CAPÍTULO UM
Pelo saguão da Martineli's, Zoe caminhava rapidamente, praguejando contra o horário, afinal, era a terceira vez que se atrasava naquela semana e já previa a bronca que levaria de seu supervisor, afinal, passou parte da madrugada cuidando de mais uma recaída de Hellen.
Ao adentrar o elevador, em meio aos colegas da empresa, sentiu olhares pesarosos sobre si. Embora estivesse em matrimônio com outra mulher, eram pouquíssimas as pessoas que sabiam sobre sua vida particular e preferia assim. Desde criança, sendo criada pela tia, Zoe prezava por discrição.
Assim que o elevador abriu as portas em seu andar, a garota continuou a caminhar ligeiramente, cabisbaixa. Antes de adentrar sua sala, respirou de modo profundo e sentiu o quanto seu coração batia descompassado e em seguida, como se temesse o olhar de repulsa de seu supervisor, abriu a porta.
Enquanto colocava seus pertences sobre a mesa, Zoe sentiu o olhar colossal de Alexandre, seu chefe, analisando-a cuidadosamente.
— Alex, eu posso explicar — prontificou-se, enquanto ajeitava os cabelos compridos em um coque improvisado. O homem rolou o par de olhos castanhos, impaciente com a garota.
— Zoe...
Ela aproximou-se da mesa do homem, pronta para cuspir mais uma de suas desculpas esfarrapadas. Alex desconhecia sobre a vida particular da moça e para ele, a causa das faltas e atrasos era pela mãe adoentada da moça.
— Ela teve uma recaída nessa madrugada — mentiu. Era possível sentir a angústia em seu tom de voz estremecido. — Fiquei cuidando dela e, por isso, acabei me atrasando.
Ele arqueou uma das sobrancelhas grossas, encarando-a com desdém por baixo dos óculos de grau.
— Igual às outras inúmeras de vezes...
Zoe libertou um suspiro cansado por entre os lábios frondosos.
— Juro que essa será a última vez, Alex! — exclamou, embora a voz houvesse saído estremecida. No fundo, a moça sabia que aquela não seria a última vez que a esposa teria uma recaída.
O homem suspirou e passou as mãos pelos cabelos grisalhos, retirando os óculos.
— Ah, Zoe — ele meneou a cabeça e em seguida, escorou os cotovelos a beirada da mesa. — Você seria uma excelente funcionária, se não fosse pelas faltas ou atrasos recorrentes. Queria poder te dar mais uma chance, mas recebo ordens de superiores também...
Nesse momento, a moça esbugalhou os olhos, encarando Alexandre com apreensão. Suas mãos estavam visivelmente trêmulas e tinha a breve sensação que se desse um passo, suas pernas não aguentaria seu próprio peso.
— Alex... — os lábios volumosos tremiam. — O-o que você...
— Você está demitida, Zoe — o supervisor a interrompeu de modo ríspido. Na verdade, aparentava satisfação com tal fato. — Pode passar no departamento pessoal da empresa e acertar seu desligamento.
Ela franziu as sobrancelhas delineadas e meneou a cabeça de modo negativo, inúmeras vezes, incrédula ao que ouviu.
— Você não pode fazer isso! Alex, eu preciso desse emprego! — elevou o tom de voz. — Eu preciso pagar o tratamento dela!
Não se importando com o desespero de Zoe, Alex deu de ombros, voltando aos seus afazeres diante da tela do computador.
— Estou falando com você, Alexandre! — insistiu, batendo com as mãos espalmadas sobre a mesa.
Desdenhoso, o homem a encarou e exibiu um sorriso carregado de escárnio:
— Sinto muito. São normas da empresa, se está insatisfeita, reclame com os superiores — ironizou. — Agora, com licença, pois preciso trabalhar.
Com os olhos marejados, a moça pensou em argumentar algo que pudesse "salvar" o emprego, porém, diante da indiferença do rapaz, calou-se. Recolheu seus pertences e caminhou silenciosa para fora da saleta.
Naquele instante, andando pelos corredores, era como se o peso do mundo estivesse nas costas de Zoe. Estava a quase um ano lutando pela recuperação de Hellen, acreditava na esposa e se desdobrava para conseguir pagar o tratamento da companheira. E naquele momento, ela jamais admitiria, mas sentiu-se arrependida. Sabia que trabalhar naquela empresa era o sonho de muitas pessoas e ela havia despejado tudo ao vento por acreditar na salvação de Hellen.
Antes de se dirigir ao departamento pessoal, decidiu ir ao banheiro. Trancou-se na primeira cabine vazia, acomodando-se sobre o assento do sanitário. Ainda ouvindo passos de outras mulheres no recinto, levou uma das mãos até os lábios e chorou baixinho.
Naquele instante, Zoe permitiu-se sentir diversos sentimentos que iam desde raiva, medo e remorso causando-lhe uma enorme confusão dentro de si. Ficou ali por alguns minutos, abraçada a bolsa, com o olhar perdido.
Por um breve momento, pensou em sair dali e simplesmente desaparecer para algum lugar desconhecido, abandonar o casamento sofrido. Mas ao recordar-se do sorriso de Hellen, meneou a cabeça e fechou os olhos com força. Talvez, se odiando por amar tanto aquela mulher.
Com a cabeça dolorida, saiu da cabine e abriu a torneira, lavando o rosto úmido e avermelhado, desejando que toda a sua angústia se esvaísse. Encarou o reflexo abatido no espelho por longos segundos, inspirou de modo profundo, recordando-se das palavras de Alex. E, por fim, recolheu seus pertences, encaminhando-se a sala da diretoria executiva. Havia tomado uma decisão.
*.*.*.*
— Maitê, isso é loucura! — Ana Luísa exclamava enquanto negava com a cabeça.
Maitê sorriu, sorvendo um gole do café quase frio e fez uma careta engraçada.
— Qual é o problema? — retrucou, virando-se para encarar o horizonte ensolarado da cidade, pela janela panorâmica de seu escritório.
— Existem tantas crianças esperando para serem adotadas! Já que quer tanto ser mãe, por que não adota uma?
O silêncio poderia ter ecoado pela saleta, se não fosse pela música ambiente que ecoava pelo local.
— Sei disso — foi o que se limitou a responder, enquanto ajeitava os cabelos alourados atrás das orelhas. — Pretendo adotar, futuramente, quando o processo for menos burocrático.
— Isso é bom — Ana falou, após suspirar. — Mas ainda não me conformo com essa ideia de "barriga de aluguel" — torceu o nariz, fazendo uma careta de repulsa. — Isso é crime, sabia?!
Maitê deu um risinho sarcástico, enquanto a amiga a observava com admiração.
— É claro que eu sei! Não vou "comprar" o útero de ninguém, apenas farei uma troca — finalizou, arqueando uma das sobrancelhas delineadas.
— E onde pretende arrumar "isso", Maitê?
A mulher riu outra vez, achando graça na desconfiança da secretária.
— Ainda estou analisando — ponderou. — Mas isso não vai demorar a acontecer. Já faz quase um ano desde... — um semblante entristecido assumiu a face da executiva. — Tudo parecia tão bem e do nada... — ela meneou a cabeça, inconformada.
— Ainda acho que você fez besteira terminando com o Vagner. As mulheres daqui só faltam se atirar pra cima dele, mas o idiota só tem olhos pra você — comentou, rolando os olhos castanhos.
— Nós somos amigos — o tom de pele pálido assumiu um leve rubor. Maitê ainda sentia-se fragilizada para falar sobre suas feridas. Seja lá com quem fosse.
Antes que a outra mulher pudesse rebater, tremulando os lábios contornados por um batom cor de vinho, ouviram alguém bater a porta.
— Serviço pra você, minha querida! — a loira caçoou, aos risos e aliviada, afinal, não queria ter que se desgastar com a amiga.
Analú revirou os olhos novamente e caminhou até a porta, recepcionando Zoe.
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Acordo Perfeito (COMPLETO)
RomanceApós um grave problema de saúde que lhe resultou em sequelas, Maitê abdicou-se do desejo em se tornar mãe, buscando dedicar-se inteiramente a sua empresa. Em meio às faltas injustificadas e atrasos no trabalho, para cuidar da esposa dependente quími...