Um estranho no caminho

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O inverno havia chegado. O verde do gramado desaparecera assim como o calor radiante do deus sol. O solo estava tão branco quanto às nuvens daquele céu nublado. Uma brisa congelante soprava entre as árvores adormecidas. Os esquilos estavam dentro de suas tocas. Os pássaros migraram para o leste. Apenas as raposas e os lobos se arriscavam no frio do inverno, na esperança de encontrarem alimento. O que era algo muito difícil de encontrar. Mas parecia que aquela loba alimentaria os seus filhotes naquela manhã gélida.

Um corpo no chão e uma poça de sangue eram o convite para um lobo, ou qualquer animal sedento por um pouco de carne fresca. O homem estava desmaiado. A pele estava pálida assim como os lábios. Os fios de cabelo escuro agora se escondiam sobre os flocos de neve. Em sua perna uma atadura inibia a ferida de uma flecha encravada. Arranhões e cortes em seu rosto sugeriam algum tipo de resistência ou luta. A loba desceu solenemente a pequena colina. Analisava a distância a sua presa. Precisava ter certeza que seu alimento estava de fato morto. Não podia arriscar uma possível reviravolta. Um contra-ataque que a transformaria de caçadora em caça. Ela se aproximou e farejou o ar. Sentiu o cheiro do homem. Ele estava fresco. Era um dia de sorte pra ela e seus filhotes.

Uma ventania soprou. E um silêncio perturbador pairou naquela região. Uma mulher de vestes longas e escura surgiu de repente. Morrigan não avisa quando chega. Assim é a morte. Ela é silenciosa e sorrateira. Você pode estar rindo, se divertindo com seus amigos e Morrigan aparecer na roda e te tocar. Adeus. Ou você pode estar caminhando belo bosque feliz, em um dia ensolarado e a deusa segurar em sua mão, e juntos você vão para o Outro Mundo. E ali estava ela para levar mais uma vida.

A deusa parou perto do homem e se abaixando retirou com cuidado o cabelo escuro que cobria seu rosto. A deusa se espantou ao ver de perto o rosto do homem. Seus traços faciais, suas roupas, seu cheiro... Ela conhecia muito bem. Era um romano. Um filho de Atena. Um calor tomou conta de Morrigan. Seus olhos pareciam chamas e seus lábios estavam pressionados com força.

── Senhora Loba, faça o que veio fazer – disse Morrigan se levantando – este homem não merece viver!

O animal avançou e abocanhando a perna direita do homem balançou de um lado para o outro. Pressionou bem seus dentes na perna do homem e o puxou. O romano despertou com a pressão e lançou um grito que ecoou entre as árvores esbranquiçadas pela neve. Com dificuldade ele se contorcia enquanto o animal o puxava com mais força. Esforçava-se, ao se arrastar para alcançar um galho que estava perto. A loba era astuta e o puxou para a direção contrária.

── Socorro! Alguém me ajude, por favor! Por favor, minha deusa, me ajude! – implorara o homem enquanto lutava contra o animal.

── Atena não o escutará – disse Morrigan sentada em cima de uma árvore.

O romano se movia de um lado para o outro tentando escapar da fera. Numa tentativa de se agarrar em uma pedra ele se contorceu e seu olhar foi direcionado para a árvore onde Morrigan estava.

── Morrigan? – indagou ele assombrado.

A deusa se deslocou com uma velocidade extraordinária para perto do homem e levantou o seu rosto com seu cajado com crânio de um corvo.

── Como você me conhece Romano? E como pode me ver?

── Por favor! – implorou o homem – Me ajude minha senhora.

── Responda as minhas perguntas – ordenou ela.

── E como não a conheceria? – disse ele gemendo de dor – Sou um servo da Deusa.

── Nada tenho a ver com você e suas deusas romanas – respondeu ela empurrando seu cajado com força contra seu pescoço.

── Não falo destas, mas da Deusa! A grande mãe! Cujo filho é o rei dos bosques! Eu sou um filho do céu estrelado. Dê-me de beber da sagrada fonte Morrigan.

── Mas quem é você? – indagou Morrigan com um semblante de curiosidade – Deixe-o! Ordenou ela à loba.

Mas ela não deu ouvidos e continuou a prender com força a perna do homem que gemia de dor.

── Disse para soltá-lo!

A loba continuava a ignorar.

── Basta! – disse Morrigan erguendo a mão com voz de autoridade. A loba se contorceu e sua vida foi tirada.

Morrigan tinha aparecido ali com um propósito... Ceifar uma vida. E foi o que aconteceu. Não importa se era a do romano ou a da loba. Uma das duas teria que ser sacrificada. A deusa se aproximou do homem e pisando na ferida de sua perna olhou fixamente para seu rosto. Seus olhos eram tão azuis quanto o da fonte sagrada.

── Agora me diga quem você é!

Os Contos Celtas: Morrigan (REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora