10.Fim da linha

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                 Christopher


   Acordei de roupão, sozinho no quarto. A última coisa que me lembrava da noite passada era o sétimo shot de tequila, o resto era um borrão. Não sabia como tinha chegado até o quarto e quem tinha me dado banho. Liz não estava no banheiro e nem na sacada, então troquei de roupa e desci para o restaurante, talvez estivesse lá comendo alguma coisa. Mas ela não estava lá.
   Lembrei que as madrinhas estavam no SPA se preparando para o casamento, que seria no fim da tarde.

–Vocês viram Liz? —Perguntei para as madrinhas que faziam as unhas em uma fileira de poltronas de massagem. Todas negaram com a cabeça e se olhavam confusas.
    Onde ela estaria? Talvez tivesse ido passear na cidade. Esperei sentado no lobby do resort tentando ligar para ela, mas caía direto na caixa postal.
   Minha mãe passou pela grande porta com sua secretária, que carregava sacolas de lojas de grife. Abordei-a, talvez Liz tivesse ido com ela.

–Mãe! Liz está com você? —Ela me olhou confusa.

–Não... —Levantou as sobrancelhas. —De manhã cedo ela saiu para caminhar na praia. Ainda não voltou?

–Obrigado! —Beijei sua testa e atravessei o lobby até a porta de trás do resort, que dava de frente para a praia.

   Não havia ninguém lá, as poltronas estavam vazias. Era hora do almoço e todos os hóspedes estavam no restaurante. Liz deveria ter ido mais longe.
   Caminhei por um curto tempo até avistar uma duna. O vento esvoaça os cabelos escuros da pessoa sentada no topo. De longe a reconheci, e chegando mais perto, percebi que estava com a mente tão distante que nem notou minha presença até eu sentar ao seu lado.

–Oi... —Falou. Limpando os olhos vermelhos e levemente inchados. Liz nunca havia chorado na minha frente.

–Por que está chorando? —Perguntei e alisei seu braço.

–É só areia... —Disse fanha. Ela claramente tinha chorado por longos minutos. Sentou mais para perto, abraçou meu braço e encostou a cabeça em meu ombro.

–Aconteceu alguma coisa que você não quer me contar? —Ela negou silenciosamente, olhando para o mar. —Vamos lá, Liz.

–Não agora, mais tarde...

–Tudo bem. —Ficamos ali por um bom tempo, sem falar nada.

   Algumas horas depois estávamos no quarto nos vestindo para a cerimônia. Liz arrumava o pequeno arranjo de flores no bolso do blazer azul royal. Tinha o cabelo enrolado em bobs e vestia um roupão.

–Está pronta para vestir o vestido que escolhi para você. —Ela assentiu animada. Tirei uma caixa branca que estava escondida no guarda-roupa e coloquei em cima da cama. —Vai lá, abre!

   Seu rosto não tinha mais a expressão cabisbaixa de antes. Retirou o vestido da caixa com todo cuidado e o estendeu na cama. Sempre achei que turquesa era uma cor que combinaria com Liz. O vestido longo era simples e não tinha brilho ou renda, apenas um degradê que começava escuro em cima e se tornava claro até a barra.

–Christopher! É lindo! —Sorri involuntariamente.

–Se apresse! Teremos que ajustar se não servir. —Ela correu para o banheiro com o vestido na mão.

   Ela demorou um tempo para voltar, seu cabelo já estava pronto e sua maquiagem também.

–Pode me ajudar? —Pediu, mostrando o zíper aberto nas costas.

–É claro. —Olhou-se no grande espelho do guarda-roupa e virou-se para mim. —Ficou ainda melhor do que eu imaginava. —Revirou os olhos sentou na cama para calçar os sapatos. Ela parecia ter saído direto das minhas mais selvagens fantasias.

–É melhor a gente descer, não podemos nos atrasar desta vez. —Pegou minha mão e me guiou para fora do quarto. Fechei a porta e guardei o cartão no bolso.

     A praia estava enfeitada com flores brancas e velas. Já haviam muitas pessoas sentadas esperando a cerimônia começar. As madrinhas vestiam salmão e já estavam organizadas para entrar, com os padrinhos do lado. Só meu posto estava vazio, Vivian esperava solitária.

–Vai, estão te esperando! —Disse Liz, após beijar meu rosto, e sentou-se em uma cadeira do fundo.

   Caminhei até meu lugar, o primeiro da fila, e ofereci o braço para Vivian.

–Podemos trocar de par. —Ela disse, olhando para Liz, que estava de costas, observando o altar.

–Ela não vai se importar. —Respondi.

–Ela parece ser legal. —Me senti mal, eu não tinha contado tudo para Liz. Ela não merecia a mágoa. Apenas sorri para Vivian e não falei mais nada.

   Em seguida, era nossa entrada. O violonista tocou uma música melódica e calma. Combinava com o ambiente. Logo após, a noiva apareceu, com um vestido branco esvoaçante. Os olhos de Tim marejaram. Eu estava tão orgulhoso do meu irmãozinho. Tim era um pouco mais de um ano mais novo do que eu.
    Liz estava concentrada na cerimônia, riu muito durante os votos cômicos de Tim. Conversava com a senhora idosa ao seu lado e seus olhos brilhavam. Minha atenção já nem era para a cerimônia, era para ela, como se tivesse um holofote nela todo tempo.

    Uma parte ao ar livre foi arrumada para ser o local da festa. Tochas enfeitavam a praia e atrás de uma bancada de bar rústica, o mixólogo fazia malabarismos com as garrafas. As mesas redondas foram decoradas com plantas secas e velas que iluminavam naquela hora pós pôr do sol, quando o céu tem tons de roxo e laranja. No meio da pista, Tim dançava com sua esposa, entre outros casais que balançavam ao som de uma música lenta que a banda tocava.

–Você vai ficar sentada a festa toda? —Perguntei para Liz, que estava ao meu lado à mesa.

–Estava esperando pelo seu convite. —Estendeu a mão e me puxou.

    Quando chegamos até a pista de dança, colocou minhas mãos na sua cintura e seus braços em volta do meu pescoço.

–Você está linda. —Encostou a cabeça em meu peito. —Eu poderia te carregar até o quarto agora mesmo. —Ela riu.

–E o que iríamos fazer lá? —Provocou.

–Ah, você não faz ideia... —Ela ria abraçada em mim quando notei que meu pai nos encarava bravo. —Eu preciso fazer uma coisa, mas eu já volto. —Ela se afastou, sem entender. —Mas antes, preciso te entregar uma coisa. —Tirei o envelope branco do bolso do blazer e entreguei para ela. Senti meu coração rasgar com cada palavra que eu dizia.

–O que é isso? —Perguntou abrindo o envelope que continha o cheque de cento e vinte mil, que incluía o valor total do pagamento. —Christopher...

   Era muito doloroso para nós dois eu ficar ali e explicar. Era melhor ela não saber. Dei as costas e segui meu caminho. Lá no fundo eu esperava que ela corresse atrás de mim e me impedisse, mas ela não o fez, e eu não podia olhar para trás para ver sua cara de decepção, porque voltaria correndo para ela e imploraria seu perdão.
    Em vez disso, procurei Vivian antes que ela fosse embora e, para meu azar, ela ainda estava lá. Conversava na roda de madrinhas, com uma taça de champagne na mão.

–Posso conversar com você a sós. —Falei baixo quando me aproximei, não queria ser fofoca no meio das outras garotas. Ela assentiu.

   A segui até um sofá vazio, distante da festa. Era melhor que estivéssemos em um lugar reservado.

–O que foi? —Perguntou. —Por que não está aproveitando a festa com Liz?

–Porque sinto sua falta. —Era verdade, apesar de não ser mais apaixonado por Vivian, ela continuava sendo uma boa amiga.

–Chris... —Suspirou. —Cai na real! Nunca iria dar certo.

–Poderíamos tentar pela última vez. —Me encarou com os olhos semicerrados.

–Me escuta, sei que não quer tanto quanto eu. —Colocou os pés descalços para cima do sofá. —Há muito tempo que eu não te fazia se sentir como ela faz. Eu te conheço, Christopher. No café da manhã de ontem você parecia um adolescente apaixonado olhando para ela. —Eu ri. —Vai dizer que estou errada?

–De maneira alguma... —Fitei o chão.

–Você é muito importante pra mim Chris, e eu sei que você sente o mesmo por mim. Mas nascemos para ser no máximo parceiros de negócios, já que as empresas acabam sempre no meio de tudo. E não tem nada de errado com isso. Honestamente, nenhum de nós dois se atreveria a abrir mão dessa responsabilidade pelo outro. —Concordei. O nosso relacionamento era a prova disso. —Sempre fomos pressionados pelos nossos pais a continuarmos juntos. Aprendemos a nos gostar durante isso, mas eu nunca me senti tão livre como agora! —Respirou fundo com os olhos fechados. —Sem ofensas! —Rimos. —Bem, é melhor eu voltar para a festa, você também deveria. —Deu um tapinha em meu ombro antes de sair.

    Eu tinha levado uma bronca de Vivian. Ela parecia mais feliz do que quando estava comigo. Talvez ela tivesse razão, éramos muito tóxicos juntos.
   Não sabia como iria pedir desculpas a Liz, não sabia se seus sentimentos tinham se tornado outros ou se confiaria em mim. Mas eu não poderia escolher a covardia novamente.
  Voltei para a festa. A música agitada guiava todos de suas cadeiras até a pista. Já era noite, o céu não tinha mais seus tons quentes. Caminhava entre as pessoas procurando por Liz, quando senti um puxão em meu braço.

–Chris! —Valerie gritou no meu ouvido enquanto dançava. —Por que Liz foi embora tão cedo?

–Ela foi embora? —A garota mostrou o envelope branco que tinha na mão.

–Ela deixou isso para você antes de ir. —Me entregou. O cheque ainda estava dentro do envelope.

   “Tarde demais.”, pensei. “Eu perdi a garota que amo e a deixei sem nenhuma explicação. Ainda paguei pelo serviço como se ela fosse uma mercadoria e seus sentimentos poderiam ser usados e descartados quando eu quisesse.”
    Enquanto eu corria lembrei da vez que ela provava vestidos no meu escritório e eu precisei me segurar para não olhar demais. Da vez que apalpei sua bunda em público na tentativa de parecermos mais como um casal. E quando abriu a porta do dormitório com o cabelo bagunçado e me puxou para dentro para que ninguém me visse ali. Mas todos esses flashes não doíam tanto quanto a imagem dela na praia, nos meus braços dentro da água, quando confessou que também não queria que acabasse. A gota d’água foi entrar no quarto e ver que a única coisa que deixou para trás foi o vestido, que dentro da caixa em cima da cama.

COMO NÃO SUPERAR CHRISTOPHER MORRIS (concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora