VII

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Laura's P.O.V:

Mal podia acreditar. Estava um pouco mais tranquila, mas ainda um quão confusa. A surpresa estava ali, sentada do meu lado. Na minha cama. No castelo de meu pai. Algo me dizia, um sexto sentido, uma sensibilidade, que havia algo diferente com Carmilla. Talvez eu não devesse confiar. Mas, ela era tão doce e serena, que me convenci do contrário.  Carmilla Karnstein era ainda mais bonita pessoalmente. Cabelos sedosos, encaracolados nas pontas, negros, reluzentes. Suas sobrancelhas eram realmente maliciosas. Seu timbre de voz era suave, rouco.

— Senhorita Karnstein, não precisa me agradecer. — Respondi, enquanto me soltava da carícia que havia ganhado nas mãos.
— Me chame de Carmilla, por favor. Não há necessidade de formalidades entre nós. — Respondeu-me. Era muito educada e calma. Quem era Carmilla Karnstein? De onde ela viria? Eu queria saber tudo, mas também tinha receio do que estaria por vir. Também queria saber o porquê Carmilla me perseguia por sonhos. Será que ela me acharia uma completa maluca? Seríamos predestinadas a nos encontrarmos por alguma razão? Eram tantas as dúvidas... Eu só não tinha ideia de como livrar-me delas. Madame Perrodon, o general, papai e os homens ainda não tinham notícias sobre o paradeiro de Bertha. O almoço já havia sido servido. General Spielsdorf ainda procurava por Bertha pelas redondezas. Meu pai, como era mais velho, pediu para descansar um pouco. E eu, dividia meu quarto e minha preocupação com Carmilla, que agora, havia se sentado em uma velha poltrona de couro liso e marrom, naquela tarde que passava lentamente.

— O que será que houve com Bertha? - Carmilla perguntou-me, enquanto levava as mãos para apoiar o queixo.

— Eu não tenho ideia. Estávamos a passear pelo bosque. Nós, então, decidimos nos separar para explorarmos novos lugares. Ela não voltou. O pior, é que meu pai e o general disseram que um animal, provavelmente um lobo, feroz está a solta pelos arredores. Ele atacou ovelhas. Tenho medo que tenha atacado Bertha. — Estava entrando em desespero novamente. Carmilla permaneceu com o mesmo semblante sereno, me fitando. Parecia buscar palavras, ou perdida em pensamentos.
— Não houve nada com ela, Laura. Eles irão encontrá-la, mais cedo ou mais tarde.
De repente, Carmilla virou o rosto e notou uma estante de livros que pertencera à minha mãe. Levantou-se bruscamente e foi observá-la. Dedilhava os títulos dos livros, parecia encantada pelos autores, pela camurça das capas.
— Uau — Resumungou — São títulos incríveis, Laura. São seus?
— Não. Eram de minha mãe. Eu nunca os li. Madame Perrodon que costumava ler alguns deles quando eu era uma criança.  — Lamentei.
— Deveria ler, é apenas uma opinião.

Carmilla puxou um dos livros.
— Este aqui me chamou bastante a atenção — Carmilla virou-se para mim e mostrou a capa de um pequeno livro de contos de Edgar Allan Poe.
— Tome-o como minha lembrança para quando partir. — Disse á ela, despretenciosamente. Ela me agradeceu e sentou-se novamente na poltrona. Eu precisava saber mais sobre Carmilla antes que ela partisse. Provavelmente meu pai a levaria para  a cidade assim que acordasse. Ou talvez no dia seguinte. Não podia hesitar, mas hesitava. Precisava saber quem era, de onde viera, o que aconteceu com sua mãe na estrada para Estíria. Engoli saliva. Entreabri meus lábios e, finalmente perguntei:
— Desculpe-me, Carmilla, se parecer invasiva. O que houve com você e sua mãe? — Senti um pouco tensão vinda dela.
— Bem, Laura... — Tirou o olhar do livro que foleava e focou no meu rosto. Inclinou-se na poltrona.
— Estávamos chegando em Estíria. Já havia anoitecido. Dois ladrões abordaram o nosso cocheiro. Eles espancaram o pobre homem e atiraram nele. Eu entrei em pânico. Senti algo muito estranho e fugi. Minha mãe tentou fugir, também, porém, eles também atiraram nela. Mas, eu não vi. Eu apenas saí correndo, sem rumo pela floresta e me escondi. — Ela concluiu, em seguida segurou sua testa com as duas mãos. — Laura... Eu... Eu deixei o corpo de minha própria mãe ao relento. Eu sou um monstro. Eu não fui capaz de ajudá-la.

Uma cena inusitada, começara a acontecer bem na minha frente: Carmilla passou a chorar, silenciosamente. Colou o rosto contra as mãos, talvez estivesse tentando esconder o choro. Fiquei atônita. Ela parecia totalmente fria em meus sonhos. Me atacava e não se importava com a minha dor. Parecia sentir prazer ao me ver morrendo. Talvez, Carmilla fosse apenas coincidência. Talvez, fosse apenas fruto da minha imaginação. Talvez, eu tivesse a missão de ajudá-la. Eu me convenci de que, assim como eu, ela era de carne e osso e possuía uma vida, antes de ser virada no avesso.
Me levantei rapidamente. Um impulso me levou até Carmilla. Nem mesmo meu receio me impedira: Fui até a poltrona, me ajoelhei sobre o tapete felpudo para que ficasse de sua altura e a abracei. Isso fez com que chorasse até soluçar. Ela tirou as mãos do rosto e também me abraçou, escondia as suas lágrimas contra meu ombro esquerdo.
Você não é um monstro. Não chore, Carmilla. Eu estou aqui. — A pressionei de forma confortável.
Quando me dei conta, eu me vi a consolar. Eu estava consolando a mulher qual tive estranho contato em sonhos.
A realidade é que eu estava com Carmilla. Nos meus braços, em carne e osso.

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