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Coloquei o mapa dentro da mochila olhando para rua sem zumbis enxergando até onde o portão fortificado me permitia, uma casinha vermelha na esquina. Além de ser até onde meu mundo se estendia para o lado esquerdo, havia sido a última vez que eu havia escutado alguma coisa além de gemidos vindos de gargantas podres.

Deveria fazer um semestre de apocalipse zumbi, gritos desesperados do casal que havia invadido aquela casa alguns meses antes, desesperados cortaram a madrugada silenciosa seguidos por tiros. Meu pai estava atrás de mantimentos naquele dia, mas a regra era clara, não sair da casa sob nenhuma hipótese. Girei a chave no portão, na noite dos tiros eu me enrolei no lençol, fechado os olhos com força e chorando até dormir.

Eu não havia movido um músculo para salvar a vida daquele casal, mas continuava viva. Esse era o importante. Qualquer pessoa ainda viva naquela cidade poderia me bater até que sobrassem apenas uma massa de carne no lugar do meu rosto. Haviam loucos à solta, como o assassino do casal.

Me ajoelhei na frente do portão, implorava para o Deus que haviam me apresentado para que pudesse voltar em seguranças num misto de desespero e fé. Os dois eram sinônimo? Talvez naquele momento eram, um fazia parte do outro. Naquela noite eu havia rezado algumas partes do credo que eu ainda lembrava, meu irmão sempre me disse que se era mais difícil deveria valer mais... Era terapêutico.

O portão soltou um guincho quando eu o empurrei. Mas agora não eram dois desconhecidos, era o meu irmão. Meus dedos rodearam o cano de metal com mais força enquanto saía da casa. O cheiro pútrido piorou enquanto eu andava pela pequena passagem que ficava a casa da minha vó.

A rua não havia mudado muito mesmo depois de quase dois anos de abandono, havia uma ou outra pichação nas paredes das casas, a tinta dos muros estava descascada dando o lugar para manchas vermelhas viscosas. Passei direto pela porta arrombada da casa vermelha, balancei a cabeça afastando a vontade de entrar para ver se ainda restava alguma coisa lá. Eu dispensava de ver mais corpos do que o necessário e aquela noite provavelmente tinha sido um latrocínio. Virei na esquina da passagem, havia dois zumbis que viraram sua cabeça em minha direção o mais rápido que os seus sistemas nervosos corrompidos pela fome permitiam, apenas para se arrastar em minha direção soltando aquele barulho irritante de sempre.

"Olha, comida." Escutando a única coisa que lhe a havia restado. A fome.

O mais próximo de mim tinha tido sua barriga rasgada em pedaços, de onde escorria algum órgão interno balançando a cada passo que ele se aproxima de mim. O cilindro de metal atingiu seu crânio enquanto eu repetia mentalmente os conselhos que meu pai costumava dar. O barulho do impacto chamou ainda mais a atenção do outro.

"Na cabeça, duas vezes para ter certeza, nunca deixe ele chegar perto de você"

Atingi o corpo caído uma segunda vez, estilhaçando a nuca de vez o crânio do zumbi. Me virei para o outro, ao contrário do seu companheiro, estava irreconhecível. Sua pele já havia chegado á um verde musgo, seus olhos pareciam ter abandonado sua face há tempo. Ele tinha percorrido metade do caminho até mim, ao contrário do primeiro, não foi necessário usar as frases do meu pai como um mantra para proteger minha sanidade mental.

Mesmo assim continuava aquela vozinha na minha cabeça "eles são pessoas, você é uma assassina". Olhei para a ponta do cano, estava sujo com o restos mortais daqueles que eu havia acabado de acertar. Meu almoço ameaçou a dar meia volta enquanto eu me segurava para aquilo. Eu acertei o segundo zumbi, duas vezes na cabeça.

Entrei na avenida que levava para o supermercado. Respirei fundo, era pelo Leo. A fome não era apenas para zumbis, eu não podia deixar o meu medo ganhar. Ao contrário da rua da minha avó, havia alguns carros abandonados ali, ao longe eu conseguia enxergar o meu destino duas quadras.

Combustão incompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora