Quando Amelia finalmente conseguiu descer da árvore, seu vestido estava em trapos, de tanto se enroscar nos galhos. Eu achava que ela ia quebrar alguma das regras que impus, mas parecia obstinada, e obedeceu sem questionar.
— Rose — ela chamou-me, quando estávamos prestes a entrar na floresta, então olhei para trás e vi pavor em seus olhos — Está anoitecendo.
— Sim.
— Essa floresta é bem grande. Não vamos chegar em casa antes que papai e mamãe percebam. E a floresta à noite é perigosa.
— Não, ela não é. Sempre andei por aqui à noite. E Catherine e Geoffrey já estão acostumados.
Consegui encerrar o assunto. Diálogos longos, mesmo com minha irmã, me deixavam extremamente desconfortável, e muito, muito cansada.
Mas Amelia tinha medo do escuro... e quando tinha medo, ela falava. E não falava pouco.
— Sabe, eu realmente não acreditava que você fosse para a floresta. Achava que ia se encontrar com algum rapaz, ou algo assim.
— E se fosse? Você pretendia ficar entre mim e meu amante? — fiz a pergunta com um raro resquício de humor, mas acho que ela não entendeu.
— Eu só queria que você se abrisse para mim... acreditava que em algum momento você contaria. Não acreditei que passeava pela floresta à noite sozinha.
— Bem, lamento decepcioná-la. Não há rapazes aqui.
— Podemos voltar?
— Você está reclamando e me questionando. Quebrando duas regras de uma só vez.
— Mas essa floresta é ainda mais assustadora à noite...
Para mim, não tinha absolutamente nada de assustadora. Muito pelo contrário, ela era mais bela à noite, e ainda melhor sob a luz da lua cheia. Mas era perda de tempo tentar explicar isso a alguém como Amelia.
— Eu conheço essa floresta como a palma de minha mão — eu dizia — Não se preocupe, enquanto estiver comigo, estará segura.
Então ela se agarrou ao meu braço. Não foi bem o que quis dizer com "estar comigo".
— Amelia, fique calma. — eu disse — Não estou conseguindo andar com você agarrada a mim dessa forma.
— Para onde está nos levando?
— Para um lugar maravilhoso.
— Que lugar?
— Não posso contar. Você terá que ver.
Achei que ela ia me questionar, mas se manteve quieta.
Quanto mais perto chegávamos, mais as vozes dos meus ancestrais se intensificavam, e menos eu conseguia entender o que diziam.
— Falta muito?
— Só mais um pouco.
Então surge o primeiro sinal de que estávamos perto: a música celestial.
— Mas... isso é música? — Amelia questionou — De onde está vindo? Não parece música de igreja.
Eu não respondi, pois estava muito concentrada em nosso destino, e faltava muito pouco.
Era agora. Apenas um arbusto nos separava.
Mas antes, eu precisava falar com Amelia.
— Irmã — sempre a chamava assim quando tentava convencê-la a fazer algo que eu queria — Lembra quanto lhe disse para deixar seus preconceitos de lado?
— Que preconceito? Eu não tenho nenhum preconceito.
— Certo. E também disse para não contar nada a ninguém.
— Eu jurei que não contaria, não é mesmo? — ela sorriu — Ora, não se preocupe. Eu sou sua irmã! Acha mesmo que eu a trairia?
Eu não sabia responder essa pergunta, pois nunca confiei o bastante em alguém para chegar ao ponto de ser traída.
— O que tem atrás desse arbusto? — ela perguntou, ainda sorrindo — É um rapaz, não é?
Eu apenas suspirei. Essa minha irmã, por que era tão difícil de entender as coisas?
Então passamos pelo arbusto, mas nada havia além de uma clareira com um riacho que refletia a lua cheia.
Amelia olhou ao nosso redor por algum tempo, totalmente confusa.
— Já sei... isso é alguma brincadeira sua, não é? Diga-me, de onde vinha aquela música?
— Eles se esconderam.— concluí — Estão assustados, porque trouxe uma intrusa para cá. Mas é só verem que sou eu que eles perderão o medo.
Ela me olhou de forma enigmática por alguns instantes, e por fim perguntou:
— Eles? Quem são eles?
— O povo da floresta.
Ela tentou pôr a mão em minha testa como se quisesse ver se estava febril, mas eu a tirei.
— Você está me assustando, Rose.
— Você ouviu a música.
— Deve ter vindo da igreja.
— Você mesma reconheceu que não parecia música de igreja. Ainda assim, estamos muito distantes da igreja mais próxima.
— Certo. Então mostre-me seus amiguinhos.
— Não depende de mim. Depende de você. Eles já me conhecem. Para conquistar a confiança deles, deve agir como um deles.
— E como age o povo da floresta?
— Cante a música deles.
Ao contrário do que eu esperava, ela não fez mais nenhuma pergunta, apenas ficou me olhando, confusa.
— Apenas faça tudo o que eu fizer. — eu disse, e ela assentiu com a cabeça.
Então eu comecei a cantar.
— O que está fazendo? — perguntou.
— Não me questione. Apenas faça o que eu fizer.
Ela começou a cantar baixinho, e eu aumentei meu tom para que ela aumentasse também.
Abri os olhos e vi que Amelia ainda os mantinha fechados.
— Você deve ouvir a música, Amelia, e não somente cantá-la. Abra a sua mente, e o véu desaparecerá.
— Mas como... — ela ia abrir os olhos, mas eu a repreendi na hora.
— Não abra os olhos, enquanto não abrir a sua mente.
— Mas... para quê exatamente eu devo abrir a minha mente?
— Existem seres vivendo nessa floresta, Amelia. Todos os dias eu peço para que eles me mostrem o portal para o seu mundo, mas ainda não obtive sucesso.
— Eu só acredito vendo.
— Você só verá se acreditar. Precisa confiar em mim. Quantas vezes já menti para você?
Ela se manteve quieta por alguns instantes, e por fim disse:
— Vou confiar em você, Rose, mas não me decepcione. Quero muito que isso seja verdade.
Não esperava ouvir aquilo de uma carola como Amelia. Catherine e Geoffrey ficariam loucos se soubessem da existência de seres pagãos vivendo na floresta, denunciariam tudo para os padres e ordenariam a sua destruição. E Amelia queria vê-los. E ela iria vê-los.
— Só abra os olhos quando estiver pronta para ver.
Eu continuei a cantar, e ela me acompanhou. Mas ao longe eu podia sentir suas presenças.
Então abri meus olhos e os vi.
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Dançando no Ar
FantasyVale dos Corvos sempre fora um lugar exótico e afastado, por muito tempo guardado pelos seres encantados da floresta e pelos espíritos dos ancestrais dos Filhos de Danna. Adotada por uma família cristã, Rose foi a ultima pagã a nascer em Vale dos...