POV José Carlos
Termino de ajudar meu irmão a limpar a obra ao final de mais um dia. Estamos trabalhando na construção de um sobrado e, mesmo acompanhando meu pai desde menino, ainda me maravilho com a beleza de dar vida a uma estrutura que antes não passava de cálculos e projeções em um papel.
- Manoel, pensou sobre fazer aquele curso de eletricista que te falei? – pergunto para meu irmão, que é 2 anos mais velho do que eu.
- Não tenho tempo. E já trabalho de pedreiro com o pai, não preciso de mais nada – responde sem me olhar.
- Pode se especializar e, talvez abrir uma empreiteira. Continuaria na área, mas supervisionando as construções. Você é tão inteligente.
- Você e seus sonhos de grandeza... Eu sou pé no chão. Sei do meu lugar.
- Não é nada disso. Só quero o melhor para você, afinal tem potencial.
- O pai já cansou de dizer que nós, nordestinos, fomos feitos para burro de carga, não para doutor.
- Eu e você nascemos em São Paulo e mesmo que não, onde estão escritas estas barbaridades?
- Sempre foi assim e continuará a ser. Você que é teimoso e se mata por ilusões.
- Vou conseguir, e o pior não é o cansaço físico de trabalhar e estudar, mas enfrentar o preconceito dentro da minha própria casa – suspiro, exausto dessas nossas discussões.
- Se você não sonhasse tão alto, nada disso aconteceria.
Resolvo deixar para lá, já tivemos esta conversa milhares de vezes e não há meio de convencê-lo a querer mais para si. Não vejo problema nenhum em ser trabalhador braçal, é um trabalho digno como qualquer outro. Mas não entendo qual mal há em querer crescer honestamente.
- Pai, vou correr, senão me atraso para a aula. Já está tudo arrumado por aqui.
- Não sei por que teima em continuar com essa loucura de querer diploma.
- É meu sonho. Mas não vamos discutir de novo. Até mais tarde.
- Menino maluvido, cabeça dura – ainda o ouço resmungando enquanto parto apressado.
Chego quando a aula está começando, sento numa cadeira vazia na fila do canto direito. Há uma garota que não conheço sentada na minha frente, e me perco observando como a luz reflete em seus fios longos e dourados. Ela se vira para trás e fico constrangido por ser pego encarando seus cabelos.
- Boa noite, meu nome é Larissa. Fui transferida do curso vespertino – se apresenta com um lindo sorriso.
- Muito prazer, meu nome é José Carlos. Por que resolveu mudar para a noite?
- Consegui uma vaga como estagiária, numa construtora. Inicio amanhã.
- Parabéns!
Antes que possa dizer algo mais, o professor entra e ela se volta para frente. Preciso prestar atenção, pois não tenho tempo para estudar fora da universidade. Os trabalhos pedidos pelos professores só posso fazer aos domingos ou se ficar sem dormir, mas esta não é uma boa opção.
Encontro meu amigo Pedro antes de ir embora. Ele cursa arquitetura e temos planos de trabalhar juntos quando nos formarmos.
- JC camarada, até sei sua resposta, mas quer ir a uma festa na quinta-feira?
- Sabe que não dá, tenho que acordar 5:30h para estar na obra às 7h, mas obrigado pelo convite.
- Vi uma garota diferente saindo de sua sala. Aluna nova?
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Sonhos e preconceitos - Livro 1 da Série Sonhos
RomanceUm rapaz filho de um migrante nordestino que luta pelo direito de perseguir seus sonhos, apesar da desaprovação em sua própria casa. Uma garota que não aceita as imposições de seu pai e quer vencer por suas próprias qualidades. Serão capazes de supe...