Capítulo 4

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Eu sei dizer com precisão o momento exato em que Suárez mudou comigo. Até tal momento, até esse dia em especial, ele me tratava de outro jeito. E então, tudo mudou entre nós. De um jeito implícito e não-verbalizado, mas mudou.

Um cristal que se quebra e, remendado às pressas, já não é mais o que era antes.

Veja, sempre fomos amigos. Amigos de verdade. Confidentes. Sempre vi a minha relação com Luis como daquelas únicas certezas que se tem na vida, assim como a morte e os impostos.

E foi assim, e é assim, até hoje. Porém, as coisas mudaram sutilmente entre nós quando Luis descobriu um segredo meu que eu preferia que ele nunca tivesse tomado conhecimento.

Isso foi em algum ponto de 2017, ocasião em que meu coração se perdeu tanto que eu não achava mais saída. Eu havia sido amado e abandonado. Tudo em que acreditei havia sido tirado de mim do jeito mais torpe possível: sob o odioso véu da boa intenção acima de tudo.

Eu amei Neymar Jr. como se não o conhecesse. De fato, meu erro foi esse. Não errei em me apaixonar por ele, nem em viver esse amor. Disso não me arrependo. No entanto, falhei em imaginar para a nossa história um final diferente daquele que era impossível fugir. Menti para mim mesmo, acreditando que Neymar era diferente e que não tomaria as decisões que por fim tomou. Decisões que, inevitavelmente, selaram o nosso fim.

Durante toda sua trajetória no Barcelona, Neymar viveu um romance às escondidas comigo. E então, quando recebeu uma proposta boa o suficiente de outro clube, me deixou como se nunca tivéssemos tido nada, muito menos um futuro.

Hoje prefiro pensar que foi melhor assim. É o que me salva de enlouquecer, seja de ódio ou da saudade que sinto dele. Mas naqueles dias, assim que se confirmou que ele não voltaria e que o que tínhamos estava acabado, era difícil para mim manter dentro do meu peito esses sentimentos todos.

Você pode olhar para o Suárez e ver um cara malandro, esperto, inteligente até. Entre nós, sua ingenuidade disfarçada de sarcasmo sempre foi vista como um sinal indisfarçável de limitação intelectual. É verdade, eu e Ney sempre ríamos e dizíamos que Suárez era burro de não perceber, por todos esses anos, que tínhamos um caso.

Ele participava da nossa rotina diariamente e não era capaz de perceber as trocas de olhares, os gestos de carinho, as legendas amáveis no Instagram ou as recorrentes noites que eu e o brasileiro passávamos juntos em algum quarto de hotel. Não havia malicia em seu julgamento, Suárez jamais imaginaria se eu não dissesse. No entanto, eu fui burro e contei.

Veja, no final das contas eu é que era o asno da história.

Alguns pedidos de ajuda são mais uma corda que se laça no próprio pescoço pela mão dos outros. Quando me vi chorando pela enésima vez no vestiário, lamentando o fato de Ney ter terminado comigo e ido embora, eu já estava exausto. Eu precisava parar. Parar de sentir dó de mim, parar de sentir raiva. Quando Suárez entrou no vestiário e me viu chorando, nesse dia, eu decidi que o momento de recomeçar era aquele.

Ele correu para mim ao me ver aos prantos.

- O que foi, Leo? O que há, hein? Aconteceu algo com os meninos? - Fiz que não com a cabeça, indicando que meus filhos estavam bem. Me senti patético, enxugando as lágrimas. - O professor falou algo que não gostou?

Infelizmente, eu tenho mesmo essa fama de ser emotivo demais. Choro em campo, quando não vomito de nervoso, se algo não sai como quero. Isso acontece mais quando atuo pela Seleção Argentina, mas vocês sabem como é. A fama se mantém aonde quer que eu vá.

Quis dizer para Luis que não se preocupasse, que estava tudo bem. Que era só cansaço dos treinos ou qualquer coisa que o valha. No entanto, inesperadamente até para mim, comecei a despejar nele toda a minha tristeza.

Confessei, aos soluços, que estava triste por Neymar ter ido embora, por ter se afastado de mim. Disse que estava sentindo muita saudade, a ponto de querer desistir de tudo. Mas o choro era incontrolável demais para ser só isso. E mesmo alguém tão ingênuo como Luis pôde perceber. Lembro da sua postura mudar, abaixado em frente à mim, se afastou minimamente, ficando de pé.

- O que é isso? É o que estou pensando?

- Isso é isso. Ponto.

E então, ele colocou as mãos no rosto, lívido de espanto. Pude ver o quebra-cabeça se montar em velocidade acelerada na mente dele. E então, fez sentido. E não importava. Ele voltou a se abaixar, ficando com o rosto na altura dos meus olhos. Não disse mais nada, ou pelo menos assim me lembro.

Na verdade, ele disse algo, sim. "Ele não merece você", balbuciou, em um arremedo de abraço desajeitado, fazendo nós dois gargalharmos. Que tipo de comentário era aquele?

Meu Deus, as situações em que eu mesmo me coloco.

Desde então, Luis é o único que sabe desse meu segredo, além de Piqué, que me deu alguns conselhos sobre términos à época. A postura de Suárez foi digna. Não debochou dos meus sentimentos, não fez pouco caso da minha dor. Procurou me consolar e me motivar a esquecer essa relação e focar no meu trabalho.

Porém, ainda assim algo mudou entre nós. Sutilmente. Não sei explicar ao certo, mas sinto que Luis me vê de outra forma desde aquele dia.

Temos modos diferentes de encarar a vida, isso é fato. E acho que não há nada que eu possa fazer quanto à isso. Sei que Luis não tem essas inclinações pelo mesmo sexo, pelo contrário, é até um bocado homofóbico em algumas ocasiões. No entanto, posso confiar que seu respeito por mim prevalece.

Confiro meu relógio. Faltam poucos minutos até o horário que Luis marcou para o jantar na minha casa. Com Coutinho. Logo eles devem estar chegando.

Esse jantar, aliás, é um bom exemplo da natureza intempestiva do meu amigo. Marcar um evento na minha casa sem nem ao menos me consultar antes. Mas é o jeito dele e não posso fazer nada. Sem outra opção, senão me resignar, trato de me arrumar e avisar aos funcionários da casa que teremos convidados.

As situações em que me coloco...

Mais Que Uma Paixão | LIVRO 02 | Messi & CoutinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora