O balanço do tempo

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A antiga caminhoneta do meu pai estava sacolejando muito. Era um Chevrolet D20 marrom 1990.

Fazia muito tempo que eu não colocava os meus olhos nessa caminhoneta, pensava até que ela não existia mais. Tinha ótimas lembranças sobre esse veículo, uma delas era do dia que ajudei meu pai a concertá-lo. Era uma noite bastante fria, vestia um pijama verde e azul, eu era um menino bastante curioso. Meu pai me levou até uma espécie de garagem que ficava na avenida da cidade e me disse: "Filho, preciso muito da sua ajuda aqui, hoje vamos colocar essa belezinha para funcionar novamente." Apontando para D20. Fiquei animado por ser útil ao meu pai. Mas não sabia em que eu poderia ajudar. Eu era apenas um menino de dez anos, que nem conseguia montar direito o quebra-cabeça do Homem-Aranha. Meu pai me deu uma lanterna e me pediu para iluminar a área que ele estava manuseando. Foram longas duas horas de troca de braços, de passes de chaves, até ele conseguir colocar o carro para funcionar. Ficamos exaltados pela nossa grande façanha. Ele não era mecânico, mas às vezes gostava de mexer em seus veículos e dizia sempre: "Um bom motorista tem que conhecer todas as peças do seu próprio carro." Depois que viu que sua empreitada tinha dado certo, meu pai saiu da velha D20, pegou uma flanela e limpou o para-brisa que estava coberto de poeira. "Vamos lá Biel, vamos dar uma voltinha nela, essa será nossa recompensa". Ele disse com um enorme sorriso em seu rosto. Era mês de outubro naquele dia, tinha um parque na cidade, lá mesmo, na Avenida onde estávamos. Passamos bem devagar pelo parque, meu pai tinha o mesmo olhar e sorriso no rosto daqueles meninos que andavam no carrinho no parque, ou no bate-bate. Ao ver meu pai tão alegre, acabei me contagiando com a sua euforia. Claramente aquele era seu brinquedo favorito e eu também não trocaria aquele momento por nenhum brinquedo do parque. Eu ao lado do meu pai, circulando pela cidade em uma caminhoneta velha e empoeirada que tínhamos acabado de concertar.

E por incrível que pareça, mais uma vez eu estava lá, naquela antiga D20, como disse antes, sacolejando muito. Estava impaciente e inquieto sentado no colo de minha mãe, parecia que a viagem não tinha mais fim, quanto mais andávamos naquela longa estrada de barro esburacada, mais estrada vinha pela frente. Até que finalmente chegamos em nosso destino. Era a fazenda do meu avô.

Meu pai desceu do carro e abriu uma cancela, ele voltou para o automóvel e entramos na fazenda, fomos em direção da casa grande dos meus avós. Ele parou a velha caminhoneta ao lado de um antigo Del Rey 84. O carro preferido do meu avô, que por sinal, até hoje se encontra estacionado lá, no mesmo lugar de sempre. Desci da D20 e fui correndo para dentro de casa. Era uma enorme casa branca com uma linda varanda de frente, onde tinha duas cadeiras de balanço de madeira; a casa era rodeada de janelas de madeira marrom que arejavam todos os quartos; logo na sala, tinha uma enorme estante com uma grande porção de retratos antigos dos meus avós, do meu pai e até meu; ao lado da estante tinha um rack preto, encima dele um toca-discos antigo do meu avô. Como ele gostava daquele aparelho, toda vez que eu o visitava ele me levava até o velho toca-discos e colocava um antigo samba, ou um sertanejo para tocar e dizia: "Dança Biel, dança."

Mas naquele dia o lugar estava escuro, silencioso e aparentemente sozinho, não encontrava meus avós em nenhum cômodo. Logo, bateu-me um sentimento angustiante, como se tivesse algo preso na minha garganta, algo querendo sair, mas o segurava. Tinha esperança de encontrar meus avós ali novamente, porém eles não estavam e nunca mais iriam está.

Fui até o outro lado da casa, saí pela porta dos fundos. Tinha um homem magro, negro, bigodudo, empurrando uma menininha em um balanço debaixo de uma enorme jaqueira. Eu estava querendo muito me juntar a ela e fui correndo ao seu encontro. A menininha percebeu minha presença e antes que eu chegasse lá, a pequena desceu do balanço e veio em minha direção, com seus braços abertos e gritando, "Biel, Biel, que saudades de você!" Era uma linda menininha que aparentava ter cinco anos de idade, tinha a pele caramelizada, cabelos ondulados com franja e apesar de faltar um dente, seu sorriso era o sorriso mais lindo que uma garotinha poderia ter, não tinha como não se contagiar por aquele sorriso. Ela vestia um macacão feminino jeans curto, por cima de uma blusa vermelha com bolinhas brancas.

A garotinha pegou em minha mão e me levou até o balanço, olhou para o seu pai e perguntou se ela podia brincar comigo, como sempre fazia quando eu visitava meus avós. Seu pai concedeu, balançando a cabeça para baixo e para cima. Não conseguia enxergar direito seu rosto, ele era bem maior que eu, que não passava de sua cintura. Então iniciamos a brincadeira. hora ela me empurrava no balanço, hora eu a empurrava, estávamos bastante felizes. Aquela menina, o cheiro do mato, o cheiro da jaqueira, aquela fazenda dos meus avós, aquele momento, criaram em mim um sentimento e sensações que faziam tempo que não sentia. Sentia-me inteiramente completo, era exatamente isso que estava faltando e de repente estava ali, na minha frente, naquele momento eu compreendi que não precisava ir tão longe para buscar a felicidade novamente. Entendi que a felicidade está nas coisas mais simples da nossa vida, quanto mais simples e verdadeiro for o momento mais feliz ele será.

Depois de esgotarmos nossa energia no balanço, a menininha e eu deitamos na grama perto do pé de jaca e ficamos olhando para o céu, descrevendo as nuvens, igualzinho fazíamos antes, junto com meu avô. "Olha Biel, aquela lá parece com a galinha Dondoca." Rimos alto e em seguida falei: "E aquelas do lado são os seus pintinhos." Continuamos a soltar gostosas gargalhadas infantis. No entanto, fomos interrompidos pelo chamado de minha mãe: Gabriel, Gabriel.

— Gabriel, Gabriel, acorda menino! — Gritava minha mãe, balançando meu corpo na cama.

— Que é mãe? — Falei ainda com os olhos fechados e sem a mínima vontade de levantar ou simplesmente me mexer.

— Você tem que levantar, já é quase hora do almoço e todos nós temos que almoçar juntos. Você sabe que seus tios e seus primos estão aqui não é!?

Eu não suportava a ideia de visitas em casa, toda vez tínhamos que almoçar na hora certa, jantar na hora certa, passar um tempo conversando e relembrando histórias embaraçosas de quando eu e meus primos erámos crianças. Eu realmente não curtia isso. Mas minha mãe fazia questão.

Tá bem mãe, pode ir descendo que eu já vou levantar e tomar um banho, desço num instante. - Disse a ela, ainda sem abrir os olhos e nem me mexer.

Já passavam das onze da manhã e eu estava com sede.

Estava com sede e com dor de cabeça.

Estava com sede, dor de cabeça, com gosto horrível na boca, com o estomago queimando, a orelha ardendo e as costas doendo que parecia que tinha levado uma tremenda surra. Mas, pera aí! Foi isso mesmo e mais um pouco que aconteceu comigo na noite anterior.

**Semana que vem tem mais um capítulo. Não esqueça de comentar, dá sua estrelinha e compartilhar com seus amigos. Um forte abraço e até semana que vem**

Meu nome é GabrielOnde histórias criam vida. Descubra agora