CAPÍTULO 23-ALESSANDRA DECIDE IR EMBORA

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Aos poucos, Alessandra viu Fátima se afastando dela cada vez mais e se aproximando dos outros membros da família. Brincava com Henrique e o namorado, já a surpreendera, por vezes, vendo televisão com a cabeça no colo de Alba e percebeu que ela sempre arranjava algo para fazer no quarto ou em outro cômodo da casa quando a médica chegava. Começou a se sentir uma intrusa dentro da própria casa, vendo as comemorações de uma semana sem roer as unhas, depois que Vítor começara a cuidar delas, os comentários de alguma rachadura nos pés que havia sumido. Cada vez mais afastada da antiga vida, Fátima  não tivera os terríveis pesadelos novamente.

Outrora decidida a não deixar a moça esquecer-se de sua antiga identidade, agora Alessandra começara a estudar traumas vividos por alguns de seus antigos pacientes e notava, em leituras independentes, que alguns pacientes nunca mais recuperavam a memória e que viviam muito bem, mesmo assim.

Começou a duvidar de suas reais intenções sobre o porquê queria que Fátima se recuperasse ou lembrasse quem ela fora um dia. Começou a pensar que, talvez, não a quisesse tão independente dela, numa prova cruel de que agora era a médica quem dependia da paciente. 

Talvez Alessandra a quisesse como uma substituta do vazio que Élida deixara em sua vida e não quisesse admitir isso, pois se pegava, às vezes, perdida na figura que desfilava, dentro das roupas de Élida, pelo salão  no restaurante. Notava que a garota estava mais saudável, mais corada, engordara um pouco, os cabelos estavam sendo tratados por Vítor e Henrique e os dois também se encarregavam de cuidar da transformação da moça tímida e insegura que chegara ali há alguns meses, na moça que a médica observava agora.

_Não vai fazer o seu pedido?_Alessandra se assustou com Fátima chegando perto dela.

Sem querer, olhou para as mãos da moça e notou um esmalte clarinho nas unhas que começavam a crescer. Percebendo o olhar da médica, a garota sorriu.

_Veja como elas começaram a ficar bonitas, finalmente. Já são quase quinze dias com elas assim. Acho que estou menos ansiosa e, por isso, parei de roê-las. O que você acha? Acha que estou curada das minhas doideiras? Não estou roendo  mais as unhas, voltei a dormir no quarto com a Alba e ela disse que não falo mais à noite._Fátima sorriu visivelmente orgulhosa de seus avanços.

_Fico muito feliz por você, Cláudia, acredite._disse Alessandra simplesmente.

Após anotar o pedido, a garota se afastou brincando com um dos funcionários que quase trombara nela.

De repente, Alessandra começou a se sentir incomodada naquele lugar. Era visível que apenas ela ainda oferecia algum perigo para a garota. Pensava que ela era a única ligação que a moça ainda tinha com o passado, visto que todos que ela conhecia a consideravam morta, exceto Alessandra. 

A psicóloga começou a cogitar a ideia de ir embora. Não sabia se voltaria para Vida Velha ou se venderia a casa e o consultório e se estabeleceria em outra cidade. 

Decididamente, se resolvesse liberar Fátima daquele passado horrível, não poderia ficar em Novos Rumos mais. Começou a pensar os lugares possíveis para se restabelecer e abrir um novo consultório. Como a irmã dissera, havia gente precisando de seus serviços em qualquer parte e, como fosse uma psicóloga de renome, não teria problemas em começar a clinicar em outro local.

Alessandra pensou em fazer uma viagem para a Europa, primeiro, dar a si mesma a chance de, também, se desgrudar do passado, das lembranças tão dolorosas, das pessoas que ela não tinha mais. Élida morrera e Fátima, a Fátima que conhecera um dia, não existia mais. Em seu lugar estava ali uma moça totalmente estranha para Alessandra. 

Ela sabia que, mais cedo ou mais tarde, poderia trocar os nomes, se trair ao comentar algo que Fátima lhe revelara em alguma de suas sessões ou mesmo a própria imagem de Alessandra poderia lançá-la, em algum momento, de volta a alguma lembrança do passado, o que a faria destruir todo aquele presente tão agradável.

Alessandra lembrou-se de um pensamento que ouvira, certa vez: "Com os olhos presos no passado, ele perde o presente e, assim, sacrifica o seu futuro." 

Como dissera Élida um dia...quem gosta de passado é museu. Por que então se preocupar tanto que Fátima não se esquecesse do seu? Estava na hora de esquecer de sua profissão e ser mais humana com aquele garota. Dar uma nova chance para o futuro dela, não a fazendo sacrificá-lo por um passado que deveria ser morto e enterrado.

A psicóloga foi logo informar a sua decisão ao irmão querido.

_Mas, para onde você irá, minha irmã?_perguntou Henrique triste, após Alessandra ter dito a ele tudo o que pensava sobre a sua permanência ali.

_ Já liguei para o Dr. Vidal e ele me disse que tem alguns amigos em Opção..._começou Alessandra.

_Mas precisa sair do estado e ir pra tão longe, Alessandra? Você nunca esteve em Opção!_assustou-se Henrique.

_Pois é por isso mesmo, Henrique. Nunca fui lá com Élida. Quero um lugar que não me traga lembranças dela, quero uma chance de recomeçar do zero..._Alessandra olhou Fátima rindo com Alba perto do balcão._Até minha paciente mais complicada já aprendeu a lição sem a minha ajuda. Não devemos nos manter presos no passado e sim dar um passo no presente que nos garanta um futuro melhor. Preciso ir embora, Henrique. Novos Rumos me lembra Élida e Cláudia me lembra Fátima. Estou presa num passado que não me deixa me reerguer ou mesmo avançar na vida. Preciso dar um rumo em minha vida e não vai ser aqui, presa a tantas coisas que já não são mais as mesmas que eu irei conseguir. Preciso ir embora, Henrique e dar um jeito em minha vida._Alessandra tomou um novo gole do suco que Vítor fizera._Diga ao seu namorado que agora ele se superou, se é que isso é possível. Isso aqui está divino, Henrique!

_Alguém falou em divino aí?_disse Alba chegando com Fátima pela mão.

_É o novo suco do meu namorado fazendo sucesso com a minha irmã psicóloga. Pena que nem isso está impedindo ela de continuar com essa ideia louca de nos deixar e ir embora._disse Henrique tristemente.

Sem querer, Alessandra olhou para Fátima e notou que ela parecia conter um sorriso de satisfação. Sentiu-se mal por saber que a garota que confiara nela por tanto tempo e que poderia ter se tornado sua amiga, agora se sentia aliviada por vê-la partir. Baixou os olhos tristemente.

De repente, o telefone celular de Fátima tocou e ela o atendeu sorridente.

_Dirce? Mas é claro que eu quero ir, amiga! Gente, a Dirce está me convidando para uma festa na casa dela sexta-feira à noite e, Alba, se eu pagar o meu horário no domingo de manhã, que é a minha folga, você me libera?_disse Fátima suplicante.

_O que você não me pede sorrindo que eu não faço chorando?_disse Alba.

_Alba!_reclamou Fátima.

_Estou brincando, minha linda. É claro que pode ir se divertir com suas amigas, meu bem._Alba beijou o rosto de Fátima, que retribuiu o beijo e saiu continuando a conversar com a amiga pelo celular.

Alessandra ficou olhando ela balançar as mãos aflitas pelo encontro.

_Acho que você deveria seguir o exemplo dela, Alessandra. Deu um chute no passado e, agora, está dando um novo trato a sua vida._disse Alba olhando a moça com satisfação._E dizer que a gente queria obrigá-la a assumir algo que eu nem imagino o que seja. Aliás, o que é um nome diante de tudo o que ela deve ter passado, não é mesmo?

_É claro._riu Alessandra sem graça. 

Parecia que sua irmã, afinal, tinha mais conhecimento em psicologia do que ela.

_Mas isso não inclui colocar seus irmãos no passado, Alessandra. Não acha que está exagerando em ir embora? Abra um consultório em Novos Rumos, querida e fique conosco!_insistiu Alba.

Alessandra olhou Fátima com um sorriso sonhador no rosto. Por um momento, não sabia se sentia inveja por ela estar conseguindo ou ciúmes por ela estar fazendo novas amigas e abandonando as velhas. Tudo o que ela lhe dissera, de como confiava nela, de como ela a ajudara, de como ela lhe inspirava e agora...não, não deveria ir por esse lado. Deveria estar feliz por ver a ex-paciente tão bem, pensou a médica se levantando e saindo.

NOVOS RUMOS-Armando Scoth Lee-romance lésbicoOnde histórias criam vida. Descubra agora