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Quando eu acordei, tudo doía. Minhas pernas, mãos, rosto, consciência. Levei minha mão até o rosto massageando as pálpebras. Uma dor percorreu meu olho direito no menor toque, deveria estar roxo, notei os curativos na minha mão e não tive muito trabalho para encontrar outros no resto do meu corpo, eu não estava mais com a minha roupa. Levei minha mão á boca, teriam abusado de mim enquanto estava desacordada? Olhei à minha volta me deparando com um quarto simples com duas camas e sem qualquer tipo de personalidade.

Por que aquelas garotas haviam me colocado num quarto? Estava de noite, não deveria ser antes das 19h, além do luar, havia uma vela do lado da cama. Engoli seco, todo tipo de psicose era permitido agora, não havia leis ou quaisquer barreiras para me proteger. Fui correndo na direção da porta de madeira no canto do cômodo, forcei a maçaneta. Uma, duas, três vezes. Nada, estava trancada pelo lado de fora. Suspirei passado os dedos pelo meu cabelo, se eu tentasse arrombar a porta chamaria atenção, me virei para a janela. Me deparando com duras grades de ferros.

Lá fora enxerguei uma silhueta masculina com uma pá apoiada nos ombros, me encolhi quando ele se movimentou, se ele virasse e notasse que eu estava acordada seria pior. Ou talvez aquela garota que tinha uma raiva bestial e num momento de emoção pegou muito pesado, isso não significava que todos ali eram assim. O cara caminhou na direção do muro, quase no final do meu campo de visão, ficou na frente do portão que eu havia usado para entrar com o Leo — de onde um zumbi havia tentado meter sua cabeça na busca desesperada por carne humana—

Ele ajeitou a pá em suas mãos com a calma de um um chef de cozinha, levantando o objeto até acima de sua cabeça, ele era forte, eu apenas enxergava sua silhueta com ajuda da fina luz do luar.

Sua postura era perfeita, seus ombros não pareciam encontrar problemas em ficar retos. A pá desceu até a cabeça do zumbi, sem pestanejar, numa parábola impecável. Dei um passos para trás me afastando da janela, mas, antes de eu ter dado três passos, ele se virou.

Eu consegui enxergar um pouco mais dele assim, os corte do cabelo castanho, a barba mal cuidada e o peso do olhar dele cobriu todo o meu corpo. Suas sobrancelhas se estreitaram, provavelmente surpreso com o fato de eu estar acordada. Ele saiu correndo, escapando rápido do meu campo de visão.

Me virei desesperada para a porta, eu poderia fingir que ainda estaria dormindo... Mas quem iria acreditar? Escutei vozes sussurrando do outro lado da porta, fechei meus olhos tentando me concentrar no que estava sendo dito.

—Tem certeza que ela está acordada? — Era a última voz que eu havia escutado antes de desmaiar. Meu coração foi atingido por uma angústia, eu conhecia aquela voz de algum lugar.

—Sim.— Agora era uma voz masculina, certamente do garoto que eu havia visto pela janela.

Eu escutei a chave na maçaneta, não havia mais lugar para onde fugir. Talvez se eu me ajoelhar e implorar por perdão eles pegassem leve comigo, talvez até me deixassem sair sem o uso de violência...

A porta se abriu mostrando o casal que estava cochichando. As semelhanças eram incontestáveis. Possuíam a mesma boca fina, a mesma confiança na postura, até mesmo os olhos esmeraldas eram parecidos. Mas ao contrário dele, ela tinha um olhar que parecia ler a sua alma, algum poder nas suas córneas atravessava o meu corpo e revirava a minha mente.

Mordi levemente o lábio inferior, eu conhecia aquela garota de algum lugar. Procurei em cada canto da minha mente tentando lembrar daqueles olhos, um pouco de ruivo no seu cabelo, cicatrizes do tempo no qual ela deveria os pintar. Entretanto nada vinha na minha cabeça. Sinto que quando eles estiverem quase me matando vou ter um daqueles momentos de epifania "Ah, a gente fez cursinho juntas, lembra de mim, como vai a vida? Esses zumbis andam violentos ultimamente, né?" e essas seriam minhas últimas palavras.

Combustão incompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora