Cap. 05

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Meu amigo diário...

Não aguento mais. As cobranças são muitas e a minha energia está no talo. Eu não consigo viver. Eu não consigo parar e não pensar na minha família, no meu filho. Como pode? Não pensei que fosse sentir tanta saudade como estou sentindo agora. Meu coração aperta a cada segundo. Aquele sentimento de: será que eles estão bem? Passa sempre que dá pela minha consciência. Já pensei em desistir? Claro. Já me perguntei se era realmente o que eu queria? Sim! Mas eu não vou desistir por causa de uma pessoa; meu pequeno.

— Papai, você vai ser aqueles homens que usa preto?

— Sim, meu filho — beijo sua testa.

Estávamos no meu quarto, eu sentado na beira da cama e ele no meio dela. Beatrice e eu somos casados mas ainda não achamos uma casa para morarmos. Ou melhor, dinheiro suficiente para comprar uma. Mesmo por todos esses anos as necessidades sempre foi nosso filho.

Miguel?

— Hum?

Ele estava quase pegando no sono, mas eu tinha que contar, no dia seguinte eu já ia embora.

— Sente-se aqui na frente do papai.

O mesmo se sentou, como eu pedi, sem questionar ou dizer o contrário.

— Meu filho, a mamãe falou algo para você hoje? — ele balança a cabeça para um lado e para o outro. — Tudo bem, eu conto então. Bom, o papai pensou muito antes de tomar essa decisão e dizer isso a você. Eu sinto muito pelo que você terá que passar, vai ser muito difícil se acostumar, porém, é preciso. Você quer ver o papai sendo um daqueles policiais que veste preto igual aqueles do filme que assistimos?

SIIM!! — se levanta e pula na cama. Sorrio com aquilo. Daquele tamanho, tão pequeno, já pensa no melhor para o pai.

Respirei fundo diversas vezes, aquilo era tão difícil para mim quanto para ele.

— O papai terá que ficar quatro meses sem voltar para casa.

Eu não sei explicar direito a reação imediata que meu filho teve. Uma mistura de desentendimento e surpresa estavam presentes em sua expressão facial.

— Quatro meses?

Esqueci, ele ainda não tem ideia do que seja quatro meses.

— Hum... Como posso explicar? Vamos lá.

Procuro pelo quarto com apenas um olhar se tinha alguma folha por lá. Achei uma em cima do criado-mudo. Ao lado, uma caneta, o que foi suficiente para eu poder fazer Miguel entender meu raciocínio. Aliás, ele tem apenas três anos, apesar de ser um garoto esperto e já compreender várias coisas.

— Está vendo esses quadrados? — ele assente. — Cada um se chama mês. E em cada quadrado desse, em cada mês, tem sempre trinta ou trinta e um dias, entendeu? Ah, menos fevereiro, mas isso você vai aprender mais tarde, na escola. Então, o papai vai ficar tudo isso... — faço um enorme X no mês de agosto até o mês de novembro. — Sem ver você, meu amor.

Seu olhar se levantou ao encontro dos meus, seus olhinhos pediam para que eu entendesse o que eles queriam expressar, mas não consegui. Miguel ficou ali, olhando alguns segundos para mim, parecia não acreditar.

— Papai... — seus olhos finalmente permitiram que as lágrimas escorressem por seu rostinho.

Eu nunca pensei que uma criança de cinco anos daquele tamanho e tão pouco sentimentos pudesse ter tal reação. O garotinho, o meu garotinho, só sabia chorar. Colocou suas mãos miúdas no rosto e abaixou a cabeça, chorava como se nunca mais fossemos nos ver. Miguel finalmente tirou as mãos do rosto e me encarou, seu olhar implorava para que aquilo fosse mentira. Sim, parece que estou falando de um garoto de dez anos, mas meu filho é esperto e inteligente, ele já tinha sentimentos e sua família sempre foi e sempre será seu ponto fraco. Me deu um enorme aperto no coração, por um mísero minuto eu quase pensei em ligar para os agentes do BOPE e dizer que eu não queria mais ir. Só de ver o rosto molhado de meu filho as lágrimas do meu já desciam rapidamente e de uma forma quente.

— Não, papai, não.

Apenas senti um forte abraço e um choro abafado ao pé do ouvido. Naquele momento eu já chorava como uma criança, como meu próprio filho. Depois de alguns minutos ouvindo meu garoto implorar para eu ficar, enquanto nos abraçavámos apertado o suficiente para mostrar o quanto um se importava com o outro, eu o afastei e segurei em seus braços.

— Olha... — limpo algumas lágrimas com as costas da mão. — Eu vou, mas eu volto. Eu juro que eu volto. Eu vou fazer isso por vocês. Está me ouvindo, Miguel? Estou indo para poder dar orgulho a você e nossa família.

— Não precisa... — ele chorava desesperado.

— Eu já vou amanhã.

— Você não vai estar aqui para o meu aniversário — ele faz uma carinha como se fosse chorar mais ainda.

— Shiu... Olha só, seu aniversário é apenas um dia, mas eu que ganho presente todos os dias. O meu maior presente nessa vida foi saber que dentro da barriga da sua mãe seu coraçãozinho batia forte — coloco a mão em cima do mesmo. — Para mim, todos os dias é seu dia. Ouviu? Todos os dias é seu dia, porque você é um herói!

— Mas e se você morrer?

Eu apenas sorri. Sim, ele falou de morte, mas meu filho é tão ingênuo que isso era apenas medo de me perder, eu sabia. O garotinho de cabelos curtos na cor castanha não entendeu a minha reação, até porque ele me perguntou se eu fosse morrer.

— Eu não vou morrer. Você está aqui dentro do meu coração, e toda vez que me sentir fraco e incapaz irei pensar em você, tudo vai melhorar, eu vou continuar seguindo firme e forte. Me promete uma coisa?

— O quê?

— Promete que vai cuidar da mamãe, da vovó e dos seus tios loucos?

— Sim — seu sorriso com dentes pequeninos foi o bastante para eu não aguentar e lhe abraçar novamente.

Aaaahhh, você é muito fofo!!! — risos.

Acabou que dormi abraçando meu filho. Nem vi Beatrice entrando no quarto ou ao menos se deitando, ela deve ter tomado o maior cuidado do mundo, pois adora essas cenas de pai e filho, digo por experiência própria. A pior parte foi ter que acordar e perceber que não tinha sido apenas sonho. Foi perceber que daqui a algumas horas eu estaria em outra cidade, longe da minha família, longe do meu moleque. Poderia passar um, dois, três, até os quatro meses, eu não iria me acostumar com essa ausência deles. A ficha não ia cair.

É por isso que eu continuo. Eu tenho que continuar seguindo firme e forte, como disse ao meu filho. Dei o maior exemplo que um pai poderia dar. Persistência. Agora não posso desistir tão facilmente. Vou fazer como disse para ele, toda vez que eu sentir sua falta, tocar no coração e pensar que tudo vai melhorar. É por isso que estou com a mão no peito agora, rezando mais uma vez, pedindo a Deus foco e força para ir até o final. Vários pensamentos passavam pela minha cabeça, um deles era em como Miguel estaria feliz e orgulhoso quando eu chegasse em casa de surpresa dizendo que voltei, que os quatro meses se passaram. Eu nunca passei se quer um aniversário ou Natal longe da minha família. Bom, existe uma primeira vez para tudo, é por isso que estou aqui. Até mesmo no meu aniversário. Isso mesmo, hoje é meu aniversário e eu não poderia estar mais triste por estar longe de quem amo. Mas também estou feliz, tenho que dizer, isso é para um bem futuro, é para um Brasil melhor, vou fazer de tudo para o que eu planejo acontecer de fato.

Meu Caveira (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora