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Já faz tempos desde os acontecimentos desse livro, sinto, após o fim dessa história, uma necessidade de a por no papel. Escrevo em honra de todos perdidos no caminho, talvez essa história seja de como as pessoas amadas por mim se foram, algumas não necessariamente guiadas pela morte.Digo isso, porque a história começará com morte e terminará com morte, devem ter notado que essa história não vai ter um final feliz, já aviso que o meio e o início não são tão alegres também. Quero contar para todos que desejam saber e até aqueles que não querem, enquanto eu estiver viva, enquanto minhas palavras ainda podem ser transmitidas, não deixarei essa história cair em esquecimento.

Digo - escrevo no caso, embora esse não seja o ponto. - quem adivinharia que pessoas loucas atacando outras acabaria no fim da sociedade como conhecemos? Bem, meu caro leitor, loucos das conspirações, como meu pai . E essa história começa no dia que eu me toquei que ele não voltaria, a pessoa que na primeira ameaça dos zumbis se escondeu com a família e mantimentos.

Quando eu acordei, os zumbis ainda estavam no lado de fora. Livres de consciência se arrastavam pelas ruas em decomposição. Essa era a vista da minha janela nos últimos anos. Suspirei, me levantando. Os observei um pouco pela janela, a palheta de cores despertava um nojo primitivo, despertava uma velha lembrança, uma vez fui com a minha família à uma exposição. Eu e o meu irmão, como duas crianças normais, não entendemos sobre arte contemporânea e a vontade de entender sobre aquilo floresceu em mim muitos anos depois.

Mas aquela exposição não era grande coisa, apenas um bando de burguês que não sabia mais onde botar seu dinheiro e resolveu fazer arte. Nunca soube como minha mãe tinha contato com esse tipo de pessoa, nossa situação era confortável, mas nunca tivemos mais de uma casa, muito menos uma empregada para cada membro da família.

Estávamos brincando de pega-pega com outras duas crianças que haviam sido arrastadas até ali. Me lembro bem de quando eu corria pelos corredores brancos da galeria parar na frente de um quadro enorme, deveria ter dois metros de largura e um e meio altura, tive que me afastar um pouco para consegui-lo ver por inteiro.

Ao contrário da maioria das obras ali, aquilo parecia ter um significado. No centro havia uma silhueta que parecia ter acabado de sofrer uma grande queda, com braços e pernas que tortos em posições que não deveriam estar. Seu corpo era uma mistura de verde musgo e carmim. Em sua volta, cobrindo quase todo o quadro, vários tons de vermelhos se espalhavam feitos de pinceladas violentas envolvendo o corpo.

"Do chão não passa" não foi muito difícil entender o título naquela obra. Ao contrário do que muitos achavam, não fazia alusão á suicídio. Era uma denuncia dos mortos durante a ditadura que depois de presos e torturados diziam que haviam se matado. Porém, naquela época, eu não me liguei o verde musgo às fardas militares. Mas o significado do vermelho não foi preciso muito tempo para descobrir.

Talvez o escarlate havia chamado minha atenção, talvez o tamanho do quadro ou até a moldura dourada cheia de pequenos detalhes e ondulações mais bonitas do que a própria obra. Mas eu só fiquei encarando, meus olhos caramelados percorriam cada detalhe.

-Está com você - Leo falou tocando meu braço e me tirando daquele pequeno universo que só existia eu e a pintura.

O segui com o olhar até ele desaparecer entre os corredores.Olhei para a obra uma última vez tentando, com sucesso, guardar em minha mente pelo menos uma visão geral da obra e fui atrás do meu irmão.

Mais tarde, enquanto voltamos para casa, minha mãe me perguntou se um de nós havia se interessado por algum quadro. Antes mesmo dela terminar, meu irmão gritou.

-A Nanda ficou encarando um quadro que nem uma besta.- Ela estava no banco da frente do carro, mas conseguia visualizar um sorriso em seu rosto. Um dos gêmeos havia se interessado em artes, ela tinha recebido o prêmio de mãe cult do ano.

Combustão incompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora