Capítulo XIV

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- O que foi aquilo? – perguntei, confusa, enquanto Keelan ainda me arrastava pelo braço.

- Aquilo o quê?

- Você fugiu do assunto e da moça da bancada, como se ela tivesse dito algo que não devesse ter dito.

- Róisin, esqueça isso. Ela apenas me confundiu com outra pessoa.

Eu sentia como se houvesse algo de errado, mas não conseguia me lembrar o que. Já fazia um tempo desde que eu começara a sentir um clarão em minha mente, que não permitia que me lembrasse de coisas básicas.

- Keelan... – comecei - tenho tido... alguns lapsos de memória. Você sabe o porquê disso?

Ele me lançou um daqueles olhares com brilho de ódio que só duravam um segundo, quase imperceptíveis, mas que eu sempre notava, e logo depois abriu um sorriso falso.

- Do que está falando? – ele perguntou, forçando uma risada.

- Tenho me esquecido de coisas básicas... Acho que pode ser algo nesse mundo.

- Talvez. Se for, tudo voltará ao normal quando retornar ao seu mundo.

- Mas... E se não for? E se for outra coisa?

- Como o que?

- Como... Você.

Dessa vez seu olhar de ódio não durou apenas um segundo e não foi nada imperceptível. Ele me segurou pelos ombros e olhou para o fundo da minha alma.

- Keelan... Está me assustando. Me largue.

- Róisin, apenas esqueça isso, certo? Esqueça. – ele disse, e de repente todas aquelas preocupações que eu tinha a um segundo atrás pareciam bobagem.

- Sim... Me desculpe. – disse eu.

- Está tudo bem. – ele me beijou de leve – Vamos.

- Você sabe onde fica o castelo real?

- Todos sabem onde fica o castelo real. Mas nem todos podem entrar.

- Então... Como entraremos?

- Não se preocupe com isso. Apenas confie em mim.

- Keelan... O que a realeza das fadas iria querer com meus irmãos?

- Eu não sei. Só espero que não estejam mal intencionados.

- É muito longe daqui?

- Um pouco. Mas podemos alugar um pégasos, e assim chegaremos em menos de uma hora.

Uma hora. Uma hora. Essas duas palavras me atingiram como uma pedrada na cabeça.

- Keelan... Você se lembrou de pegar minha ampulheta? – perguntei, esperançosa.

- Como assim? Você não lembrou?

- Temos que voltar e pegá-la!

- Não.

- Como assim, não?

- Não vamos perder mais tempo. – ele disse – Róisin, pense bem. No que aquela ampulheta lhe ajudou até agora? Claro, você fica sabendo quanto tempo se passou em seu mundo, mas nada pode fazer com essa informação.

- Isso... Faz sentido. Nunca pensei que diria isso, mas de repente tudo o que você diz parece fazer um sentido absurdo.

Ele sorriu e segurou a minha mão.

Há diversas feiras na cidade que vendem e alugam animais mágicos de todos os tipos, e em uma dessas conseguimos alugar o nosso pégasos, que, aliás, estava voando em uma altitude absurda.

- Há necessidade desse pégasos voar tão alto? – perguntei.

- Na verdade, ainda está muito baixo. A partir de agora, teremos que subir ainda mais.

- Porque?

- Você vai ver.

- Diga logo! Onde fica esse castelo?

- Está bem. O castelo real dos zombeteiros paira nas nuvens, num lugar que nenhum ser iluminado pode encontrar.

- Nas nuvens? É um castelo flutuante?

- Sim.

- Imagino que um castelo real seja bem protegido. Como entraremos lá?

- Não se preocupe com isso. Preciso apenas que não me faça perguntas, me obedeça e fique calada até chegarmos onde os seus irmãos estão. Não questione nada do que você perceber, por mais estranho que lhe pareça, está bem, Róisin?

- Está bem. – eu disse, impressionando a mim mesma com a rapidez na qual concordei com ele.

Voamos para além das nuvens, até que, um tempo depois, avistamos um monumento envolto em brumas.

- Chegamos. – disse Keelan – Lembra-se o que eu disse sobre ficar quieta? – eu fiz que sim com a cabeça – Então, esse é o momento. Você não dirá uma palavra até encontrar seus irmãos.

Mais uma vez, eu fiz que sim com a cabeça, e logo depois atravessamos as brumas por um período de tempo indefinido. Fazia muito frio e deixava minha visão totalmente branca, sendo que eu mal podia ver Keelan à minha frente. Muito tempo depois, avistamos um castelo de cristal. Era enorme e parecia ter mais andares do que eu conseguia contar. O portão era de ouro puro, e ele se abriu para nós. Uma fileira de guardas abriu caminho com suas lanças para que passássemos. Eu ia perguntar à Keelan o que significava aquilo, mas então lembrei que havia prometido ficar calada.

Keelan segurou minha mão e me guiou pelo castelo, e por onde quer que andássemos todos abriam caminho para nós. Começamos a subir vários lances de escadas que pareciam não ter fim, onde tapetes vermelhos cobriam as escadarias de cristal. Foi quando comecei a ouvir um leve bater de asas, um tilintar e um assovio, tudo ao mesmo tempo. Keelan não esboçou nenhuma reação, então supus que ele não pudesse ouvi-lo.

Uma voz infantil e estridente começou a cochichar em meu ouvido conforme caminhávamos, e eu senti cócegas.

"Não confie nele. Ele está te levando para uma armadilha." – dizia a voz.

Não acredito nisso – pensei, mas a voz continuou:

"Siga pela direção contrária e corra o mais rápido que puder, que irá encontrar o que procura".

Ela estava mentindo, tentando me ludibriar. Em quem eu confiaria: Em Keelan, que tem sido tão bom para mim, ou numa voz estranha em minha cabeça? Só precisava ignorá-la.

"Não me ignore, Rose." – ela dizia – "Não confie no zombeteiro. Ele não sabe o que é melhor para você. Confie em seus instintos."

Não. Keelan é meu único e verdadeiro amor. Devo obedecê-lo.

Espere aí... Devo obedecê-lo? De onde tirei isso?

Decidi olhar para o lado e ver de onde saía a voz, qual não foi a minha surpresa ao ver uma pixie envolta numa luz azul. Aquela parecia um vagalume, de tanto que brilhava.

- Mas... – eu ia dizer algo, mas então lembrei que prometi à Keelan que não diria nada. Aquele "mas", por mais baixo que tenha sido, chamou a atenção dele, e ele virou o olhar furioso para mim, avistou a pixie, a pegou com uma das mãos e a espremeu até ela virar um líquido azul e viscoso, e eu apenas assisti, horrorizada.

Meu único e verdadeiro amor? Não mesmo. Lembrei imediatamente das palavras ditas pela pixie. Corri na direção contrária o mais rápido que podia, o que me levou a outro lance de escadas que dessa vez dava não para mais escadas, mas sim para uma porta também de ouro puro. Comecei a esmurrar a porta desesperada até minhas mãos sangrarem, enquanto Keelan vinha em minha direção com fúria no olhar.

Quando estava perdendo as esperanças, cai sentada no chão e fechei os olhos enquanto esperava o golpe vir, mas o que na realidade aconteceu foi que senti a porta atrás de mim se abrindo e vários pares de braços me puxando para dentro e fechando a porta na cara de Keelan.

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