── Soube que um grande exército romano se aproxima das terras celtas – disse Morrigan com a voz imponente – Nossos guerreiros já começaram a marchar para o Oeste onde os dois exércitos devem se encontrar – ela deu uma parada brusca e olhou por cima do ombro – Espero que não fraqueje ao ver seus antigos irmãos.
── Não minha senhora – respondeu ele com a garganta seca – Não irei.
── Lembrarei-me disto, assim como me lembrarei dos seus feitos em vida e o recompensarei em sua morte. Afinal, amanhã poderá ser seu último dia neste mundo – ela arrumou seu capuz e voltou a andar.
Mérlin tomou um ar e agarrou firme o cordão com a pedra que seu mestre Aodh lhe havia dado.
── Me proteja mãe! Eu suplico!
Homens de diversos vilarejos estavam acampados em uma mata fechada. Os guerreiros da Bretanha com suas espadas limpas e afiadas. Os arqueiros da Ilha de Man treinavam atirando suas flechas em árvores mortas. Os druidas da Cornualha preparavam poções e conjuravam feitiços de proteção sobre os guerreiros. Homens e mulheres das terras de Gales e do sul da Irlanda também se encontravam no acampamento.
── Ei, você! Pare aí mesmo – era um dos cavaleiros do reino da Bretanha – Quem é você?
── O que está acontecendo minha senhora? – gaguejou Mérlin com o suor escorrendo pelo seu pescoço – Diga a eles que estou com a senhora.
── Meu jovem. Eles não podem me ver. Só você! Que é um ser evoluído espiritualmente.
── E como eu vou...
── Vamos seu espião! – gritou o cavaleiro empunhando sua espada – Responda a minha pergunta!
── Minha senhora, por fav...
Subitamente Mérlin se encontrava no chão. A bota com lama do homem da Bretanha empurrava o pescoço do jovem com força o esganando. Mérlin tentava proferir algumas palavras, mas nada saia além de uns murmúrios inaudíveis.
── Como? Perdão, não estou escutando – disse o homem com uma gargalhada. Em seguida ele retirou a bota do pescoço do jovem que estava avermelhado e sujo de lama – Vamos, me diga quem é e o que faz aqui?
── Me chamo Mérlin – disse ele com dificuldade – Morrigan, a deusa, me enviou.
── Morrigan? – e mais uma gargalhada. Os outros homens se juntaram ao cavaleiro para zombarem do pobre Mérlin – Não conseguiu uma desculpa melhor?
── Eu digo a verdade meu senhor – respondeu ele depois de uma tosse – Ela me enviou para ajudar na guerra contras os romanos. Sem a minha ajuda não conseguirão vencer.
── Quanta insolência seu moleque! – gritou ele encostando a ponta da sua espada na barriga de Mérlin.
── Digo a verdade! – gritou Mérlin como se suplicasse por sua vida – Ela está aqui comigo! Agora!
── Mentiroso! – gritou uma mulher.
── Está bêbado – concluiu um arqueiro.
── Que a deusa tenha misericórdia desta pobre alma – analisou um druida dos campos de bétula.
Mérlin olhou para a deusa. Os olhos marejados e os lábios tão secos quanto o trigo moído. A deusa deixou um sorriso escapar e acenou com a cabeça, como se dissesse "Fique calmo. Irei ajudá-lo".
── Eu tenho como provar! – disse ele com os lábios trêmulos e engolindo a seco.
── Provar? – indagou o cavaleiro – Está ficando melhor do que pensei. Então vamos Mérlin, o enviado da deusa. Prove-nos.
── A deusa irá pousar em seu ombro em forma de corvo – disse ele com a voz trêmula.
── É mesmo? – perguntou ele com escárnio – E quando será isso?
── Agora mesmo!
Um corvo com as penas tão escuras quanto à noite apareceu no céu. Deu algumas voltas por cima da legião de homens e com delicadeza pousou no ombro do cavaleiro que não se impressionou muito.
── Muito bem – disse ele batendo palmas – Um belo truque de feitiçaria. Não me convenceu ainda.
Mérlin olhou para a deusa. Os olhos do corvo brilharam como se dissesse algo. Um semblante de pavor tomou conta do jovem.
── A deusa disse que por sua incredulidade irá arrancar um de seus olhos.
── Como que é?
O corvo virou o pescoço e com uma única bicada arrancou o olho direito do cavaleiro. Com gritos de dor e sangue escorrendo pelo seu rosto o homem cambaleou para o lado praguejando: "Maldito. Matem o feiticeiro". Um vento soprou e um temor pôde ser sentido. Uma voz cortou o silêncio aterrador: "Maldito seja você Ethain das terras da Bretanha que duvidou e segregou meu servo. Que de hoje em diante você não precise mais ver para crer em qualquer servo meu. Aos outros, escutem o que Mérlin diz. Pois ele é a chave para a vitória".
Os homens ficaram parados olhando perplexos para o jovem Mérlin. O cordão do jovem brilhou e ele sentiu um calor em seu coração. Os homens fizeram uma reverência curta e ofereceram suas armas e escudos. Mérlin olhou para a deusa e sorriu. Voltou seu olhar para os guerreiros e com a voz cheia de vigor exclamou:
── Senhores... Vamos a Guerra!
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Os Contos Celtas: Morrigan (REVISÃO)
FantasyAs árvores são tão antigas quanto às lendas deste mundo. E são nas árvores dos bosques da Irlanda que estão guardados os contos mais belos. Houve uma época em que os seres humanos viviam como as árvores. 800 anos de vida ou mais... E este conto é so...