- Prólogo -

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- PRÓLOGO -

Em meio aos passos apressados e desengonçados, Zoe se atentava a cada rosto que encontrava. O vento frio, pertinente ao inverno rigoroso daquele ano, soprava-lhe os cabelos escuros, deixando o semblante carregado de preocupação.

Angustiada, a moça discava insistentemente o número de Hellen, entretanto o fato de a chamada ser direcionada a caixa postal, somente acrescentava seu sofrimento.

Sentindo que estava se emergindo em seu próprio desespero, os olhos de Zoe marejaram e, instantes depois, o rosto moreno estava banhado em lágrimas. O ritmo da caminhada diminuiu e em meio à penumbra, a jovem escorou-se na parede de um estabelecimento. Fechou os olhos, pedindo aos Céus um fim para todo aquele tormento.

Há algumas quadras dali, Hellen se preparava para usufruir da carreira de cocaína posicionada estrategicamente sobre a mesa de um bar. Seus olhos esverdeados cintilavam e seu coração palpitava. Sentia seu corpo clamando pela maldita sensação que a droga lhe causava.

Em meio à batida frenética de uma música com linguagem obscena, tampou uma das narinas, aspirando parte do pó esbranquiçado com a outra. Fechou os olhos e sentiu cada espaço seu sendo preenchido por uma tremenda euforia. Um prazer extasiante que durava poucos minutos.

Em meio às lágrimas, Zoe analisou o horário na tela do celular e constatou que já era tarde da noite. Tanto que o comércio começava a abaixar as portas, cedendo lugar para bares e pubs da cidade. Desolada, a moça de cabelos ondulados caminhou de volta para casa. Decidiu não ir mais atrás de Hellen. Estava farta de quantas vezes a esposa lhe prometeu findar o maldito vício.

Todas as juras foram levadas pelo vento.

Logo que Zoe descobriu o vício da companheira já estavam casadas há alguns meses e sem pestanejar, a morena findou a relação. Mas Hellen foi atrás, inventou diversas justificativas para o vício e pediu ajuda a garota, porém a situação tornou-se complicada, ao ponto de a garota passar dias fora de casa, na companhia de drogas e de outros usuários.

Ainda trajando o uniforme da Martineli's, Zoe deitou-se sobre a fria e espaçosa cama de casal. Afundou o rosto delicado contra o travesseiro e gritou forte. Chorou. Odiava-se por estar presa aquela situação, por sentir-se responsável por Hellen. E em meio às lamúrias, adormeceu.

*.*.*.*

Horas depois, Zoe despertou ouvindo os passos de Hellen e seus resmungos no interior da residência.

Com os olhos ardendo, remexeu-se na cama e sentiu o corpo dolorido, em parte pelo cansaço e angústia. Respirou de modo profundo e sentiu o odor fétido das ruas preenchendo o ar. Aquele maldito cheiro.

Sentindo a cabeça pesada e com uma dor pulsante, acomodou-se na beirada da cama e cabisbaixa, começou a massagear as têmporas.

— Hellen — murmurou com firmeza, sentindo aquela amargura cruel lhe fazer companhia.

Logo que ouviu a voz estremecida da esposa, Hellen permaneceu estática por alguns segundos. Encarou o reflexo no espelho do banheiro e franziu as sobrancelhas delineadas, analisando rapidamente o quanto sua pele estava mais pálida que o normal e quanto sua clavícula estava aparente.

Ao aproximar-se do quarto, analisou Zoe. A morena estava cabisbaixa, com parte dos cabelos encobrindo o rosto.

— O que você quer agora? — perguntou com rispidez, escorando-se no batente.

— Onde esteve? — retrucou com a voz estremecida.

Um suspiro aborrecido preencheu o quarto.

— Você sabe, Zoe — limitou-se a responder, enquanto deslizava os dedos por entre o topete escuro.

Lentamente, a morena ergueu os olhos, encarando a figura transtornada da esposa.

— Hellen, você prometeu que iria na porra da clínica hoje e procurar por ajuda! — berrou irritada. — Fiquei preocupada com você o dia todo! — a voz tornou-se embargada. — Você é mesmo uma cretina!

Os lábios ressecados de Hellen se repuxaram, exibindo um sorriso sarcástico.

— Que se dane essa merda, Zoe.

— Você disse que queria ajuda! — gritou chorosa, aproximando-se da companheira. — Você jurou pra mim, Hellen, que daria um jeito nisso! — exclamou enquanto apontava o dedo contra a face pálida da outra.

— Já te disse, se insatisfeita, dê o fora! — por fim, Hellen berrou, segurando a amada pelos pulsos com brutalidade, empurrando-a.

Zoe meneou a cabeça, inconformada. Sabia que não tinha forças ou coragem para simplesmente desaparecer da vida de Hellen. Desde o falecimento dos pais da companheira, ainda quando cursavam o colegial, sentia-se responsável por ela. E, por isso, sentia-se na obrigação de ajudá-la, mesmo que todo esforço fosse em vão e lhe custasse sua saúde mental.

*.*.*.*

No trajeto do hospital para o apartamento, o silêncio envolveria a atmosfera do carro, se não fosse pela música baixinha, que ecoava de uma estação de rádio qualquer.

No banco traseiro, recolhida próxima a uma das portas, Maitê mantinha os olhos castanhos claros na paisagem que percorria o vidro, permitindo que seus pensamentos vagassem para longe dali.

Logo que o veículo estacionou em frente ao edifício onde residia, o motorista estendeu-lhe as mãos para auxiliá-la a sair do veículo, porém a mulher recusou, esforçando-se para descer sozinha. Fez uma careta ao sentir uma fisgada dolorida na região de seu ventre.

No saguão do edifício, sendo acompanhada por alguns olhares curiosos, foi acompanhada por Solange, sua mãe, até o elevador. Ainda no local, o silêncio que prevalecia entre as duas mulheres era colossal e aquilo fazia com que Maitê tivesse a breve sensação de que seus pensamentos falassem cada vez mais alto dentro de si, tornando aquele momento ainda mais desarticulado.

Ignorando a presença dos pais e dos empregados em seu apartamento, a imponente mulher caminhou devagar até seus aposentos. Pretendia se recolher durante o tempo que julgasse necessário, entregando-se a uma das maiores frustrações de sua vida pessoal.

Dispensando a secretária do lar, ao qual organizava da maneira mais aconchegante possível a cama de casal, sentou-se a beira e deitou-se devagar, temendo sentir as malditas fisgadas. Fechou os olhos vivenciou os aqueles últimos dias como um filme de terror.

Desde a adolescência, Maitê tinha pretensões de gerar um filho. Nunca havia tido anseio por se casar ou encontrar o homem dos sonhos, mas consumia o desejo de ser mãe e usufruir das sensações de uma gravidez. Entretanto, com a responsabilidade de cuidar da empresa de telecomunicações da família, adiou tal sonho por alguns anos.

Assumindo a melhor fase da Martineli's, no auge de seus trinta e cinco anos de idade e noiva de Vagner Santos, um de seus principais associados, Maitê descobriu-se grávida e embora não houvesse planejado, sentiu-se plenamente realizada.

Parte de sua rotina era preenchida com os planos que fazia com a criança que crescia em seu ventre. Dedicava-se a planejar o enxoval e o quarto do bebê, a escolher possíveis nomes e a ansiedade lhe preenchia para a primeira ultrassonografia que estava marcada para dali alguns dias.

Certa noite, após constatar que estava perdendo uma quantidade considerável de sangue pelo canal vaginal, Maitê teve que ser internada as pressas, após constatar que seu útero estava infeccionado. Estudaram-se diversas alternativas para tratar a infecção e salvar a vida do feto, porém não houve saída e a mulher acabou sofrendo um aborto.

Após os fatos, Maitê sentiu como se houvessem lhe despejado um balde de água fria. Seu desejo maternal esvaiu-se de uma vez e a possibilidade de gerar uma criança em seu ventre, estava descartada para sempre.

E, assim, em meio às decepções e amarguras da vida, Maitê Martineli foi obrigada a enterrar seu desejo em um espaço oculto e profundo dentro de sua alma, dedicando-se quase que integralmente a sua empresa. Sem sonhos, sem noivo. Restando somente a sua dedicação exclusiva ao trabalho.

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Acordo Perfeito (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora