi em uma tarde de verão, o ponteiro do relógio caminhava por volta das quatro horas. Os raios de sol já não eram tão violentos. Eu estava em um riacho junto a Diogo Guedes. Nesta época ainda éramos amigos. O riacho ficava na propriedade dos pais dele, gostávamos de passar as tardes nos refrescando lá. Era um lindo local coberto por grandes árvores, um riacho estreito com alguns pedregulhos e uma pequena caída, como se fosse uma mini cachoeira. Sua água era bastante cristalina, dava para ver o fundo e os peixes.

Fomos até lá a cavalo e como já era quase cinco horas, decidimos voltar para casa. Mas Diogo teve uma brilhante ideia:

— Ei cabeção, vamos fazer uma corrida até o curral?

— Corrida!? Pra que isso? — Perguntei.

— Pra correr, hora! Pra saber quem é o melhor de nós dois no cavalo, cabeção. — Diogo sempre foi competitivo, com tudo ele queria fazer competição. — Não vai me dizer que tem medo?

— Eu mesmo não. Se você quer correr vamos correr! Vou mostrar para você como se monta um cavalo.

Diogo e eu vestimos as nossas roupas. Diogo era um menino franzino e pálido, com longos cabelos loiros e lisos, olhos verdes, lábios finos e um enorme nariz, mas enorme mesmo. Assim que ele terminou de se vestir, pegou um pedaço de galho e montou em seu cavalo.

— Monta logo, quero te deixar comendo poeira.

— E esse pau aí?

— É pra marcar o tempo da partida. Vou jogar ele pro alto, quando ele cair tá valendo. Entendeu, cabeção?

— Entendi, venta de tucano!

Estava muito ansioso esperando Diogo jogar o galho para o alto, não tinha problemas nenhum de cavalgar, mas correr... Não costumava fazer isso. Quando meu pai me via num galope mais rápido brigava logo e eu desacelerava.

Então Diogo jogou o galho para o alto. Aquele pedaço de madeira girava no ar e de repente tudo ficou congelado, como em um filme em câmera lenta ele foi descendo lentamente até cair no chão.

— Vai! — Gritei com o cavalo, afrouxando as rédeas e batendo nas laterais dele com minhas botas como se tivesse esporas nelas.

Diogo saiu na frente, levantando uma nuvem de poeira daquela estrada de terra. Seguia bem colado nele, ambos os cavalos corriam bastante. Passamos por uma cancela que estava aberta e entramos em uma pequena trilha que adentrava pelo pasto da fazenda do pai de Diogo. Logo a ansiedade e o medo abriram caminho para a chegada da adrenalina pura. Não pensava em mais nada naquele momento, a não ser em ganhar. Por outro lado, Diogo pensava nisso mais do que ninguém.

— Corre miséria, corre! Filho do "cabrunco"! — Gritava Diogo com o seu cavalo. Ele era assim, seu linguajar era bastante afiado e vulgar. Provavelmente reproduzia tudo o que ouvia em sua casa.

Saímos do pasto e entramos em outra trilha, essa era maior e cheia de árvores nos dois lados. Consegui alcançar Diogo e nossos cavalos ficaram emparelhados, bem na curva consegui fazer a ultrapassagem, pressionei novamente as laterais do cavalo para ele correr mais depressa ainda. Tomei uma certa vantagem de Diogo, já estávamos próximo da chegada quando fui olhar para trás para ver o quanto tinha me distanciado dele. Diogo fez uma cara de espanto e tentou gritar alguma coisa, estava achando que ele estava desesperado por saber que iria perder em seu próprio jogo, em seu próprio domínio. Mas antes que eu virasse a cabeça de volta para frente, esbarrei em um galho de árvore, o cavalo prosseguiu e eu fiquei. Fui arremessado fortemente ao chão.

Cai de costa, comecei a sentir uma dor insuportável, mal conseguia me mexer, fiquei desesperado, completamente aos prantos.

— Tu é doido Gabriel, eu tava falando pra você olhar pra frente. Está doendo muito?

Não conseguia falar nada só gritar de dor. Diogo foi procurar ajuda. Levaram-me para o hospital, tinha quebrado uma costela, fiquei alguns dias internado, foi um dos momentos mais horrível da minha existência.

Essas lembranças pareciam um filme em minha mente, sempre lembrava de todos os detalhes, as imagens eram bastante nítidas. Mas tinha que deixar essas memorias de lado, afinal de contas, eram coisas muito antigas e muita gente que fazia parte dessa história  deixei para trás.

Já estava deitado, pois era só isso que me restava naquele dia, quando escutei a campainha de casa tocar. Magali, nossa empregada foi atender. Meu quarto ficava perto da sala, tinha deixado a porta aberta, por isso dava pra escutar tudo o que falassem na sala.

— Sim ele está, mas não sei se ele vai querer ver a senhorita agora. Espere aqui um momento que eu vou perguntar a ele. — Disse Magali para a pessoa que acabara de tocar em nossa campainha. Deduzi que essa pessoa fosse Julia.

— Mande-a entrar Magali, estou aqui no quarto. — Gritei da cama.

Escutei passos tímidos se aproximando do meu quarto, eram estranhos, Julia não costumava andar daquele jeito, os dela eram sempre passos firmes e rápidos. Uma sombra diferente se aproximou, logo em seguida revelou a quem pertencia. Era uma linda jovem, magra, pele caramelizada, cabelos ondulados, franja na testa, nariz empinado e delicado. Ela tinha um ar de pureza, tinha uma áurea mágica. Podia jurar que a conhecia, porém não lembrava de onde.

— Boa tarde Gabriel. — Falou a moça, ainda bastante tímida.

— Boa tarde, mas quem é você?

— Não se lembra de mim?

— Não sei, estou bem confuso agora!

— Meu nome é Clara!

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