Capítulo Um

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Câncer.

Essa palavra estava acesa em minha mente, como se fosse escrita em uma placa de neon.

Eu estava com câncer. Possivelmente iria morrer.

Minha mãe estava sentada ao meu lado, os lábios retesados, o olhar perdido, lágrimas caindo como cascatas de seus olhos. Eleanor estava parada, olhando para o pedaço de papel branco que confirmava o laudo final: câncer na laringe. Há meses eu sentia dor, mas nas últimas semanas as coisas pioraram. Por conta da insistência de minha mãe, resolvi ir no médico, que me encaminhou para um especialista após algumas perguntas e exames. Então era isso. O fim.

Eu não sabia o que pensar direito. Minha cabeça estava uma confusão enorme, uma mistura de versículos bíblicos, músicas de adoração e pensamentos revoltados. Deus estava testando a minha fé naquele momento, e seria ali que eu provaria o quão digno de seu amor eu era. Mas, e se eu morresse? Toda essa fé valeria à pena?

- Quando ele começa o tratamento, doutor? – ouvi a voz de minha mãe perguntar e me forcei a voltar para a realidade. Aquele não era o momento ideal para me perder em pensamentos ou deixar que o medo tomasse conta de mim. 'Deus está no comando', lembrei.

- O mais breve possível – doutor Ben respondeu, me olhando de forma profissional – O câncer de Louis está no estágio inicial, mas pode evoluir a qualquer momento, já que ele demorou para procurar ajuda – continuou, me dando um bronca disfarçada. Segurei a vontade de revirar os olhos e dar uma resposta mal educada, aquele não era o momento – A boa notícia é que esse tipo de câncer tem até 80% de chances de cura, ainda mais se descoberto no início. As estatísticas estão ao nosso lado – Ben disse, dando um sorriso que era para ser reconfortante, mas lembrou muito uma careta.

- Terei que fazer quimioterapia? – falei pela primeira vez, minha voz saindo ligeiramente rouca. Já me imaginei careca, perdendo peso e padecendo na cama.

- De início, não – ele respondeu, cruzando as mãos – Você irá começar tomando uma seqüência de medicamentos que irão tentar estagnar o avanço do câncer, e então, começar uma sessão de radioterapia – continuou, olhando diretamente para mim. Senti minha mãe pegar em minha mão, enquanto Eleanor fazia carinho em meu braço – Vamos marcar sua primeira consulta para semana que vem. Vocês estão hospedados em que hotel aqui em Londres? – perguntou e eu senti minha mãe vacilar. Nós não tínhamos absolutamente condições de continuar em Londres, já que minhas irmãs estavam sozinhas em Doncaster e o hotel era muito caro para nossa situação financeira, mesmo passando longe de ser luxuoso.

- Bom, nós não temos como continuar a vir a Londres sempre, doutor – falei com a voz fraca, olhando envergonhando para o chão. Não gostava de discutir sobre isso na frente de Eleanor, já que tinha planos de casar com ela. Que espécie de homem eu era, que não podia ao menos bancar hotel e viagem? Será que eu poderia dar uma vida digna a ela no futuro? – O senhor tem algum médico de confiança perto de Doncaster? – perguntei, voltando a olhar para ele.

- Entendo a situação – ele respondeu, passando a digitar algo em seu computador. Esperamos um longo minuto – Sim, temos um médico de confiança. Ele é bastante novo, acho que tem a sua idade, mas é muito competente e especialista no seu tipo de câncer – continuou falando, abrindo a gaveta do seu lado e pegando alguns papéis – Foi meu aluno em Cambridge, se formou há alguns anos e se especializou na área de oncologia. No momento ele trabalha em The Sandringham Centre, é novo por lá – disse, anotando alguns dados em um pedaço de papel. Eleanor balançava as pernas impacientemente e minha mãe já parara de chorar, esperando agora o momento certo para agir – O nome dele é Harry Styles.

- Harry Styles? – repeti, sentindo cócegas em meu estômago, como se eu já tivesse ouvido aquele nome em algum lugar.

- Sim – Ben falou, me olhando de forma séria – Como eu disse, ele é novo, mas é um ótimo profissional, de inteira confiança. Eu irei acompanhar o seu caso, e se preciso for, irei até Doncaster – disse, e eu o olhei agradecido.

- O plano de saúde de Louis cobre todos os procedimentos, doutor? – mamãe perguntou, olhando energética para ele.

- Acho que a maioria sim. Talvez alguns exames extras tenham que ser feito em particular, mas os mais importantes são totalmente pagos pelo convênio – ele respondeu, e nós respiramos aliviados. Caso tivéssemos de arcar com todas as despesas, não teríamos como sustentar a casa, já que o que eu ganho não é muito ainda, e meus pais precisam sustentar mais 4 filhas – Não se preocupe, Louis. Você está em boas mãos – Doutor Ben finalizou, levantando-se e erguendo a mão para mim, no que foi prontamente imitado – Nos vemos em algumas semanas.

Era hoje.

Depois de correr atrás de consultas e resolver toda uma papelada que parecia ser infinita, finalmente o dia chegou. Hoje eu iria conhecer o doutor Styles e começar as sessões de radioterapia. Há quatro dias estava tomando um coquetel de medicamentos fortes, e as conseqüências já eram visíveis em meu corpo: eu estava inchado, apesar de quase não comer, pálido e com a boca rachada. Eleanor, meus pais e minas irmãs estavam ao meu lado o tempo inteiro, e eu me sentia sufocado.

Sim, sufocado.

Eu ainda não tivera um tempo só para mim, para tentar conversar com Deus e pedir uma explicação para aquilo tudo. Com muito esforço, acordava cedo todos os dias, mas sentia que minhas orações não estavam sendo ouvidas, já que meu corpo todo doía e a conversa não fluía. A cruz em frente a minha cama me encarava, enquanto Deus estava pregado na cruz. "Se ele passou por tudo isso e conseguiu se reerguer, eu também irei'', pensava enquanto tentava me alimentar. Não conseguia ingerir alimentos sólidos, me alimentava somente de coisas pastosas ou líquidas. Tudo em mim doía.

- Vamos, querido? – mamãe me chamou, depois de bater suavemente em minha porta. Sua aparência estava cansada, apesar do nítido esforço dela em disfarçar toda a preocupação. Me senti culpado. Se eu estava com câncer, aquele deveria ser um fardo somente meu, ela e meus pais não tinham nada a ver com aquele sofrimento.

- Claro – respondi, dando um pequeno sorriso na tentativa de confortá-la. Levantei da cama com algum esforço, e, me apoiando nela, saímos do quarto. Meu pai me esperava na sala, sentado pacientemente. Sua expressão era calma, embora seu olhar estivesse aflito.

- Como está, filho? – perguntou, assim que me viu. Olheiras cobriam o seu rosto, e assim como mamãe, tinha um ar cansado.

- Estou ótimo – menti, tentando confortá-lo.

- O Senhor está com você, Louis – ele disse, a voz profunda. Nos abraçamos e senti meus olhos marejarem – Lembre-se disso.

- Sempre, papai – respondi, sorrindo timidamente.

Saímos da sala e fomos em direção para o carro. O caminho até o hospital durou uns 30 minutos, completamente silencioso. No som, alguma música pop tocava e, pela primeira vez em anos, meus pais não reclamaram daquele tipo de música mundana - todos nós estávamos perdidos em pensamentos desconexos.

Assim que conseguimos estacionar, fomos em direção às atendentes. Minha consulta estava marcada para às 14h30, e já eram 14h25. A secretária telefonou para o médico para informar de nossa chegada, e em poucos minutos fomos encaminhados para a sua sala.

Ao chegarmos, não encontramos ninguém. A decoração era simples, tudo em preto e branco. Alguns porta-retratos estavam espalhados, com a foto de duas mulheres bastante parecidas – certamente aquela era a família do Dr. Styles. Sentei na cadeira em frente a ele, mamãe ao meu lado e papai em uma poltrona mais atrás. Ouvimos um 'clic' vindo da porta, e automaticamente nos viramos.

- Boa tarde – uma voz rouca e macia nos saudou, nos olhando com surpresa logo depois.

Meus olhos quase saltaram da caixa ocular e ouvi minha mãe engolir fundo ao meu lado. Na minha frente, lá estava ele: os cabelos cacheados agora estavam colocados em um arrumado topete para trás, as tatuagens escondidas sob um jaleco branco, com o seu nome bordado no bolso – o meu médico era o viadinho de alguns meses atrás, que me afrontou junto com seu namorado.

- De jeito nenhum! – exclamei, tentando demonstrar todo o  nojo e repúdio expresso em minha voz – Eu não serei cuidado por um enviado do demônio!

Mas diferente da minha expressão, meu coração batia alucinadamente rápido.

Two FingersOnde histórias criam vida. Descubra agora