O paradoxo do silêncio

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Já notaram que às vezes o silêncio é contraditoriamente barulhento e pode incomodar bastante, mas bastante mesmo, podendo ser pior até do que o próprio barulho? Não!? Se não perceberam esse paradoxo ainda, um dia irão perceber. Como quando eu notei este curioso fato naquela noite no quarto de Julia.

Alguns minutos depois, que finalmente consegui dormir com a menina mais cobiçada da nossa pequena cidade, me deparei com o tal silêncio paradoxal. Porque notei que meus ouvidos ainda zumbiam por ter ficado muito tempo ouvindo os estrondos dos autofalantes do show; escutava o barulho intermitente do ar-condicionado do quarto da bela Julia; O tic-tac vagaroso do meu relógio de pulso; E a pesada respiração de ressaca da linda loura que ali do meu lado dormia.

Olhei para a garota como se olhasse para um troféu, uma medalha depois de uma árdua competição. E o que os esportistas pensam quando ganham uma medalha? Não vejo a hora de ganhar a próxima. Foi exatamente isso que pensei neste momento. Mas logo em seguida os tic-tacs do meu relógio chamaram, mais uma vez, a minha atenção. Eram três e quarenta e cinco da manhã, eu não estava me sentindo bem à vontade ali. Era como se eu estivesse completamente nu, de fato eu estava sem roupas, mas esse nu não é referente ao meu corpo, e sim ao meu interior. Você já comeu brigadeiro de panela desesperadamente e depois da última colherada se arrependeu? Já teve essa sensação de arrependimento por ter feito algo extremamente delicioso, porém quando chegamos no fim você se depara com o mesmo vazio do início? Não sei se consegui te explicar direito meu amigo leitor, mas foi exatamente isso que senti.

Não poderia mais ficar ali com a linda Julia, queria todo o conforto do meu lá, queria o meu quarto, a minha cama. Por isso levantei e me vesti rapidamente e cuidadosamente para não a acordar. No entanto, foi em vão.

—­ Ei! O que está fazendo, em bonitão? — Disse Julia, com a voz tremula de sono, coçando um olho e em seguida bocejando.

— Estou me vestindo para ir embora, ué!

— Como assim? Pensei que iria dormir comigo!

— Você é louca mesmo né menina!? Dormir aqui? Teu pai chega já, já, com tua madrasta. E eu quero voltar inteiro para minha casa. — Falei aumentando o tom.

— Relaxe menino, minha madrasta sabe de nós dois, sempre converso com ela sobre os carinhas que eu gosto. E Antes de virmos para cá, enviei uma mensagem de texto para ela dizendo que estava trazendo você. — A Julia falou isso com a maior calma desse mundo, enquanto eu já estava começando a entrar em estado de loucura, eram bastante informações para minha pobre cabecinha juvenil assimilar.

— Como? Não entendi? Como assim você conversa com ela sobre mim? — Questionei.

— Ah Gabriel. Eu contei para ela que ficamos lá na escola na semana passada e que ultimamente eu e você estávamos conversando bastante.

— Então você contou pra ela dos nossos beijos no colégio. Mas por que falou que estávamos vindo para cá? — Perguntei. Eu pensava que aquilo era uma coisa de outro mundo, Julia ser tão aberta assim com a madrasta dela. Em contrapartida, eu não contava nada sobre os meus relacionamentos para os meus pais, ou outras pessoas mais velhas que eu. Deus me livre deles ficarem sabendo das meninas que eu ficava ou dos meus relacionamentos. Além de achar constrangedor, não queria eles metendo o bedelho na minha vida. Mas a Julia contava tudo para sua madrasta, contava até que tinha uma vida sexual ativa e quase todos os detalhes de suas relações. Julia era realmente diferente das meninas da velha Princesa das Matas, sua mente era anos luz na frente das outras meninas.

— Eu falei a ela, que ela tinha que ficar lá com o pai por mais tempo, para ele não pegar a gente vindo pra cá, e nem ouvir nada quando chegasse. — Explicou Julia.

— Entendi. Mas, mesmo assim não posso ficar, tenho que voltar para casa agora, você não vai ficar chateada se eu for agora, não é?

— Não bobinho, pode ir se quiser, só pensei que mais tarde quando acordasse iriamos fazer mais alguma coisa. Você sabe... Aqui na cama! — Ela profere essas palavras passando a língua sobre os lábios, em seguida mordendo-os de um jeito sedutor que só ela sabia fazer.

Olhei para aquela enorme cama e visualizei aquele corpo magnifico ali, com apenas uma fina coberta cobrindo-o, analisei rapidamente sua proposta. Um bis? Esse foi mais rápido do que eu imaginava. Quem diria em, na verdade é ela quem me quer no final das contas. Eu acho que vou ficar... Pensando melhor: Não!

— Bem que eu queria Jú, mas realmente hoje não dá, não iria me sentir confortável sabendo que seu pai está aqui. Vamos deixar o sexo matinal para a próxima vez.

— Está bem garanhão. Mas uma coisinha: Quem te disse que terá uma próxima vez em? — A jovem pergunta levantando uma sobrancelha.

— Você disse! Quando falou de mim para sua madrasta. — Deixei a frase no ar e Julia demorou um pouco para entender. Não esperei ela processar direito o que eu disse, abri a porta e me despedi — Tchau Jú, e não se preocupe, não precisa sair da cama eu sei o caminho.

Saí da casa de Julia, tinha me esquecido que fui até lá em seu carro. Mas a minha sorte é que ela não morava tão distante de mim. Tudo é pertinho em uma cidade pequena como Viçosa. Julia morava na rua Vigário Silva, numa pequena ladeira onde tinha lindas e enormes casas, bem próximo à ponte mais antiga da cidade.

As madrugadas de Viçosa costumavam ser bastante frias, e aquela não era diferente. Tinha um pouco de névoa na rua quando saí da casa da bela Julia. Comecei a descer aquela ladeirinha cuja a estrada era feita de paralelepípedos. Logo embaixo na esquina, me deparei com uma enorme e solitária mansão amarela, era a casa de Diogo Guedes. O filho da mãe morava na casa mais bonita da cidade e quase do lado de Julia. Levei a mão aos meus machucados, recordando-me da luta que tivemos mais cedo.

— Toma aí filho da mãe! No final eu sempre ganho. Foi eu e não você que acabou de sair da cama dela agora, otário! — Disse isso alto, olhando para mansão de Diogo, como se a própria mansão fosse ele.

Assim que dobrei a esquina me deparei com a velha ponte, e comecei a atravessá-la. Meus passos eram lentos cansados. O frio estava aumentando cada vez mais. Tinha me esquecido como Viçosa fica tão sinistra pela noite, especificamente por aquelas horas. Eis que me deparo novamente com o silêncio paradoxal, estava tudo calado, mas eu podia escutar os barulhos: O barulho do rio Paraíba correndo por baixo da ponte; Das águas batendo sobre as enormes pedras do rio; de algum carro com seu motor barulhento e ecoante que passava em algum lugar longínquo da cidade; e finalmente o som do festival que estava acontecendo na avenida, esse dava para escutar em qualquer canto da cidade.

Apressei meus passos, entrei na rua do Gurganema e segui em direção da Praça Apolinário Rebelo, conhecida como Praça do Cinema. Lá estava a praça, a minha querida praça, com a grande igreja Matriz; ao lado a pequena e antiga igreja do Rosário, construída no lugar onde um padre pregou uma cruz e celebrou a primeira missa nessa cidade, quando aqui nem mesmo era uma cidade; por baixo dessa igreja, escondido, corre o famoso riacho do meio, que hoje não passa de um córrego de esgoto; Enfrente a igreja do Rosário, do outro lado da praça, tinha a pequena escola Municipal Maria Nazaré Batista; do lado dessa escola, a Caixa Econômica Federal; Ainda do outro lado da praça, próximo à igreja, ficava o famoso bar do Cavaquinho, um dos pontos mais visitados da cidade; mais para frente, na outra extremidade da praça tinha um posto de saúde; ao lado do posto, a tradicional Padaria do Creso, onde servia os melhores pães e biscoitos da cidade; e próximo à padaria tinha o prédio do velho Cine Godoi, da família Godoi que já foi uma das famílias mais poderosas de viçosa. Mesmo desativado a décadas, o cinema era a referência para o nome popular desta praça.

Estou descrevendo tudo isso agora para mostrar a você, meu amigo leitor, como tudo é tão perto na nossa querida viçosa, ao redor de uma praça só, tinha igreja, bar, banco, escola e padaria. Viu!? Até minha casa ficava por ali, entre o velho cinema e a pequena escola.

Entrei em minha casa com meus passos arrastados, parecia que estava pesando uma tonelada. Era o cansaço. Fui direto para meu quarto, tirei minhas roupas e as deixei espalhadas pelo chão, fiquei só com minha roupa debaixo e fui para cama. Ah... minha gostosa cama, macia, aconchegante, meu lar... que saudades desses pequenos momentos da vida!

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Meu nome é GabrielOnde histórias criam vida. Descubra agora