1. Amigos e garrafas de cerveja

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As gotas da chuva deixaram a janela do ônibus embaçada, mas mesmo assim eu conseguia enxergar que havia chegado ao meu destino. Voltar à faculdade após as longas férias foi uma benção, eu não aguentaria mais um dia sequer na casa dos meus pais. Por mais que não fossem pessoas ruins, eles sempre voltavam ao mesmo assunto. "Como você pôde abandonar a faculdade de direito para estudar cinema? Não era isso que nós queríamos para você!" Meu pai, um juiz bem sucedido, dizia frequentemente. Eu não os odiava, até os entendia um pouco, mas essa era uma escolha inteiramente minha a fazer e, por causa dessas discussões, se tornava cansativo ficar em casa.
Os corredores dos dormitórios se encontravam em um estado de caos. Malas, caixas, instrumentos, mobília... Sem falar dos calouros energéticos e dos jogadores de futebol barulhentos. Isso não me incomodava muito, eu trabalhava como bartender alguns dias da semana para não ter que pedir dinheiro aos meus pais, não tinha como pagar aluguel todo mês. Eles ainda pagavam o meu curso, mas meus mantimentos fiz questão de serem por minha conta.

-Liz! -Gabbie, minha colega de quarto, gritou quando me viu. -Achei que ficaria na casa dos seus pais até semana que vem. -As aulas mesmo não estavam começando ainda, a primeira semana do ano é sempre de adaptação, especialmente para a integração dos calouros. -Bem, você precisa de ajuda para carregar suas coisas?

-Não, eu trouxe só esta mala, obrigada! -Sorri.

-Tudo bem! -Gabbie tinha longos cabelos dourados e gigantes olhos verdes. Era integrante da equipe de líderes de torcida e estudava química. Queria se especializar em cosmetologia.

-Como foram suas férias? Eu vi suas fotos no Instagram, que praia linda era aquela? -Perguntei enquanto entrava no dormitório. Estava exatamente como tínhamos deixado um mês atrás, exceto pela pilha de malas e bolsas da Gabbie.

-Tulum. Foi maravilhoso! Ainda bem que consegui fazer David mudar de ideia, ele queria ir esquiar na Argentina... -Fez uma cara de nojo, Gabbie odiava o frio. Tinha uma tatuagem de uma onda na costela e um sol nas costas. David era seu namorado, estudante de engenharia, louco por Star Wars e esportes radicais. -E você, o que fez?

-Não tem muito o que fazer na minha cidade, mas não foi horrível, foi ótimo pra descansar. Só voltei cedo porque meus pais ainda pegam no meu pé por ter abandonado o curso de direito.

-Ainda? -Revirei os olhos e assenti. -Eventualmente eles vão se conformar, eu acho.

-Espero... -Me joguei na cama. -Você quer ir no Fred's hoje a noite? Eu vou estar trabalhando no bar mas você pode levar David pra te fazer companhia enquanto eu atendo outras pessoas. Afinal, é terça, não vai ter muita gente então podemos colocar o papo em dia.

-Pode ser, eu mando uma mensagem avisando ele.

Tirei um tempo para organizar minhas roupas e meus materiais, pegar a lista de livros do semestre na tutoria e tomar um banho. Quando percebi já estava quase na hora de ir para o Fred's.
Gabbie e David apareceram uma hora depois, quase meia noite. Não tinha muitas pessoas, apenas alguns casais nas mesas e um cara de terno enchendo a cara no bar.

-Eai, Liz. Como vai? -Perguntou David, sua pele estava bronzeada.

-Bem, e você? Tulum te fez bem! -Gabbie riu.

-E não é que fez!? Não sou mais branco que nem um fantasma! -Usava uma camiseta embaixo de uma camisa xadrez, a camiseta tinha uma estampa de alguma coisa nerd que eu não entendia.

-O que vocês vão querer?

-Pra mim cerveja. -Disse Gabbie. -A mesma de sempre.

-Eu vou querer o mesmo. -O garoto respondeu.

Conversamos por algum tempo, descobri detalhes desnecessários sobre as férias em Tulum e, quando ficou tarde, eles foram embora.
De pouco a pouco, as outras pessoas também se retiraram. Até sobrar apenas eu e o cara de terno, que já deveria estar caindo de bêbado. O seu paletó estava pendurado no encosto do banco e as mangas de sua camisa estavam dasabotoadas e na altura do cotovelo.

-Senhor, fecharemos em dez minutos. -Ele assentiu, silenciosamente.

Dez minutos se passaram e ele continuava na mesma posição. Tinha uma chave de carro na mão e não estava na mínima condição de dirigir.

-Senhor, precisa que eu chame um táxi? Talvez não seja a melhor ideia dirigir... -Falei, me encarou furiosamente, como se fogo saísse de seus olhos azuis.

-Quem você pensa que é pra me dizer o que fazer? E por que continua me chamando de senhor? Não devo ser tão mais velho que você! -Largou seu copo e duas notas de cem na bancada e se levantou.

-Me desculpe, não pretendi te ofender senh...

-Cuide da sua vida, eu me viro com a minha. -Pegou seu paletó, sua chave e foi embora.

Dei de ombros, mas me preocupava que algo acontecesse com o homem ou alguém na rua. Varria o chão do bar distraída, pensando nas possibilidades de algo terrível se suceder disso, quando vi no chão uma caixinha azul aqua perto da pata do banco em que o homem estava sentado.
Por pura curiosidade, decidi abrir. Era um anel prateado, com uma pedra linda e brilhante no topo, cercada de pedrinhas menores. Não parecia ser falso. Isso poderia explicar o mau humor do cara de terno, parecia ser um anel de noivado. Talvez o pedido não tivesse dado certo.
Deixei o anel no escritório do Fred, dono do bar, e expliquei o ocorrido. Logo, voltei para o meu dormitório. Gabbie não estava lá, deveria estar no apartamento de David, como sempre.
Quando deitei na minha cama, cai no sono direto. Estava exausta da viagem e do dia corrido, sem mencionar que o cara de terno no bar também tinha usado da minha energia um pouco.

COMO NÃO SUPERAR CHRISTOPHER MORRIS (concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora