Capítulo 3

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Cheguei tarde, todos já foram embora. Exceto por Suárez, que ainda está terminando de arrumar sua mochila. Quando ele coloca os headphones no pescoço, prestes a sair, o seguro pelo cotovelo e o detenho. Ele sorri.

- Leo, gostou da preleção do professor?

Luis é um cara forte, imponente. Ninguém é capaz de enfrentá-lo, seja por seu porte físico, seja por seu temperamento conhecidamente briguento. Mas eu o tenho em outras bases, somos amigos e a mim ele não mete medo. Mesmo com esse jeito de lobo, quase ameaçador em sua feição fechada, além de barba, cabelos e olhos profundamente escuros. Lobo não, cão danado, como eu chamo.

Não passa de um bobo, mesmo parecendo ser tão malvado. Nesse momento, porém, tem algo estranho no jeito que ele fala, um tom acima da malícia habitual. Decido não me ater a isso. Sem soltar seu cotovelo, respondo sua pergunta com outra.

- Já virou melhor amigo do novato?

Nota que não solto seu braço, mas não dá indícios de querer se livrar do contato. Como se não tivesse medo, o que faz parte da brincadeira. Ele me encara e só consigo sustentar seu olhar por alguns segundos, mirando o chão e passando de incisivo para inseguro em apenas um instante.

Também isso é uma marca registrada minha. Ainda sinto o olhar de Suárez sob mim. É como se ele quisesse me escanear. Como se quisesse chegar à raiz das minhas intenções para além do que já sabe sobre mim.

Somos amigos há tantos anos, colegas que permanecem nesse time enquanto tudo nele muda a cada segundo. Por vezes, acho que somos, e para sempre seremos, os guardiões imutáveis dessa história. Tantos passaram, deixaram seu legado e foram embora. E a gente segue aqui, os cegos do castelo. Devorando cada novidade que aparece para mexer minimamente com a rotina. Nos alimentando de novos enredos que surgem esporadicamente para espantar o tédio de ser um time invencível.

E é janeiro, começo de ano, tudo ferve em novidades. Suavemente, afrouxo o toque da minha mão no braço do meu colega. Afrouxo, mas não largo. Seu headphone vaza a música que ele tinha escolhido para ouvir e já dado play. Julieta Venegas, se não me engano. Um romântico, o meu amigo Suárez.

- Ele já era meu amigo de antes daqui, você sabe muito bem. - Suárez por fim responde, apaziguador. - E é um cara muito simpático. Obviamente você também precisa fazer uma social e falar com ele o quanto antes. Antes que os treinos comecem para valer. Não acha?

Não acho. Quer dizer, acho, mas não gosto disso. Sei que Luis tem razão. Até pela minha posição no time, é minha obrigação ir lá falar com o novato Coutinho. Além disso, ele foi muito lisonjeiro para comigo em seu discurso de apresentação. No entanto, não consigo. Sinto meu corpo todo gelar só de imaginar a cena.

- Não quer falar com ele? - Luis insiste, diante do meu mutismo.

- O Coutinho é brasileiro - Ele continua, já abertamente sorrindo ao dizer o óbvio.

É claro que eu sei que ele é brasileiro. Esse é quase o maior problema dele. Sei muito bem que brasileiros são encrenca. Emocionalmente falando, ao menos.

- Eu sei que ele é brasileiro - Digo com raiva, finalmente abrindo a boca. Suárez ri. Complementa um "também" sussurrado, que eu mal consigo ler nos lábios dele. Ele é brasileiro também.

Brasileiro como o Neymar Jr, é isso o que Suárez quer dizer. Como o Neymar Jr, por quem você se apaixonou, teve um romance tórrido e quase morreu quando ele te deixou, isso também é o que Suárez quer dizer. Mas não diz nada, apenas me encara entre divertido e impaciente. Por algum motivo.

Assinto. Minha mão finalmente larga seu cotovelo. Sem dar por mim, termino o gesto com um carinho por seu braço, até a ponta dos dedos da sua mão. A culpa não é dele. Eu é que sou um maluco disfuncional, com um sério problema de fixação por brasileiros.

Ao menos foi isso que deu no teste que eu fiz no Buzzfeed: "Escolha entre essas 75 opções de sobremesas e te diremos qual país abriga o seu par romântico ideal".

Deu Brasil, você acredita?

- Quando eu tiver um tempo, vou lá me apresentar propriamente à ele - Digo de uma vez, tentando ajeitar as coisas e calibrar o ar para uma frequência que não mais me sufoque como agora.

Suárez não liga para mim. Aumenta o volume da música no seu celular, já pronto para ir embora.

- Isso é Julieta Venegas?

- Sim, meu amor - Ele brinca, me tomando nos braços e me fazendo dançar junto com ele. - Yo te quiero con limón y sal, Yo te quiero tal y como estás, No hace falta cambiarte nada. - Ele cantarola, girando comigo pelo salão vazio e nos fazendo gargalhar - Yo te quiero si vienes o si vas, Si subes y si bajas y no estás seguro de lo que sientes.

Dançamos mais um pouco, feito dois bobos. Ele me conduz pela cintura e deposita minha outra mão em seu peito. Vamos girando, cantarolando. A música acaba e ainda estamos rindo.

- Vai ser antes disso. - Suárez diz abruptamente, retomando a conversa com um sorriso malicioso.

- Como assim? - Novamente sinto o ar me faltar.

Luis me olha com carinho e coloca as duas mãos na minha cintura para falar, me olhando bem nos olhos, como se eu fosse uma criança com dificuldade de aprendizado.

- Leo, eu marquei um jantar para vocês hoje na sua casa. Para se conhecerem melhor. - Vendo que eu empalideço, Luis conclui, solícito, - Disse a ele que foi um convite seu, sei como é tímido. E não se preocupe, não vou te deixar sozinho nessa. Eu também irei. Seremos nós três.

Não sei dizer o que sinto. Mas posso garantir que não é algo que se suaviza mesmo com o gesto gentil de Suárez ao sair da sala, passando a mão no meu rosto e me beijando rapidamente a barba.

Por que ele está rindo quando o faz.

Mais Que Uma Paixão | LIVRO 02 | Messi & CoutinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora