Ser flertado é como ser o reflexo de um espelho
O relógio ecoa na sala, são 18:00 horas, Janaína no banheiro ensaboa-se cantando Love of my life. O som de sua voz formiga pelas paredes arrepiando-as. Desenha corações pelo box, pois o calor fazia o vidro suar e lacrimejar.
Sua mãe bate na porta do banheiro e alerta:
— Vamos filha, já está na hora de ir à faculdade.
— Tudo bem mama, já estou quase pronta.
Com a mão espalmada limpou seus corações desenhados. Não podia deixar rastros de sua inusitada inspiração. O romantismo realmente imperava no seu coração desde que se deparou com um novo companheiro de faculdade.
Abriu a porta com seu corpo envolvido por uma toalha, e seu cabelo envolto numa toalha menor, assim desfilou até seu quarto imitando Carmen Miranda, chamando a atenção da mãe. A música era tico-tico no fubá. Sua mãe na fresta da porta do seu quarto sussurrava o nome da filha e deixava brotar um sorriso.
Janaína adentrou no seu quarto com o peito ofegante. Cheia de expectativa, pensava no encontro com seu conterrâneo de classe.
Enquanto punha a cabeça entre os joelhos e começava a escovar o cabelo lembrava dos olhos dele, dos lábios e daquela pupila que ficara grudada na sua durante a última conversa que eles tiveram.
Revirou o guarda-roupa atrás de um traje que pudesse agradar tal paixão.
E abrindo o armário, o espelho da porta iluminou-se. Ele era enorme, quase da altura de Janaína.
E assim ela começou a colocar peças de roupa fazendo caras e bocas para seu reflexo, procurando seu melhor sorriso e seu melhor perfil. Dançou em frente do espelho, bailou, olhou de lado, simulou cara de brava, alegre, pensativa e finalmente cravou suas pupilas no seu reflexo. Flertava seus olhos e murmurava palavras de amor:
— Ahhh esses seus olhos, essa sua boca, sinto-me hipnotizada, você é mais do que meu reflexo e sim meu complemento.
Aproximou-se do espelho e cravou-lhe um beijo demorado. O reflexo dela no espelho já guardava pupilas dilatadas e um rubor na face. Antes que o espelho pudesse comunicar-se com reciprocidade a esta declaração, ela o fechou.
Partiu para a faculdade, enquanto no escuro o espelho sentia a doce fragrância de suas roupas.
Eram 22:00 horas, Janaína abriu a porta de sua casa. Monossilábica, com olhar macambúzio, cumprimentou sua mãe:
— Olá mama.
— Boa noite neném, tudo bem com você?
— Tudo mama.
Janaína tentando controlar a umidade das pálpebras, equilibrando-as como uma malabarista, correu para seu quarto.
Abriu seu guarda roupas, deparou-se com o espelho e tremendo os lábios perguntou:
— Porque você não me ama?!
Antes que o espelho pudesse responder, ela o fechou, enquanto ele, no escuro, ainda refletia sua imagem e possuía a marca de seus lábios.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Nem todas doenças são crônicas
NouvellesHistórias da vida relatadas com poesia, humor e sarcasmo.