Três meses antes.
Mais um dia como qualquer outro. Acordei cedo e nem abri os olhos direito, e já me ajoelhei no chão. Ao lado da minha cama, a bíblia sagrada descansava aberta no Salmo 21. Na parede, de frente para mim, uma cruz enorme pairava imponente no meu quarto, tomando toda a atenção do cômodo para ela. Meu nome é Louis Tomlinson, tenho 24 anos e sou cristão devoto. Moro em Doncaster, uma cidadezinha do interior da Inglaterra, e tenho uma namorada também cristã, chamada Eleanor Calder.
Minhas orações começavam religiosamente às seis da manhã, todos os dias. Em dias de inverno, quando o sol ainda não tinha nem surgido no horizonte, eu já estava de joelhos no chão. Minha família inteira é assim – minha mãe, Jay, foi criada dessa forma e assim educou a mim e minhas irmãs. Cresci dentro das leis da bíblia, tendo como fonte de vida e sabedoria aquele velho livro. Não tinha contato com o mundo exterior, não conhecia outra realidade. A única coisa que eu sabia desde sempre é que um dia iria me casar com uma mulher e ter filhos. Essa era a lei da vida, não? Homem e mulher, a única combinação capaz de dar frutos.
Depois de orar por meia hora e pagar penitência perante à Deus, finalmente levantei. Meus joelhos, apesar de já estarem calejados, ardiam levemente com a pressão feita. Fui em direção ao banheiro e fiz minha higiene pessoal, na tentativa de melhorar a expressão. Eu era um cara consideravelmente bonito: olhos azuis, corpo magro, pernas grossas, cabelo cortado de forma correta, segundo minha mãe. Minha aparência era muito bem cuidada. Um corpo são, para uma mente sã, certo? Senti minha garganta arder um pouco assim que terminei de escovar os dentes, mas não tanta importância. Estávamos no inverno e o frio tomava conta da cidade, a neve cobrindo todo e qualquer lugar com sua imensidão branca, fazendo o contraste com as casas escuras das ruas de Doncaster.
- Bom dia – saudei a minha mãe assim que entrei na cozinha. Ela estava em pé, preparando o café da manhã da família, e me deu um sorriso afetado assim que me viu. Nossa relação era boa, afinal nunca dei motivos para que houvesse conflitos dentro de casa.
- Bom dia, querido – mamãe me respondeu, voltando a coar o café e a arrumar a mesa – Está tudo pronto – ela disse – Mais tarde vamos ao shopping, precisamos comprar as roupas para o aniversário de sua avó – mamãe informou e eu assenti positivamente, enquanto colocava meu café calmamente.
- Posso chamar Eleanor? – perguntei, já sabendo a resposta. Mamãe adorava Eleanor e tinha esperanças de que nos casássemos em alguns meses, já que estávamos juntos há quase três anos.
- Claro! – Ela respondeu sorrindo, enquanto me dava um beijo no topo da cabeça e saia da cozinha, na certa para acordar minhas irmãs caçulas.
Continuei comendo enquanto refletia sobre a vida. As coisas estavam ocorrendo da maneira que eu sempre planejei. Conheci Eleanor aos 21 anos na igreja, enquanto chegava em um culto novo. Ela era exatamente como eu: criada para a família, dentro dos princípios bíblicos, a mulher que qualquer homem desejaria ter como esposa. E eu era um homem de sorte, tinha certeza disso. Seríamos felizes, é claro.
Nosso relacionamento não era pautado no sentido carnal. Nós não tínhamos a vontade sexual grande, e se eu for muito sincero, não via graça naquilo. Não me sentia totalmente atraído sexualmente por ela, e achava que isso era porquê, para mim, sexo era apenas para a reprodução. Como Eleanor parecia não ver nenhum problema naquilo, isso nunca foi um empecilho em nosso namoro. E bom, eu não tinha muita experiência naquele campo, então não podia comparar.
O dia passou lentamente, enquanto minhas irmãs e mãe se arrumavam pela casa. Eu já estava pronto a muitos minutos, esperando pacientemente elas ficarem prontas. Eleanor já estava ao meu lado, com seu vestido preto na altura dos joelhos e uma sandália baixinha, comportada e muito bonita. Seus olhos castanhos eram a coisa que mais me prendiam à ela, sempre guardando um olhar inocente. Seus comentários eram doces e ela era muito carinhosa; certamente seria uma ótima mãe para nossos filhos.
Finalmente saímos de casa e fomos para o shopping, fazer compras. Eleanor e eu íamos na frente, enquanto mamãe e Lottie conversavam atrás de nós, e Fizzie tomava conta das gêmeas. Minha família e minha namorada sempre se deram bem, então estávamos em um ambiente confortável. Eu e Eleanor não conversávamos muito, mas nossas mãos estavam entrelaçadas. Aquilo parecia o certo, já que éramos namorados, mesmo que intimidade fosse algo que faltasse em nosso relacionamento às vezes.
Foi então que o vimos.
Alto, cabelos cacheados, olhos verdes, várias tatuagens e um sorriso brincalhão, ele era a representação perfeita do que minha mãe mais repudiava em um jovem. Exalava rebeldia e, admiti com uma certa inveja, liberdade. Mas esse não foi o pior: ao seu lado, de mãos dadas, estava um homem. UM HOMEM! Senti todos os meus músculos faciais se retesarem e apertei com mais força a mão de Eleanor. Aquilo não era certo, não era natural, era nojento. O homem foi feito para a mulher e aqueles dois estavam indo de encontro às palavras de Deus, iriam queimar no inferno. Minhas irmãs não mereciam presenciar aquela cena, aquela falta de vergonha na cara.
Virei para minha mãe e vi o choque e nojo passando por seu rosto também. Eleanor evitava olhar para os dois, e minhas irmãs expressavam curiosidade naquilo, embora Lottie aparentemente não ligasse. Aquilo não era normal e elas não tinham que ver aquele casal bizarro.
- Pensei que esse shopping fosse freqüentado por pessoas direitas – falei alto, quando paramos ao lado deles. Os dois trocaram olhares, e percebi o homem que deveria ser bem mais velho, respirando fundo – Mas pelo jeito me enganei, já que até viadinhos deixam entrar nele.
Senti o mais novo tentar acalmar o namorado, enquanto ele mesmo tentava se manter calmo. As pessoas pararam para observar o desenrolar daquilo, enquanto Lottie me olhou como se estivesse envergonhada.
- Sinto lhe informar, mas o shopping é um local público – a bicha de cabelos cacheados falou, me olhando de forma tranqüila – Mas se você e sua família estão incomodados, a saída é logo ali – disse de forma petulante, com um sorriso calmo nos lábios rosados. Senti meu rosto esquentar e Eleanor apertou a minha mão, puxando-a levemente.
- Acho que vocês não entenderam – falei, minha voz trêmula de raiva e meus lábios presos em uma fina linha – A aberração daqui é vocês. Nós somos pessoas de bem, e portanto, queremos ficar perto de pessoas direitas. Vocês são obras de satã! – disse, minha voz saindo alta e mais firme, recebendo olhares de aprovação de minha mãe, que agora tentava impedir que minhas irmãs olhassem para os dois.
- A única aberração que estou vendo aqui é você, que nem ao menos sabe se vestir. Blusa de botão até o pescoço, sério? – o mais velho disse, dando um sorrisinho de escárnio – Está bem óbvio o motivo de seu ódio por nós, e com certeza não é por que somos ''obras de satã'' – falou irônico, dando um sorriso afetado.
- Como assim...? – perguntei abobalhado, minha expressão vacilando um pouco.
- Você é um encubado e sente inveja de nós. Inveja porque somos quem somos e não precisamos nos esconder atrás de uma fachada hétero. Mas você provavelmente nem sabe disso, certo? – ele disse venenoso, e eu fechei os punhos – Enquanto você finge levar uma vida perfeita, mas sofre em silêncio, nós vivemos a nossa como queremos – concluiu, me olhando com desprezo – Vamos, Harry – puxou o namorado pelas mãos, enquanto olhava de forma superior para mim e minha família – Saia de Nárnia, querido – finalizou, dando um tchauzinho em minha direção.
Senti minha cabeça rodar.
Senti meu chão sumir aos poucos.
Nunca ninguém me falou algo do tipo. Aquela bicha simplesmente acabou com a minha moral na frente das minhas mulheres. Me destruiu. E eu ao menos consegui me defender, porque estava ocupado demais pensando em somente uma coisa.
O nome do garoto de cabelos cacheados era Harry. E algo gritava em meu interior, que aquela não seria a primeira vez que nos veríamos.
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Two Fingers
FanfictionLouis Tomlinson é um católico fervoroso, homofóbico e tem câncer. Harry Styles é ateu, gay e é o melhor oncologista da região. Dois mundos se encontram e entram em choque, provando que, as vezes, o livro da nossa vida tem que ser escrito por nós mes...