VINTE E QUATRO: "Melodia"

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Evangeline estava mais que satisfeita, tinha que admitir. Comera tudo o que tinha naquela bandeja que Maxwell trouxera mais cedo, o que não era pouca coisa. Ele queria mesmo fazer com que suas energias voltassem, o que deu certo; sentia-se mais revigorada. Sem falar na jarra que bebera direto do bico, a deliciosidade do líquido descendo por sua garganta seca foi a melhor coisa que sentiu em dias. E agora até conseguia falar, por mais que ainda estivesse rouca.

Agora ela estava ali, escorada no peitoril da janela, olhando para o brilho das estrelas e sonhando. Quando de repente, um texto que escrevera há tempos atrás veio em sua mente. O mesmo texto que escrevera quando seu pai a trancafiara:

"Trancafiada.
Isso mesmo! Trancada por quase quarenta dias!
E tudo o que eu queria era que um príncipe viesse e me tirasse daqui, como acontecem nos livros.
Não sei se aguentarei por muito mais tempo,
Mais alguns dias aqui e pularei da minha janela.
A solidão está me matando aos poucos, acabando com a minha sanidade.
Estou acabada, destruída, quebrada por dentro.
Quero sair, ser livre, viver a minha vida.
Não sei quando vai acabar, ou se vai acabar.
Sei que o tempo é o meu único aliado neste momento,
E quando ele morrer, isso vai acabar. Sei que vai.
Quero que ele morra. Chega de sofrimento!
Mas temo ir primeiro que ele. "

Não soube como, mas não se esquecera de nenhuma palavra sequer. Até a quantidade de dias que ficara trancada ela se lembrou, e não ousou trocar nenhum verso, nenhuma vírgula. A única coisa que mudou foi que ao invés de fala, agora era uma melodia. Evangeline fizera uma música com aquele texto, e já inteirava a quarta vez que o cantava seguidamente. O ritmo era lento e solitário, do tipo que entrava na alma. Sua voz não estava boa, isso é fato, mas ouvir as palavras tristes e solitárias saindo de sua boca lhe dava uma paz surpreendente. Estava cantando para si e para as estrelas.

A música acabou, mas ela começou uma quinta vez. Então acabou de novo, e cantou uma sétima vez, oitava, nona... Sua voz já estava mais fraca, mas não se importava.

A música acabou de novo, e quando abriu a boca para começa-la uma décima vez, a porta foi escancarada com ferocidade, fazendo-a saltar de susto.

Seu coração foi parar na boca quando viu Wanda empurrar Charlotte, sua mãe, para dentro do quarto. Ela caiu de joelhos sobre as pedras, soltando um gemido de dor e frustração.

- Mamãe! – Evangeline correu até ela.

- Filha? Oh! Evangeline, você está mesmo aqui! – Elas se abraçaram, ambas de joelhos no chão, ambas chorando.

- Você está bem? – Evangeline encarava o rosto da mãe, procurando algum sinal de agressão ou qualquer outra coisa. – O que eles fizeram com você? – Olhou por cima do ombro da mãe, e avistou Wanda e Maxwell lado a lado, parados diante da porta, ambos com sorrisos endiabrados nos lábios.

- Nada, eles não fizeram nada, querida! – Respondeu Charlotte com desespero. – E você, está bem?

Evangeline fez que sim.

- Ah, pelo amor de Deus! Parem com esses choramingos melosos e desnecessários! – Rugiu Wanda, mas Eva nem se importou. Estava feliz demais que sua mãe estava ali. Tanto tempo que não a via...

- Aproveitem o tempo juntos, miladies! – Wanda falou a última palavra com tanto veneno. – Afinal de contas, os documentos estão quase prontos. – E saiu, seguida de Maxwell.

***

Algumas horas se passaram. As damas estavam mais calmas agora, ambas deitadas na cama de colchão fino e mofado; mas isso era o de menos.

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