Cap. 7

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Olho para minha imagem no espelho e fico completamente surpresa. Essa pessoa não sou eu. Pelo menos, ela é diferente de tudo com que eu sempre pareci. As calças jeans rasgadas no joelho junto com uma regata branca e uma jaqueta preta me fazem parecer uma adolescente comum. Não que isso seja ruim, mas eu não estou acostumada. Ethan me trouxe para um dos vestuários nos fundos do palácio e, de algum jeito, ele conseguiu roupas de gente comum para nós dois. Nesse momento, ele está do lado de fora me esperando já vestido e as dúvidas sobre eu estar fazendo algo totalmente errado começam a me corroer.

—Olívia, é para hoje, viu? - Ele bate na porta impaciente. Que idiota, não sabe que eu estou tendo a minha crise de identidade aqui? Acabo saindo do banheiro de cabeça baixa e chego mais perto dele depois de olhar freneticamente aos dois lados do corredor procurando quaisquer sinais de que seria pega no flagra. -Finalmente. O que foi? Se arrependeu?

—Não! - Apressei-me em dizer. Apesar de tudo, eu não estou arrependida. Ainda não. Levanto o rosto e vejo seu corpo em roupas comuns. Como ele consegue ficar bonito até mesmo assim? - Vamos logo. - Começo a andar em direção a saída até sentir o meu braço ser puxado e eu parar na mesma posição de anteriormente. - Ai, doeu.

—Desculpa, Alteza. Mas você não pode ir desse jeito. - Olho para a minha roupa e franzo o cenho. Ótimo, o que tem de errado agora? Ele levanta a mão e me vira de costas para ele, em questão de segundo o coque tão bem feito pelas minhas criadas tinha sumido, todos os grampos estavam no chão e meu cabelo caia graciosamente sobre meus ombros. Ethan me vira novamente para ele e olha nos meus olhos bem de perto. Perto até demais. - Ninguém usa esses penteados chiques lá fora. Vamos lá.

Saio do meu transe e começo a seguí-lo pelo corredor. Não sei ele, mas eu não sei caminho algum pelo qual poderíamos sair sem sermos percebidos. Nunca precisei saber. Acabamos chegando em uma espécie de cozinha, esse cômodo não é usado para fazer as refeições da família real e sim de alguns funcionários do palácio. Não é uma cozinha ruim, mas comparada com a principal ela é pouco demais. Não tem ninguém aqui, não sei a razão para isso também, talvez estivesse mais ocupados hoje. Tudo parece normal para mim até ver Ethan pular sobre um dos balcões e abrir uma pequena janela sobre ele, então me chama com a mão estendida e eu hesito por uns segundo até pega-lá e subir no mesmo balcão. Consigo ver as vantagens de uma calça agora, se eu estivesse de vestido isso seria bem mais complicado, sem falar que ele nunca passaria por essa janelinha. Saio primeiro por ela, o que foi uma péssima ideia porque a próxima coisa que vejo sou eu tropeçando em uns apoios e dando de cara com o chão. Tento me levantar rápido, mas consigo escutar claramente uma risada bem atrás de mim.

—Você fez algum curso para ser desastrada desse jeito? - Ele pula da janela aterrissando perfeitamente no chão como se já tivesse feito isso muitas vezes.

—Me dá um desconto, Ethan. É minha primeira vez, tá bom? - Cruzo os braços depois de tirar os resquícios de terra do meu rosto e ele riu mais um pouco antes de assentir com a cabeça. Olho em volta e percebo que estamos nos fundos do palácio, esse lugar só é usado para saída e chegada de mantimentos e, por isso, a segurança não é grande coisa. Talvez eu devesse falar com Anne sobre isso. - Vamos logo.

—Tá bom, estressadinha. - Ele estende a mão para mim e eu o encaro sem entender. - É para você segurar. - Como assim? Não é possível que ele quer que andemos de mãos dadas. - Olívia, presta atenção. Nós queremos passar despercebidos. O que pode ser mais comum que um casal de namorados passeando pela vila? - Ele pergunta e me encara. Ele está certo de novo. Engulo em seco e seguro a sua mão tentando não mostrar o quanto eu estou tímida em relação a isso. - Ótimo.

—Aonde vamos primeiro? - Pergunto em um sussurro enquanto passamos pelos últimos guardas que poderiam impedir nossa saída.

—Você vai conhecer seus súditos, Alteza. - Ele diz para mim piscando em seguida.

Tomamos um caminho alternativo do que eu sempre vou nas minhas saídas oficiais. Quando você está dentro de uma carruagem cercada de cavalos é necessário que o chão seja o mais perfeito possível para evitar possíveis deslizes que possam causar acidentes a família real. Mas agora, conosco andando nessa estrada de terra, consigo imaginar que talvez, só talvez, existam realmente muitas outras coisas do lado de fora que eu nunca tive conhecimento, com as quais eu nunca tive que me preocupar.

—Chegamos, Olívia. - Ethan para de andar e aponta para a vila a nossa frente. Eu estava tão imersa em meus pensamentos que nem percebi que tínhamos chegado ao nosso destino. Pelo que eu consigo ver estamos na área do comércio, tem barracas para todos os lados vendendo uma incrível variedade de coisas, desde sapatos estilo tamanco até anzóis para pescaria. Continuamos caminhando e ele me arrasta para uma barraca um pouco mais ao longe.

—Bom dia, Nancy. Está linda hoje. - Ele cumprimenta uma senhora que está atrás do balcão de madeira que retribui o elogio com um sorriso.

—Bom dia, Finn. Demorou para aparecer de novo. Você disse que voltaria logo. - Arqueia as sobrancelhas. Calma aí. Finn? Quem é Finn? Olho para ele com o cenho franzido e ele aperta minha mão como um sinal de que me explicaria depois. - Quem é essa moça bonita? - A senhora sorri para mim.

—Essa é a Lydia, minha namorada. - Ele solta a minha mão me deixando atônita por alguns segundos até ele envolver a minha cintura com o braço. Calma, Olívia. Aja com naturalidade.

—Muito prazer. - Estendo minha mão sobre o balcão e ela aperta me cumprimentando.

—O prazer é meu, flor. Você é muito linda, o Finn deu a sorte grande. - Deu um leve tapa no ombro do Ethan e o garoto ainda teve a coragem de fingir estar envergonhado. - Aqui, pra você. - Ela me estendeu uma flor vermelha que estava em um dos vasos por perto e colocou-a atrás da minha orelha. - Ficou ainda mais bela.

—Obrigada. De verdade. - Eu fiquei muito surpresa com o que acabou de me acontecer. Mesmo pensando muito, eu não consigo lembrar de ninguém, com exceção da minha família e da Kate, que já tenha feito um gesto tão pequeno, e ainda assim tão bonito, para mim sem ser por questões de hierarquia. Sejam os príncipes tentando conseguir um voto de confiança da minha parte ou os funcionários querendo ser reconhecidos, a razão sempre foi exclusivamente por eu ser a princesa de Camellia, e não por eu ser eu apenas. Pela primeira vez na vida, meus olhos ficaram marejados por causa de um ato que demorou segundos. E, pelo jeito, Ethan notou.

—Temos que ir, Nancy. Te vejo depois. - Ele diz já puxando a minha mão para o outro lado, um pouco mais isolado, da vila.

—Tá certo. Não suma, viu? - Gritou para nós dois e acenou. Eu quis acenar de volta, mas já estávamos bem longe.

—Eii, o que aconteceu? - Olha para mim parecendo preocupado.

—Nada, não. - Eu já tinha me acalmado e minhas lágrimas foram para dentro novamente - Por quê?

—Eu não acho que você está bem. Olha para mim. - Puxou meu queixo para cima com seu dedo indicador e eu dei um sorriso sem graça. - Não gostou de ter vindo? Se for isso, desculpa...

—Não é isso. - Interrompo-o e sorrio pela sua preocupação. - Na verdade, bem pelo contrário. Eu posso ter visto pouco, mas eu já adorei ter aceitado vir. - Olho diretamente para seus olhos e eles parecem mais tranquilizados - Obrigada, Ethan.

—De nada, princesa. Isso ficou bem em você mesmo. - Apontou para a flor atrás da minha orelha e eu sorrio, me sinto completamente bem até lembrar do que teríamos que fazer.

—Acho que vamos ter que voltar agora. - Falo cabisbaixa.

—Quem disse? - Pergunta divertido e eu arqueio as sobrancelhas.

—Ethan, não podemos ficar por muito mais tempo aqui fora. - Chuto uma pedrinha que relatava ao nosso lado demonstrando minha irritação por isso ser verdade. Não quero nem imaginar o que aconteceria se nos descobrissem.

—Relaxa, Olívia. - Coloca a mão no lado da minha cabeça e ajeita a flor me causando alguns arrepios. - Ainda tenho um lugar muito importante para te mostrar.

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