Capítulo IV

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O céu azul escuro começava a ganhar tons alaranjados. Estaria amanhecendo? Quanto tempo havia se passado? Por quanto tempo ficamos dançando no ar?

— Quero descer. — exigi.

— Só quando a música parar de tocar, então desceremos.

— E se nunca parar?

— Então ficaremos aqui para sempre.

Foi quando percebi que, distraída pela conversa daquele belo elfo, acabei perdendo minha irmã de vista.

— Onde está Amelia? — perguntei.

— Quem?

— Amelia! Minha irmã! A humana que veio comigo. Aquela alta, sardenta e com cabelos de fogo.

— Ah, deve estar por aí, se divertindo. Não se preocupe com ela.

Foi quando eu me lembrei:

— Vocês disseram que iam levá-la. 

— Nunca dissemos isso.

— Deixaram subentendido, quando disseram que ela podia visitar seu mundo.

— Quando ela quisesse, de sua livre vontade.

— E por que ela recusaria? Podem hipnotizá-la, ludibriá-la ou o que quer que seja. Leve-me à minha irmã agora.

—Só mais um pouco... A música está quase acabando.

— Agora! — eu gritei, e todos os casais que dançavam no ar olhavam para nós. Acho que consegui intimidá-lo.

Relutante, ele me pegou no colo e aterrissou.

— Satisfeita? — perguntou.

— Ainda não vejo a minha irmã.

— Isso não é comigo.

— Me ajude a procurá-la.

— Não mesmo. Isso é uma festa. Não vou desperdiçá-la procurando humanos. — dizia — Boa sorte.

Então ele puxou uma fada qualquer e começaram a dançar, e eu tive que procurar a minha irmã sozinha.

No centro da clareira, havia uma mesa que eu não sabia de onde saíra, com um suntuoso banquete de fadas, e lá havia um tumulto. Eu fui ver o que era.

Qual não foi minha surpresa ao ver minha irmã sendo servida por dezenas de fadas com bandejas nas mãos. E ela pegava tudo de uma só vez e comia feito uma esfomeada.

Minha irmã ingerindo comida de fadas. Isso não podia ser bom.

Eu saí empurrando as fadas para abrir caminho até Amelia. Felizmente, consegui chegar até ela e tocar seu braço, o que a fez parar de comer e olhar para mim.

Mas ela me olhava de forma estranha. Não consegui identificar aquele olhar.

— Ei, traga-me mais daqueles deliciosos bolinhos de chocolate. — ela me disse, apenas.

— Não, Amelia, chega de bolinhos. Vamos voltar para casa.

— Eu estou em casa.

— Não, não está. — eu tentei puxá-la, mas ela fez resistência e não saiu do lugar.

— Por que essa louca está me puxando? — ela perguntou para uma das fadas — Quem é essa humana?

— Eu não sei. — respondeu uma das fadas.

—Eu sou sua irmã!

—Oh, mais uma irmã! Não sabia que tinha tantas!

—Do que está falando?

—Todas somos irmãs. Você, humana, também pode ser. É só comer essa comida. — dizia Amelia.

— Você... Não se lembra de mim? — perguntei, já esperando pelo pior.

— Por acaso deveria?

E o pior aconteceu.

— Você precisa voltar para casa, Amelia. Seus pais ficarão preocupados. 

— Eu tenho pais? — ela perguntou para as fadas, e elas fizeram não com a cabeça.

— Elas estão mentindo! — exclamei.

— Por que mentiriam para mim? São minhas irmãs!

—Não, eu sou sua irmã! E elas estão mentindo porque querem sequestrá-la e levá-la para o mundo encantado!

— Não é sequestro se eu for de minha livre vontade. — disse, sorrindo.

— Não! Você não pode!

— Já está amanhecendo.— uma fada de cabelos cor-de-rosa avisou — Logo os sinos da igreja começam a tocar. Está na hora de irmos.

— Então, me levem com vocês! — eu disse.

— Se quiser ir conosco, terá de comer a nossa comida.

— Não farei isso. Sei bem que se o fizer, não poderei mais voltar.

— E quem iria querer voltar? — perguntou Amelia.

— Você está ludibriada, Amelia. Mas vamos achar um jeito de trazê-la de volta. Você só precisa vir comigo.

Uma fada então cochichou algo no ouvido de Amelia.

— Agora eu entendi — dizia ela, zangada —,  você quer que eu volte para um mundo onde eu sou tratada como inferior por ser mulher, onde o meu destino é servir de parideira para um homem qualquer. Bem, isso não vai acontecer. Adeus, minha suposta irmã.

— Você não vai a lugar algum! — eu gritei, mais um som conseguiu se sobressair.

Os sinos da igreja. Nunca detestei tanto aquele barulho. Era tão insuportavelmente alto, que eu podia ouvi-lo do fundo da floresta. Estava tão alto que eu tive que tapar os ouvidos com as mãos, o que me fez fechar os olhos por apenas um instante. Mas quando os abri, nem as fadas, nem minha irmã estavam lá. 

Dançando no ArOnde histórias criam vida. Descubra agora