CAPÍTULO 3-JULGAR OS PAIS É PECADO?

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Fátima chegou em casa com dificuldades, pois a lama estava bem escorregadia. Foi difícil andar depressa sem cair no chão.

Antes de entrar, parou no tanque e lavou o solado do calçado para não sujar a casa.

Preparou-se para a bronca da mãe que recusava-se a ajudá-la, alegando que a dor nas costas a impedia de trabalhar.

Isaura, 54 anos, era um pouco mais baixa do que a filha. Bem mais clara do que Fátima, tinha os traços menos suaves. Trazia os cabelos anelados e castanhos sempre presos num rabo mal feito, que ela consertava quando se levantava do sofá, onde passava o dia repousando em frente à televisão.

Às vezes dormia, às vezes ligava para fofocar com as amigas, às vezes ficava apenas lixando alguma unha.

_Finalmente, mulher! Ao invés de vir logo pra casa, deve ter ficado jogando conversa fora com alguma amiga desocupada que não tem família pra cuidar. Seu pai quer que você faça uma omelete pra ele e eu quero que você me veja um ovo frito._disse a mulher obesa que se espalhava num sofá velho não desviando os olhos da novela.

A mãe já tivera os seus áureos dias de corpo esbelto e atraente, mas agora se desleixara e quilos e mais quilos de gordura a fizeram tornar-se aquela mulher enorme.

Com a vida completamente sedentária, parecia que ela não se importava em ver suas roupas ficarem cada vez mais apertadas.

Fátima não respondeu à provocação da mãe, que deixava claro que não queria que a filha tivesse uma vida social agradável. A moça  pegou o prato   que estava  perto da mãe com restos do café da tarde. Levou pra cozinha. Olhou o pai deitado no sofá, vendo o jogo, parecendo ignorar que a filha mais velha chegara sã e salva da rua.

O irmão de oito anos estava brincando com um jogo que Fátima lhe dera no Dia das Crianças.

_Trouxe as pilhas?_disse o garoto ansioso assim que a viu entrar.

Ela estendeu as pilhas e afagou os cabelos espessos do irmão. Estava toda molhada, sentia frio, mas o banho teria que esperar, ou a mãe começaria a gritar com ela. A garota estava cansada demais para discutir naquela noite.

Colocou a panela velha no fogão velho e começou a bater os ovos para a omelete do pai. Fez do jeito que ele gostava, acrescentando algumas fatias finas de cebola branca e não deixando corar demais.

Sentiu inveja da médica perfumada e limpa, mesmo ao final de um longo dia de trabalho, que já deveria estar chegando em casa dirigindo o seu carro novo  para tomar um banho quente enquanto o marido, ou a mãe, ou mesmo a empregada lhe preparava algo para comer.

Fátima percebeu que a pia, entulhada de vasilhas sujas, como sempre,  entupira novamente e que a goteira no canto da copa aumentava. Esvaziou o balde que aparava a chuva dentro de casa e recolocou novamente para aparar a goteira.

_O banheiro está fedendo de novo. _informou o irmão sentando-se num banquinho perto do fogão esperando o jantar ficar pronto.

Ela sabia que aquele mal cheiro só poderia estar vindo das fossas cheias debaixo das casas do bairro. Tinham que combinar de chamar o cara para esvaziá-las, quando as chuvas parassem, ou daqui a pouco, não só o mal cheiro invadiria os banheiros.

_Depois jogo um pouquinho de desinfetante lá e melhora, tá bom?_disse assanhando os cabelos do irmão que amava._Já fez a lição de casa?

Ele assentiu.

_Soltei papagaio até começar a chover. Depois entrei e fui ver Chaves até o papai chegar e colocar no futebol. A gente podia tanto ter uma outra televisão, não é, Fatinha?

NOVOS RUMOS-Armando Scoth Lee-romance lésbicoOnde histórias criam vida. Descubra agora