Primeira lição

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  Acordei morrendo de dor de cabeça, minha visão estava embaçada e eu sentia muitos enjoos . Sentei-me na cama e só então percebi que de fato estava em uma cama, aquele lugar não era meu "quarto", mas sim um lugar bem mais organizado, haviam velas espalhadas por todo o quarto assim como no meu, mas a cama não era um simples colchão de palha, mas tinha o dobro do tamanho e se encontrava sobre uma pedra com a superfície lisa, o que me fez pensar como alguém poderia tê-la deixado assim tão  reta. Sobre mim estava uma manta de lã preta, o resto do quarto era ainda mais assustador que o meu, na parede à minha frente havia uma exposição macabra de marcas me mãos feitas com sangue, estremeci ao ver aquilo, talvez fossem dos antigos aprendizes de Keno... ou de suas vítimas.

  Olhei para o lado e vi que o demônio dormia ao meu lado na cama, roncando alto, tive medo ao pensar no  por quê de eu estar ali, se bem que  a aquela altura já não me importava com quase nada. 

   Levantei e saí da cama, me dirigi à parede marcada para observá-la de perto. As marcas pareciam ser todas de mãos masculinas pois eram maiores que as minhas que não eram pequenas. Coloquei minha mão direita sobre a parede junto às marcas, por um momento pensei se as próximas marcas seriam minhas. Comecei a contar as marcas mas eram muitas, e algumas tão apagadas que não se podia distinguir umas das outras, depois de olhar para aquela sena macabra por um bom tempo percebi que não ouvia mais o ronco de Keno.

  — Gostou ? — Perguntou uma voz atrás de mim.

  — Eu... — Eu me virei para encara-lo — De quem elas são?

 — Dos meus antigos aprendizes — Ele sorriu — Não se preocupe, você também fará a sua...

— Como... como assim? 

  — Ei, não vou te machucar — Disse colocando meus longos cabelos pretos e ondulados para trás da orelha. — É só um corte na palma da mão, aí você espalha o sangue por toda a palma — Disse fazendo gesto para demostrar — Aí é só deixar a marca.

   — E quando será isso?

   — Na noite em que terminarmos seu aprendizado.

  — Como sabe se é dia ou noite aqui dentro? Não dá para ver a luz do sol...

  — Eu sei de tudo por aqui — Respondeu com um sorriso assustador.

  Keno me levou vendada de volta ao meu quarto, eu ainda não havia entendido o motivo de ter dormido no quarto dele mas também tinha medo da resposta.  Fique na companhia do gatinho o resto do dia, ele gostava de deitar sobre o meu peito quando eu estava deitada na cama, fazer carinho nele era a única coisa que eu tinha para fazer.

   — O que faz aqui? — Pergunte sem esperar resposta, não entendia o por quê de um gato viver ali, uma caverna sem luz, sem pássaros para caçar , e com a única companhia sendo um demônio. 

  — Ele foi um pagamento — Disse Keno parado na entrada — Vim trazer o seu material de estudo  — Ele tirou um pequeno livro de couro de dentro do casaco  — Você deve anotar tudo o que aprender aqui.

   Ele andou até o colchão e estendeu a mão para me ajudar a levantar, o Gato pulou de cima do meu peito e deitou no colchão, peguei a mão de Keno e me levantei e o segui, desta vez ele não me vendou, e nem seria necessário, o caminho era tão escuro que eu não via nada, andei o caminho todo de mão dada com Keno para não me perder, ele parecia enxergar no escuro ou decorara o caminho. Ele não dizia nada o caminho todo mesmo eu perguntando onde iriamos e o que faríamos. Caminhamos um bom tempo até que chegamos novamente na entrada da caverna, a fogueira estava apagada e haviam cinzas espalhadas pelo chão, mas  o que me deixou realmente feliz foi ver a luz do sol novamente, já era tarde, quase por do sol mas era bom ver a luz novamente mesmo que por pouco tempo.

   — Venha! — Chamou Keno do lado de fora da caverna. Eu o obedeci, caminhei até o lado de fora e ele me indicou uma pedra para me sentar. — Agora começamos seus ensinamentos, você precisa esvaziar sua mente para que os espíritos possam ouvir seu chamado.

   — Como assim? Que espíritos?

   — Espíritos dos mortos, da natureza ou espíritos malignos  — Ele fez uma pausa — Vamos começar com um espírito de um morto, mas tem que ser recente, com menos de dez anos de morte, com mais do que isso é muito difícil.  Feche os olhos  — Eu obedeci — Agora esvazie sua mente, deixe todos os pensamentos para trás. Lembre-se, se um espírito for invocado sem que sua mente esteja completamente limpa, ele saberá tudo que você está pensando.

  Era difícil esvaziar a mente com tudo que estava acontecendo, tinha medo de ficar de olhos fechados perto de Keno ms fiz o melhor que pude, fiquei sentada ali por bastante tempo, fui tentando ignorar um pensamento de cada vez, comecei pelo meu pai e meu irmão, tentei ao máximo acreditar que eles estavam bem, em algum lugar seguro e aos pucos esse pensamento foi desaparecendo. Depois me concentrei em Keno, acho que este foi o mais difícil de resolver, ele estava à minha frente e eu sabia que seria punida caso fizesse algo de errado, mas tentei pensar que se ele quisesse me fazer mal já teria feito, levei muito tempo para me concentrar nisso mas acabei conseguindo, e todo o medo que eu sentia dele se foi. Os outros pensamentos foram fáceis de ignorar , eram coisas bobas, como a casa que deixara aberta, o casamento de Margareth , e algumas outras coisas banais.

   — Agora, foque todas as sua forças em alguém que já morreu. 

  Pensei na única morta que eu queria ver de novo, me concentrei e tudo  que me lembrava dela, seus cabelos longos, negros e cacheados, seus olhos verdes como os meus  e em sua pele clara, eu havia ficado muito parecida com ela ao longo dos anos. As memórias eram tão fortes que ela era quase real .

   — Repita comigo ... Excrucio venite...

    Excrucio  venite

    And me anima ...

    — And me anima

    — Mea Ut ex His in Terra Restra ...

    —  Mea Ut ex His in Terra Restra...

   — Deserta venire, et manifestabit concila haec maxime opto

   — Deserta venire, et manifestabit concila haec maxime opto — Ao terminar senti algo no meu ombro, algo frio mas não era sólido , Abri os olhos e lá estava ela , me observando com seus olhos quase transparentes, com uma das mãos em meus ombros , seu corpo era transparente, com cores muito claras e quase inexistentes .

   —  Mamãe! —  Ela parecia feliz em me ver.

    —  Você conseguiu, muito bem...

    —  Eu senti sua falta...

    —  Eu sei, também senti —  Sua voz era como um eco —  Mas não posso ficar por aqui muito tempo... preciso ir.

    —  Mãe... não... —  tentei impedir mas era tarde, ela já havia sumido. 

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