Cap. 10

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Alguns dias atrás...

Cinderela. Sim, eu sempre amei a história da Cinderela. O que pode ser melhor do que uma garota que não tinha nada além de esperança de encontrar o amor de sua vida e de bônus ainda levar um reino inteiro? Já me peguei pensando se ela invejaria a minha vida, mas com certeza eu invejo a dela. Será que ela gostaria de ter nascido em berço de ouro já sendo preparada desde criança para um cargo tão grande? Ela preferiria nunca ter tido que cozinhar ou limpar algo na vida? Afinal, eu nunca tive. Ela preferiria aprender sociologia e filosofia dos melhores sábios da região a arrumar a casa? Provavelmente sim, não é?

A verdade é que isso não é nada. Eu a invejo por ela ter uma coisa que eu nunca tive. Escolha. Sim, a Cinderela pôde escolher o que ela queria. Mesmo se chegasse ao final do conto e ela descobrisse que não está apaixonada pelo príncipe, ela poderia ter se negado a casar com ele. Eu não posso. Ela se apaixonou. Eu não sei como é o amor de duas pessoas. Ela ganhou um amor e um reino. Eu trocaria tudo só para sentir o sentimento de borboletas no estômago ao olhar para alguém.

Às vezes, tudo que eu queria era ter nascido depois da minha irmã, assim ela seria a herdeira do trono e não eu. Pode parecer egoísmo, e de fato é, mas nesse momento eu não consigo ficar totalmente sã do que está me acontecendo. Não posso ser hipócrita e dizer que foi uma grande surpresa. Desde criança escuto que esse provavelmente seria meu destino. Casamento arranjado. Trazer uma pessoa para ocupar um lugar super importante na minha vida por questões burocráticas, realmente uma péssima ideia.

Quando meus pais chegaram e me notificaram que eu estaria casando em poucas semanas, eu quase desmaiei. Mas eu não posso desmaiar. Uma rainha tem que ter postura e lidar com situações. Reclamar? Não, isso também não posso. Uma rainha tem que saber receber imprevistos e administrá-lo bem. Me impor? De jeito nenhum, uma rainha deve saber o que é melhor para seu reino. Tudo que me restou foi assentir com a cabeça e me tirar do escritório tentando não mostrar o quão transtornada eu estava, afinal uma rainha deve estar sempre sorrindo.

Quando contei para Olívia, ela pareceu estar tão irritada quanto eu. A diferença é que ela não se importa de mostrar sua irritação. Até mesmo uma intervenção ela sugeriu. Segundo ela, poderíamos conseguir nos livrar disso. Logicamente, eu a impedi. Não farei nada que possa prejudicar a qualquer um, nunca fiz e não será agora que farei.

—Mas com quem você se casará, afinal? - Seu rosto estava ficando vermelho.

—Com o Príncipe Nathan das Ilhas do Sul. - Respondo simplesmente enquanto me sento na beira de sua cama.

—A gente nem conhece ele. Os nossos pais não poderiam ter escolhido, pelo menos, alguém que você conhecesse? - Ela bate a mão na escrivaninha e bufa.

—Não é como se fosse uma grande novidade que isso ia acontecer. Você sabe tanto quanto eu, Olívia, que mais cedo ou mais tarde eu teria que me casar desse jeito.

—Mas nós duas pensamos que seria mais tarde. - Ela vira o rosto para mim. - Como você pode estar tão calma quanto a isso? É o seu futuro, Anne!

—Fique tranquila, vai dar tudo certo. - Dou um beijo em sua testa e saio rapidamente do quarto.

Eu não estou calma, eu não estou tranquila, mas é assim que eu preciso parecer. Disciplina sempre, não foi isso que me ensinaram? Eu sei que é o meu futuro, mas gostaria muito que não fosse. Será que em algum momento da minha vida, um momento sequer, eu vou poder ser primeiro lugar finalmente? Todos me acolhem e me amam, lançam flores para a carruagem quando estou fazendo o passeio pelo reino, gritam: "lá vem a futura rainha de Camellia!". Será que eles sabem que eu trocaria de vida com qualquer um deles? O direito básico do homem é amar, mas até isso me tiraram.

"Anne, o príncipe Nathan virá amanhã. Esteja pronta e aja como a melhor futura esposa do mundo".

Quando essa frase saiu da boca da minha mãe, tudo que eu queria era correr. Olho diretamente para seus olhos e a mesma pergunta que me assombra há dias está presa na minha garganta. Por que? Ele tem que me examinar e ver se eu sou boa o bastante? Por que eu tenho que me entregar a alguém que eu não amo como se eu fosse mais alguma mercadoria? Eu me sinto um produto à venda só esperando o comprador que está disposto a pagar mais. Mas eu não posso dizer isso, então eu apenas aceno com a cabeça e volto a brincar com os detalhes do meu vestido.

Eu te invejo, Cinderela. De verdade. Você tem o seu reino e o seu amor. Eu trocaria o meu reino só para ter o amor.

—Princesa Anne, a visita real das Ilhas do Sul acabou de chegar e todos esperam a senhorita no Escritório Real. - Um dos meus servos veio me avisar. Ajeito meu vestido um pouco amassado e começo a sair de meu quarto. Encontrarei o maior comprador agora, o príncipe para quem fui vendida como um lote.

Assim que chego no escritório vejo todos me esperando. Olívia lança seu olhar de preocupação para mim e eu tento retribuí-lo com um de confiança, mas acredito que não consegui. Nos sentamos e tudo que todos faziam era conversar sobre assuntos do reino. Entendi, eu não sou a principal nem quando é o meu casamento.

—Anne, que tal mostrar o jardim para seu noivo? - No momento em que essa palavras saíram da boca do meu pai meu estômago virou. Eu só queria sumir. Não quero mostrar nada a ninguém. Prefiro voltar ao meu quarto e chorar até dormir tentando fingir que isso nunca aconteceu. Mas é claro que eu não diria isso.

—Claro, Majestade. - Entrelaço o braço ao do meu noivo e saímos.

—Anne, não é? - Pergunta assim que a porta fecha. Ótimo, ele não sabe nem o meu nome.

—Sim, Alteza. - Desvio o olhar do dele e encaro o chão enquanto andamos.

—Não precisa ser formal assim. - Sorri de lado parecendo um pouco constrangido - Eu sou o Nathan.

—Eu sei o seu nome, acabamos de ser apresentados. - Falo simplesmente.

—Verdade. - Comprime os lábios e coça a nuca. Ele realmente está nervoso? - É uma pena só poder conhecê-la agora, já faz um tempo que eu gostaria de ter vindo.

—E por que não veio? - Fiquei curiosa. Ele realmente queria ter vindo antes? Por que?

—Claro. Somos noivos, afinal. Por mais que eu não tenha gostado do jeito que as coisas foram feitas. - Chegamos nos portão que dá para o jardim, mas eu paro com a sua última frase.

—Como assim? Achei que não importava para você. Foi você que deu a proposta para os meus pais. - Cruzo os braços e ele me encara incrédulo.

—Eu? Você entendeu errado. Eu também sou herdeiro, mas continuo sendo o príncipe. Esse tipo de acordo só pode ser feito entre os reis. É verdade que eu queria te conhecer, eu tive tanta escolha nesse casamento quanto você, Anne. - Ele para em minha frente e eu olho para cima para encarar seus olhos.

Eu pensei tanto em mim que esqueci que tinha alguém exatamente na mesma situação que a minha.

—Eu só... - Desvio o olhar do dele para não chorar. Disciplina. Disciplina, Anne.

—Ei, olha para mim. - Ele puxa o meu rosto e eu o encaro com meus olhos marejados. - Eu não vim aqui para que você se sentisse pressionada. Muito pelo contrário, eu queria te conhecer. - Ele limpa uma lágrima que escorreu na minha bochecha. - Nós dois sabemos que não tivemos escolhas quanto ao que vai nos acontecer, mas eu quero tornar isso o melhor para eu e você.

—Obrigada, Nathan. - Sorri sinceramente. Agradeço mentalmente por ele ser o meu noivo e não um velho que estivesse pouco se lixando para mim.

—De nada, Anne. - Ele volta a entrelaçar o braço no meu e adentramos o jardim. - Você sabe o porquê de a gente ter vindo mais cedo?

—Vocês vão ficar aqui até o casamento, não é?

—Sim, e eu tenho um plano. - No mesmo momento em que ele diz isso, eu tropeço em umas pedrinhas e quase caio, felizmente ele segurou a minha cintura antes disso acontecer, mas o meu sapato saiu. Quando eu vou me abaixar para ajeitar, ele faz isso primeiro. - Você aceita ter encontros comigo, Alteza? - Estende a mão para mim depois de ajeitar o sapato e eu sorrio. Pego a sua mão e o puxo para cima.

—Eu adoraria. - Respondo e não consigo esconder o sorriso pelo romantismo demonstrado agora há pouco.

É, Cinderela. Parece que a minha inveja diminuiu um pouco.

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