Cap. 1

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Acordo com um som insistente a minha esquerda. Abro os olhos e dou de cara com a minha irmã encolhida no cobertor como se estivesse lutando contra um inimigo invisível. Ela murmura coisas inaudíveis e se encolhe mais ao passo em que a brisa fria da noite entra pela janela. Levanto em um pulo e fecho-a observando minha irmã se contorcer um pouco menos. Volto para a cama e me envolvo junto à ela no cobertor abraçando-a por debaixo. Ela encosta sua cabeça no meu pescoço e finalmente sinto seus músculos relaxarem.

É a quinta vez só nessa semana, o que não me surpreende em nada. Não é como se eu pudesse culpá-la. Desde criança ela sabe o que iria lhe acontecer, mas quando somos mais jovens pensamos que o futuro está tão longe que não vale a pena nos preocuparmos com ele. O futuro longíquo chegou e Anne não poderia estar mais nervosa. Desde que éramos crianças esse é o seu meio de se acalmar, quando está de dia ela consegue esconder perfeitamente suas emoções, mas ao chegar a noite ela não se aguenta e vem ao meu quarto procurar um descanso de seus pensamentos. E eu sempre cuido dela nessas situações, quase como se eu fosse a irmã mais velha.

O problema tem nome e sobrenome: Nathan Eister. Príncipe, e futuro rei, das Ilhas do Sul. Não menospreze ele por serem apenas ilhas, porque na realidade é um arquipélago gigantesco que conta com um bom contigente de pessoas. Não sei se seria justo nomeá-lo como um problema, afinal nem o conhecemos ainda, e mesmo não o conhecendo minha irmã está fadada a entregar sua mão a um homem que nunca amou. A um homem que nunca nem mesmo viu.

Não podemos dizer que temos grande conhecimento sobre ele. Na realidade, fora seu nome e idade, pouco sabemos sobre esse príncipe. Isso fica a cargo dos Reis de Camellia, nossos pais. As vezes, me sinto grata por não ter sido a primeira, não consigo me imaginar casando com alguém por vantagens estratégicas de governo. Acho que minha irmã também não. Se eu gostaria de ajudá-la a impedir? Adoraria. Porém nem ela parece querer levantar um dedo para contestar a decisão do rei, e quem sou eu para parar um casamento que nem é meu? Por enquanto, o melhor conforto que posso dar são meus braços enroscados ao seu redor e, uma vez por outra, enxugar uma lágrima derramada de seu olho.

De manhã cedo, algumas criadas sempre vêm me acordar para começar com as minhas atividades. Elas entram no quarto e gentilmente abrem a janela permitindo que o ar fresco da manhã adentre o ambiente. Olho para o lado e vejo que minha irmã já não está mais lá. Espreguiço-me e encaro a vela quase totalmente derretida que usei noite passada.

—Onde está minha irmã? - Repouso minhas pernas na cama e olho para Calie, uma das criadas mais antigas, que me responde imediatamente.

—Sua alteza não está mais em seus aposentos, ela levantou há pouco e foi diretamente cuidar dos preparativos do casamento. - Faço que sim com a cabeça sabendo que tudo que ela tinha acabado de dizer era apenas uma falsa verdade. Não chega a ser mentira, pois ela genuinamente acredita em sua explicação, mas Anne com toda certeza acordou primeiro que todos no palácio e se apressou a ir no banheiro de seu quarto para tirar qualquer vestígio que pudesse demonstrar o medo instalado em seu rosto. - A senhorita gostaria de ir até ela?

—Não agora. Ajudarei minha irmã depois. - Eu sei o que vou ver assim que chegar no salão principal. Minha irmã vai estar com o melhor sorriso que conseguiu colocar no rosto, enganando a todos a respeito de sua felicidade aparente quando por dentro ela vai estar destruída. Se controle das emoções é uma habilidade necessária da realeza, Anne com certeza a tinha. Os outros acreditam nela, eu não. Sua cara alegre é entregue pelas olheiras de quem a olha com atenção, mas quem seria capaz de encarar a próxima rainha de Camellia senão sua irmã? Eles não percebem, e mesmo se percebem não o dizem.

Ignoro minhas criadas no quarto e vou em direção à saída. Eu só quero sair daqui um pouco, sentir a liberdade que minha irmã daqui a alguns dias mal poderá sentir. Não sabemos como o príncipe é. Durante todas as nossas conversas, nas minhas inumeráveis tentativas de fazê-la arranjar um jeito de desistir desse casamento, nas suas respostas do quão responsável uma rainha deve ser, nunca mesmo um mísero detalhe dele escapou de nossos lábios. Ninguém se deu ao trabalho de nem mesmo nos contar. E hoje acabaremos o conhecendo. O homem com quem Anne terá que passar o resto de sua vida.

Vou em direção ao jardim e olho para todas aquelas flores. Lírios, violetas e camélias. Sendo a terceira a mais presente naquele local. A flor que deu nome ao reino está enfileirada perfeitamente como se fizesse um caminho ao redor do palácio. Ela esbanja sua bela cor como se estivesse desafiando alguém a parar de olhá-la. Seguro meu vestido para que não toque na terra e abaixo o suficiente para cheirá-las. Aprecio a fragrância que senti a minha vida toda e quase esqueço dos problemas que cercam aquelas lindas flores.

—Vossa alteza. - Calie aparece quase como mágica atrás de mim.

—Sim? - Escondo a cara de surpresa. - Anne está me chamando?

—Os seus pais, na realidade, senhorita. - Estremeço um pouco. As únicas razões para eles me chamarem seriam: guerra, estudo monárquico ou encontro real. E como eu tenho certeza de que não estamos em guerra e eu já acabei meus estudos da semana, isso significa que o noivo chegou. Só de pensar na minha irmã aguentando isso sozinha fico nervosa e começo a andar rapidamente para o escritório de meu pai.

—Quando ele chegou? - Pergunto sem me virar para ela que luta para acompanhar meu ritmo.

—Acabou de chegar. Vossa alteza não ouviu os guardas anunciarem a chegada da carruagem real das Ilhas do Sul? - Começo a vasculhar na minha memória e não acho nada. Eu estava tão absorta em meus pensamentos que nem ouvi os gritos estrondosos dos guardas da entrada que falam alto o suficiente para que o palácio inteiro os escutem. - No momento, ele veio apenas com um rapaz. Acho que é seu irmão. - Não fiquei muito impressionada com a possibilidade dele ter um irmão, não sabemos muito dele mesmo. Além disso, Anne também tem uma irmã.

Paro em frente à uma grande porta que fica no final do corredor principal. O Gabinete Real. Os guardas na frente fazem uma breve reverência a mim e abrem a porta. Um deles vai à frente e anuncia a minha chegada.

—Princesa Olívia Main. - Bradou em alto e bom som como se não estivéssemos ali ao seu lado. Rapidamente nos deixa sozinhos junto com Kate, e eu entro no cômodo. Sou recebida com um olhar terno dos meus pais e uma reverência dos dois homens que estão ao lado deles, retribuo-a com delicadeza e ando para mais perto deles esperando as apresentações. Só então percebo que Anne não está na sala.

Olho discretamente para os dois e percebo as diferenças em seus visuais. Se de fato são irmãos, em nada se parecem. O mais velho tem cabelos loiros e olhos castanhos bem bonitos. Um corpo robusto, provavelmente resultado de caçadas, que são comuns no Sul. O mais novo aparenta ter mais ou menos a minha idade, seu cabelo é um castanho quase preto e seus olhos esverdeados. Ele também parece ser forte por baixo daquele uniforme real, mas era uma força diferente. Seus braços pareciam mais fortes e preparados que o seu tronco propriamente dito, o contrário do mais velho. A maior semelhança entre eles é a altura, os dois são bem altos e mesmo eu usando salto fico apenas um pouco acima de seus ombros.

—Princesa Anne Main. - Foi a vez da minha irmã adentrar o recinto e percebo como os olhos dela focam nos meus querendo desviar de qualquer coisa — ou qualquer um — que também estivesse lá. Chegando ao nosso lado virou-se em direção aos visitantes, sendo um o seu futuro marido, e fez uma reverência sendo seguida pelos mesmos.

—Agora que todos estão aqui, as apresentações serão feitas. - O rei fala recebendo o foco de todas as pessoas naquele ambiente. Fomos então apresentadas ao Príncipe Nathan Eister, futuro rei das Ilhas do Sul, e agora também de Camellia. Por fim, conhecemos Ethan Eister, segundo filho da linhagem real Eister. Fomos apresentadas e recebemos um singelo beijo nas nossas mãos de cada um. Não sou acostumada a isso, e foi uma surpresa quando o mais novo pegou a minha mão direita, mas pelo jeito é uma de suas tradições. Sentamos em alguns sofás que estavam dispostos em frente à uma lareira e tudo que se pode ouvir foram discussões sobre estratégias de conflitos. Argumentos e contra-argumentos foram lançados, terminando com o meu pai com um sorriso satisfeito no rosto.

—Anne. - Meu pai chamou trazendo a atenção dela, que parecia estar em qualquer lugar menos naquela sala, para ele.

—Sim, Majestade. - ela diz com a voz baixa. Não importa o que ele peça agora, eu sei muito bem qual será a resposta. Disciplina sempre foi com ela. Nosso pai mandou que ela fosse mostrar o jardim ao seu noivo, e ela aceitou, é claro. Foi até cômico ouvir essa palavra saindo de sua boca. "Noivo". Em nenhuma parte da conversa que tiveram alguém mencionou o casamento, nem mesmo uma vez. Pareceu mais uma reunião diplomática do que um encontro real. E agora para parecer que o foco sempre esteve em Anne, ela terá que lhe servir de guia. Como se fosse um pedido de socorro, o último olhar dela naquela sala se dirigiu a mim. E eu não pude fazer nada.

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