A verdade

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  Keno e eu dormimos juntos naquela noite, ele havia preparado um jantar e roupas novas para mim. Acordei no meio da madrugada e não consegui mais dormir, com cuidado para não acordar Keno me levantei da cama e comecei a andar pela caverna.

 Já não me lembrava mais de quanto tempo estivera ali, e também não sentia mais tanto a falta de minha vida na vila. Agora eu já podia chamar aquele lugar de lar e a pesar de tudo eu já amava Keno. Ele havia me ensinado algumas magias, encantamentos e a como me comportar com demônios, em troca eu lhe ensinara como era ser humano e o que eram eram sentimentos bons, alegria, amor, desejo...

  Eu não podia imaginar como seria minha vida sem ele, mesmo com seu jeito bruto e indelicado eu o amava e sabia (mesmo que ele não demonstrasse) que ele me amava também .

  Passando pelo meu antigo quarto pude ver Gregório dormindo em sua forma de gato, deitado no colchão onde eu dormia. Aquele quarto me trazia lembranças boas e ruins, como a época em que Keno tinha medo que eu escapasse e contasse a todos quem ele era e onde vivia e por isso me mantinha acorrentada, mas, também quando conheci Gregório sem saber que na verdade era um homem. Então percebi que com Keno sempre seria assim, lembranças boas e ruins me rodeando o tempo todo, extremos de felicidade e agonia se alternando para sempre, pois, mesmo sendo feliz ao lado dele eu nunca esqueceria por completo das pessoas que eu amava, mas nunca mais poderia tê-las.

  Passei então pela sala de jantar no começo da caverna, aquele lugar foi onde jantamos e conversamos antes de nossa primeira noite juntos, Keno, apesar de bruto sabia ser muito gentil, sempre cuidava para me agradar, mesmo que as vezes não desse muito certo.

 Saí da caverna, me sentei onde havia sido minha primeira aula de magia onde eu havia visto o espírito da minha mãe. Aquele lugar era calmo e me trazia paz.

  Já estava amanhecendo, eu podia ver o início do nascer do sol.

  Ouvi passos vindo da caverna e vi Keno saindo para fora, seus cabelos estavam bagunçados e sua roupa amassada,seus olhos apertados e expressão sonolenta.

  — O que está fazendo aqui fora? — Perguntou bocejando.

  — Não consegui dormi mais, só vim respirar um pouco.

  Ele se sentou ao meu lado e pegou uma de minhas mãos.

  — Preciso  de contar uma coisa...

  — Pode falar. — Respondi curiosa, ele parecia se sentir culpado por alguma coisa.

  — O seu pai se seu irmão... Eles mentiram para você.

  — O quê? 

  — Eles disseram que estavam indo visitar um tio que estava doente ou algo assim não foi? 

  — Sim... mas...

  — Era mentira... há  muitos anos , muito antes de erguerem as cerca da montanha, um grupo de homens subiu até aqui e descobriram que haviam criaturas fantásticas vivendo na floresta, mas como eu não saia da caverna não fui notado... 

  — Mas... o que meu pai tem a ver com isso? 

  — Esses homens começaram a escravizar o nosso povo, roubar os segredos das fadas e dos Gblins para viver por mais tempo, aprender magias... Até então eu não intervi, não queria me meter nesse tipo de confusão mas oferecia abrigo às criaturas que me pediam. Até que em uma noite que os homens subiam para caçar as fadas os roubar as joias dos goblins uma grande tempestade começou e eles vieram se esconder na minha caverna... Quando me viram tentaram me atacar, eu matei a maioria... mas alguns conseguiram escapar... esta cicatriz... — Ele tocou a cicatriz que começava na bochecha e acabava em meio a barba — Foi o seu pai quem fez... ele estava no meio daquele grupo.

   Era terrível pensar que meu pai havia feito tudo isso, escravizado criaturas mágicas, atacado Keno sendo que o invasor era ele ... mas eu precisava saber o resto.

 — Continue...

  — Os que sobreviveram criaram a cerca para que ninguém subisse, mas eu desci, fui atrás de cada um dos homens que invadiram a floresta, e os que achei tiveram o mesmo fim que os que ficaram na caverna, exceto dois, um já tinha uma certa idade e estava cuidando da esposa doente, achei que seria um castigo maior deixá-lo viver com aquilo. E o segundo, no dia em que olhei pela janela o vi com um menino pequeno e uma recém nascida nos braços, geralmente eu não exitaria em matar todos mas não consegui... Eu entrei na casa me passando por um viajante em busca de água... quando seu pai se virou eu te peguei no colo...você me olhou nos olhos e eu tive certeza de que não deveria matá-la... você tinha os olhos do Rei. Só então eu percebi que eles não me encontraram por acaso, eles estavam caçando o Rei e todos os demônios que pudessem pois a sua mãe havia gerado uma criança ele, e por isso ela foi queimada.

  — Não, ela morreu de uma doença... — Eu já estava chorando a esse ponto.

  — Isso foi o que te disseram. Seu pai te escondeu na casa de um parente para que te matassem também, mas como todos que sabiam a verdade morreram e o que sobreviveu era tido como louco ele pode te criar em paz, mesmo não sendo filha dele. Depois daquele dia seu pai tentou recrutar pessoas para subirem mas nunca tiveram sucesso, até que esse ano ele resolveu subir sozinho com seu irmão e o outro sobrevivente. Eu os prendi aqui pois queria achar você, você era necessária, só que ao te encontrar eu me apaixonei, eu não te entreguei ao Rei e certamente enfrentarei a fúria dele...

   — O que aconteceu com eles?

  — Eles fugiram enquanto eu saia para te procurar, devem estar muito longe agora. Estou te contando isso porque sei que eles irão voltar, tenho certeza disso.

  Nós conversamos por muito tempo, ele me disse que sua missão seria me levar ao meu verdadeiro pai mas que não queria fazer isso pois não sabia o que fariam comigo. Disse também que eu deveria ter uma forma de demônio mas que ainda não havia se manifestado.  Tudo isso era muito estranho mas Keno não tinha nenhum motivo para inventar aquilo tudo.

  Nós entramos na caverna, minha cabeça doía muito e eu estava tão exausta de tanto chorar que adormeci logo em seguida, foi quando me veio outro pesadelo.

  Eu estava envolta nas mãos do Rei, aquele demônio da minha visão, ele me encarava feliz.

  — Finalmente, minha linhagem continuará minha filha.

  — O quê? Eu não sou um demônio! 

  — Ainda não... Mas a criança que carrega em seu ventre é.

  — Criança? Eu... Eu...

  — Está grávida...É uma pena que seja de Keno mas pelo menos não é humano. Você, minha filha, assumirá meu trono em breve,meus dias estão se acabando e são você e o seu bebê quem assumirão o meu lugar, basta você assumir sua verdadeira forma.

  — Eu não sei como... — POr algum motivo eu não sentia medo ele.

  — A morte trará é a resposta, você vai ver. — Ele abriu as mãos me deixando cair.


 Acordei pouco antes de tocar o chão.

     



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⏰ Última atualização: Oct 02, 2018 ⏰

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