1 - Lar salgado

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- MARINA! - Janaína grita enquanto chacoalha a filha adormecida.

Marina acorda no susto, com a respiração ofegante e os batimentos cardíacos acelerados. Ela ainda está grogue com o pesadelo que teve há alguns minutos. Demora um instante para ela perceber que está dentro de um carro, com a mãe ao volante e a sua melhor amiga no banco traseiro.

Lorelei escora entre os bancos de Janaína e Marina, agitada:

- Amiga, achei que você estivesse se afogando. O que houve?

- Foi só um pesadelo... - Marina quer acreditar que aqueles braços verdes e a água que sentiu na sua própria pele sejam apenas partes de um sonho sem sentido e sombrio. Ela passa as mãos pelos braços para ter certeza de que estão secos.

Janaína, ainda tentando voltar a si, toma o volante entre as mãos, pisa no acelerador e volta a se concentrar na direção. Quando viu Marina se afogando e gemendo enquanto cochilava, deu uma freada brusca e parou no acostamento, quase batendo no carro que vinha logo atrás. E ainda teve que ouvir os berros do motorista traseiro de "Comprou a carteira, madame???" enquanto lhe ultrapassava.

Após meia hora de silêncio, as coisas parecem ter voltado ao normal. Marina se distrai olhando para a diversidade de plantas e flores que margeiam a serra de Taubaté. São lindos botões de quaresmeiras lilases rodeados de uma vegetação verde ao longo de todo caminho. No horizonte, ela avista a faixa de mar da cidade de Ubatuba. Aquela imagem azulada faz subir um estranho frio em sua espinha. O mesmo que sentiu enquanto se afogava no sonho. Ela afasta o mau pressentimento da mente, voltando sua atenção para Lorelei.

- Não vejo a hora de chegar. Tem um tempão que eu não vou à praia - Lorelei diz, empolgadíssima com os 15 dias de férias que estão por vir a partir de hoje.

Para Janaína e Marina, essa viagem não tem nada de empolgante. Janaína perdeu o emprego na multinacional em que trabalhava como contadora há dois anos e não conseguiu outro emprego que bancasse a vida que ela e a filha levavam em São Paulo. Para que a situação não piorasse, ela teve que tomar uma decisão a contragosto: voltar para a casa abandonada de seus pais na praia da Fortaleza, em Ubatuba, para tentar se reerguer.

Foram diversas suas tentativas para que não precisasse tomar essa decisão. Economizou daqui, arrumou um bico dali, mas algo mais forte do que ela a impedia de conseguir um novo emprego estável. Todas as experiências seguintes que passavam pelas suas mãos duravam três meses contados e ela acabava demitida. Janaína até tinha algumas suposições em sua cabeça, mas preferia acreditar que o seu problema se devia mais pela crise financeira mundial do que por alguma força espiritual oculta do universo.

Quando Janaína tomou essa decisão, Marina achou que era uma pegadinha, pois durante os seus dezessete anos, sua mãe nunca a deixara se aproximar do mar. A filha era obrigada a ficar de fora em todas as excursões da escola em que envolvessem passeios em praias.

Janaína nunca a proibia de ir para a cachoeira, acampamentos, trilhas, ou qualquer outra atividade mais radical. Mas quando a palavra praia era proferida dentro de casa, eram horas e horas de discussão até Marina se trancar no quarto aborrecida. A única coisa que Janaína dizia para Marina era que ela tinha alergia à água do mar, sem dar mais explicações. E agora, ir morar em uma casa na beira da praia era algo que tinha surpreendido Marina.

- Vamos fazer um luau para comemorar o seu aniversário, Marina? - pergunta Lorelei. O aniversário de dezoito anos de Marina será a dois dias.

Antes de responder, Marina olha insegura para a mãe e após Janaína balançar discretamente a cabeça positivamente, ela abre um sorriso.

- Eu vou adorar! - responde à amiga.

Começa a anoitecer na serra e Janaína continua em direção ao destino que ela foge há quase dezoito anos.

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