É duro para uma criança. Mas hoje em dia acho que foi até melhor eu não tê-lo visto, por que acho que jamais conseguiria tirar aquela imagem da minha cabeça. Foi ali que a minha felicidade começou a se perder pelo caminho.
E eu sabia, eu senti na pele o quanto a falta de um pai pode causar na vida de uma criança. Mas pode dizer, e o seu padrasto? Aquilo era um monstro. E eu não queria pensar nele ou nas coisas horríveis e repugnantes que ele fazia.
Entrei no meu carro, um new beatle preto. Eu gostava dele. Era simples, pequeno e combinava perfeitamente comigo.
Uma das poucas coisas pelo qual eu fiz questão na minha vida.
Assim que cheguei ao estacionamento da universidade senti todos os olhares em volta de mim. Eu era um dos poucos alunos que não moravam no campus. Mas também, minha casa ficava próxima da universidade. E eu não iria dividir a minha privacidade com ninguém. Sob-hipótese alguma.
Eu já era taxada como aberração por motivos suficientes. Não daria a eles um motivo maior para falar de mim. Mas de qualquer forma, não que eu me importasse.
Eu abri caminho pelas pessoas ao meu redor, de cabeça baixa. Até sentir alguém puxar meu capuz.
- Dia lindo não?_ Berlinda perguntou debochada pra mim. Ela era uma loura insuportável que tinha todos a seus pés. Talvez por isso ela achasse que podia tratar todos do modo que bem entendesse.
- Não encosta em mim._ eu rosnei pra ela.
- Calma Portilla. Ainda faltam 3 anos para nos formarmos. Então vamos nos dar bem!_ ela sorriu de uma maneira tão falsa que me deixou enjoada.
Ela e sua turminha começaram a rir. Le parfait*, como eram conhecidos. Berlinda, a capitã das líderes de torcida da universidade. Tão burra quanto uma porta. Afinal de contas, porta não pensa. Berlinda também.
*significa "Os Perfeitos" em francês
Dulce Maria, modelo e capa de várias campanhas publicitárias. Você poderia ver seu rosto de botox estampado por toda a cidade.
Sam Kingsley, astro do time de futebol. Você não conseguiria ficar na mesma sala com ele sem estar pressionada contra a parede. O ego dele era grande demais, você tinha de dar espaço para ele se expandir.
E por ultimo, mas não menos importante e desprezível, Alex Campbell. Um idiota que as garotas ficam caindo a seus pés por acharem bonito. Sinceramente, não vi nada demais.
São eles que ditam tudo dentro da faculdade. E infelizmente, eu estudava aqui. Mas algo me confortava. Era saber que em qualquer lugar do mundo, sempre irá haver alguém como Le parfait.
Deixei-os pra trás. Embora eu soubesse que amanhã, ou até mesmo dependendo da minha sorte de não ser ainda neste dia, eles viriam de novo. Com esse mesmo papo, com uma brincadeira diferente.
Bando de filhos da puta. Qualquer dia desses, eu teria o prazer de ver desfigurado por mim, todo aquele rostinho lindo da berlinda.
Talvez ver o da Dulce também e perguntá-la quantas campanhas publicitárias ela irá fazer depois disso.
Não nego que me daria muito prazer tal ato.
- Anahi_ Maite me chamou Isso me fez lembrar que eu precisava me desculpar com Madson. Não foi justo o que fiz com ela. Mas eu não estava num bom dia e ela deveria ter me respeitado em primeiro lugar.
- Oi Maite._ respondi seca
- Tudo bem?_ ela perguntou animadamente
- Menos Mai. Por favor, toda essa alegria de manhã cedo me deixa doente._ cuspi.
- Quando seu humor vai melhor hein Anahi?_ escutei ela perguntar baixo após soltar o fôlego.
- Sinceramente não sei Mai._ respondi e entrei na sala.
Ela veio no meu encalço, estudava comigo, era minha parceira em todas as aulas.
Eu sabia que ela era uma boa pessoa, mas eu não era. Não uma pessoa digna de andar no meio dos outros. Às vezes nem sei se era certo estar na terra respirando.
- Bom dia._ O professor Banner entrou dizendo._ Hoje teremos mais um trabalho com seus parceiros._ ele anunciou
Chiei. Isso só podia ser brincadeira. Eu odiava essa parte. Isso significava ter que passar mais tempo ao lado dos outros.
- Ah, e vocês irão apresentá-los._ ele completou.
Agora sim eu estava perdida. Eu tinha sérios problemas com apresentações na frente dos outros.
- Está tudo bem Anahí. Vai dar tudo certo._ Mai disse ao olhar meu rosto.
Não respondi. Estava mais preocupada com resolver os problemas que tinha pela frente.
- Porque você perde tempo com ela?_ eu escutei Ben Chesney que sentava na bancada detrás perguntar baixinho.
- Porque ela é minha amiga._ Mai respondeu.
- Porque ela é a única que sente pena da aberração._ eu falei seca pra ele que provavelmente achava que eu não havia escutado o que ele tinha dito.
Voltei pra casa, que estava silenciosamente vazia. Não era normal estar assim.
Já bastava ontem. Mas de qualquer forma me senti reconfortada com isso. Era exatamente o que eu precisava de silêncio e tranquilidade. Eu poderia voltar a escrever.
Antes eu sonhava em publicar um livro, ser uma escritora famosa. Mas hoje em dia, me contento com o simples fato de escrever. Ninguém vai ler o que eu escrevo. Porque eu não quero. Não mais.
Fui pra cozinha, abri a geladeira. Bebi um pouco de leite. A verdade é que estava com muita preguiça de fazer qualquer coisa pra mim. Estava tão distraída que não vi a figura parada ali me observando.
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UNTOUCHED
RomanceAlguém sem muitas expectativas na vida, sem ambição, sem amor próprio. Destinada a viver as mesmas experiências em um eterno deja vú, Ela precisava encontrar seu caminho, suas esperanças e sonhos novamente. Mas ela se sentia capaz? O destino coloca...