"Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu"Estava sentindo novamente o cheiro de mato e aquele cheirinho de terra molhada, por conta de uma pequena garoa que caíra naquele dia. Minha mãe segurava o guarda-chuva e tinha todo o cuidado desse mundo para que eu não sujasse minha camisa branca do Mickey. Cada vez que me aproximava da porta da casa de meu avô o som da música ficava mais alto e mais nítido, era uma das músicas preferida dele.
"A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá"Minha mãe abriu a porta e eu fui logo entrando como um furacão. o velho estava sentado em sua cadeira de balanço, ao lado da sua antiga vitrola. Ele estava sem camisa, com seu chapéu de couro marrom e segurando a capa de um disco de Chico Buarque de Holanda, fazendo dela um abano.
— Vovozinho! — Gritei e corri para suas pernas.
— Olha ele aí, o bonitão do vô! Pensei que não iria vir mais visitar o velho aqui. — Disse ele.
"Roda mundo, roda-gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração"— Sandra, ô Sandra! — Gritou meu Avô, chamando a moça que cuidava da cozinha dele.
Ela apareceu em seguida. Era uma moça jovem, encorpada, seios fartos, cabelos longos, pele caramelizada e bochechas arredondadas.
— Chamou Seu Dionizio? — Perguntou Sandra.
— Clarinha tá acordada? — O velho perguntou.
— Sim senhor.
— Então você pode trazer ela pra cá? O Biel chegou e os dois são tão amigos, aposto que ela também está com saudades dele. Traga ela Sandra, pra brincar com ele.
— Oba! Vou brincar com a Clarinha. — Fiquei entusiasmado em saber que minha amiguinha viria brincar comigo.
— Claro Seu Dionísio, vou trazer ela pra cá. Aquela menina só vive perguntando pelo Biel o tempo todo, só o senhor vendo. — Disse a mãe da Clarinha.
Sandra saiu da sala e poucos minutos depois voltou com a Clarinha. Quando a menina me viu soltou pulos de alegria, vindo em minha direção. Seu cabelo e sua franja balançavam bastante, ela tinha aquele lindo sorriso, um ingênuo e puro sorriso.
Uma das coisas que eu mais gostava daquela fazenda era poder ficar horas brincando com aquela garotinha.
— Biel, que saudades de você. — A garotinha disse abraçando-me fortemente. — Venha, vamos brincar lá fora.
Saímos correndo de mãos dadas em direção ao curral da fazenda. Mas de repente, tudo começou a rodar, o chão, o céu. A Clarinha se soltou de minha mão e ficava cada vez mais distante, imóvel, enquanto eu girava e girava... Minha cabeça começou a doer, doer muito. E instantaneamente, como um flash, tudo ficou branco.
"No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a saudade pra lá"Essa música, não parava de tocar em minha cabeça. Abri os olhos lentamente, ainda estava sentindo uma forte dor de cabeça, era muito insuportável. Estava deitado e sendo carregado por várias pessoas. Era um lugar branco, bastante claro e tinha um cheiro forte de éter.
— Como é o nome dele? — Perguntou a moça que usava uma touca branca, luvas e máscara.
— É Gabriel Albuquerque! — Exclamou Júlia.
— Gabriel, consegue me ouvir? —Perguntou-me a enfermeira.
Porém, eu estava muito atordoado, não conseguia raciocinar direito, a pancada ainda repercutia em minha cabeça e a dor me deixava confuso. Não disse absolutamente nada. Minhas pálpebras estavam muito pesadas, ficar com os olhos aberto era uma tarefa dificílima naquele momento.
— Olha, tente ficar acordado, tá ok!? Mantenha os olhos abertos, escute minha voz. Está tudo bem com você, foi só uma pancada. — Ela tentou me reanimar. Foi em vão, apaguei novamente.
"Roda mundo, roda-gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instanteNas voltas do meu coração"O Silêncio pairava no ar, quando abri os olhos novamente. Dessa vez estava leve, sem sentir absolutamente nada, mais ainda estava um pouco aéreo, sob o efeito dos analgésicos. Fui abrindo os olhos lentamente, reparei que estava em um quarto de hospital, minha mãe e meu pai estavam sentados próximos a minha cama.
— Querido, olhe, ele acordou.
— Hei, e aí garotão como você está? — Perguntou meu pai.
— O que foi que aconteceu? Por que estou aqui neste lugar? — Perguntei, ainda desbaratinado.
— Você não lembra? — Perguntou minha mãe.
— Não, eu não lembro.
— Você estava no parque com a Julia, um brinquedo do parque bateu em sua cabeça. A Julia disse que foi o minhocão. Mas não se preocupe, porque os médicos já fizeram todos os exames e você está bem, graças a Deus. Só irá ficar de observação por hoje, por garantia. — Minha mãe tentou me explicar.
— Isso é um absurdo total. Vou processar esse parque de meia tigela. Eles não perdem por esperar. — Típico de um advogado, sempre querendo processar todo mundo.
— Guilherme, menos por favor. — Falou minha mãe, interrompendo o que seria um longo discurso de meu pai.
Aos poucos surgia algumas imagens da noite anterior, mas eram como se fosse um sonho, eram imagens bastante fragmentadas e desconexas.
— Onde está a Julia? Ela está bem? — Perguntei.
— Claro meu anjo, não aconteceu nada com ela. Ela ficou aqui por um bom tempo, aí a mandamos para casa, pra o pai dela não ficar preocupado. Ela disse que vem mais tarde. — Respondeu minha mãe.
Os sonhos com a fazenda de meu avô eram bem mais claros para mim que os eventos acontecidos recentemente, a garotinha que eu chamava de Clarinha, não saía de minha cabeça.
— Mãe, posso fazer uma pergunta?
— Pode sim, o que é?
— Na fazenda, tinha uma menina que brincava comigo quando eu era pequeno?
— Tinha sim, vocês dois eram como unha e carne. — respondeu minha mãe, um tanto que desconfiada por eu ressuscitar lembranças tão antigas. "Deve ser por causa da pancada." Pensou ela.
— Como era mesmo o nome dela?
— Eu acho que era Clara. Por que se lembrou dela agora?
— Não sei, só lembrei que brincava com ela.
— Já chega de conversas! Tente descansar Gabriel. — Ordenou meu pai.
*A música que apareceu neste capítulo se chama Roda Viva, uma música do cantor e compositor Chico Buarque de Holanda.
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Meu nome é Gabriel
RomanceO que é o amor? Quando sabemos que estamos amando realmente? O que uma pessoa é capaz de fazer por amor? Muitos dizem que amor é uma eterna entrega, é quando você pensa no outro antes de si. Amor é sacrifício, é se doar por inteiro para pessoa amada...