Capítulo 10

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– Não seja intrometido._ chamei a sua atenção.

– Qual o problema com não querer que os outros vejam o que você escreve? O pouco que eu vi me fascinou muito. Com certeza é impressionante._ ele afirmou com convicção. Eu até achei que ele podia estar tirando sarro de mim, mas a sua expressão era séria demais.

- Não interessa!_ fui firme._ Vamos nos concentrar no trabalho!

– Você não abre uma brecha de jeito nenhum não é?_ pode ter sido somente minha impressão, mas a voz dele saiu um pouco desanimada.

– Porque você quer uma brecha? O que você tem a ganhar com isso? Você nem me conhece!

– É aí onde está o problema Anahí. Eu quero te conhecer, mas você não permite._ ele acusou com um tom sério que me fez. sobressaltar.

– E porque eu deveria permitir?_ perguntei ultrajada.

– Porque você é sozinha. Ninguém é feliz sozinho._ ele afirmou

– Nunca disse que eu era feliz._ falei sem pensar e me arrependi no mesmo instante que proferi as palavras. Levei minhas mãos a meus lábios num gesto instintivo. Que merda.

Eu olhei pra Alfonso temendo a expressão dele, e embora os olhos permanecessem interrogativos, as linhas do seu rosto pareciam mais suaves e ele deu um sorriso triste.

– É exatamente por isso que você deveria deixar os outros entrarem na sua vida._ ele apontou.

– Você é graduado em Psicologia por acaso?_ fui novamente ácida.

– Não sou graduado em Psicologia Anahi, mas também não preciso ser para perceber que os tons jocosos que você utiliza servem como uma armadura. Eu só não sei se você se protege dos outros ou de si mesma.

Eu fiquei calada. Minha respiração estava irregular e eu queria ignorar o fato dele me afetar como ele estava fazendo agora. Porque parecia que diante dele eu ficava mais sensível? Parecia que diante dele eu falava as coisas que eu não dizia de jeito algum as outras pessoas. Eu desviei meu olhar do dele e abri ruidosamente um dos imensos livros.

–Eu acho que poderíamos fazer algo relacionado ao trabalho de Emily Bronte.

*Emily Bronte, escritora e poetisa britânica. Autora do romance "O morro dos ventos uivantes"*

Quando levantei meu olhar de novo, ele me encarava incrédulo. Ele chegou a balançar a cabeça na minha frente. Encarou-me mais uma vez firmemente antes de pegar o livro de minhas mãos e dar uma rápida olhada no material acerca de Emily Bronte.

-Por mim não falávamos dela. Embora goste de "O morro dos ventos uivantes", essa é a única prosa que ela tem. Ele pontuou_ E a propósito, mudar de assunto do jeito que você fez é terrível. Pelo menos olhe pra mim e diga que não vai responder.

Eu ignorei o que ele havia dito sobre mim. Não tenho obrigação de dizer absolutamente nada a ele. Mas talvez ele estivesse certo. O trabalho sobre Bronte seria limitado. E eu gostava de fazer meus trabalhos bem feitos. E uma vez que fazia Literatura, não poderia ser um trabalho de colegial.

- Então o que você sugere para o trabalho?

– Poderíamos seguir na linha dos romances.

Eu particularmente gosto dos poemas de Byron*.

[*Lord Byron, destacado poeta britânico e uma das figuras mais influentes do Romantismo.*

– Se falaremos de poemas, poderíamos muito bem citar os poemas de Bronte._eu bati o pé.

Ignorei a careta que Alfonso fez. Aparentemente ele não gostava da autora. Então respirei fundo e citei um trecho de um dos poemas dela, um dos que mais gosto chamado "Recordação"

– Que luz brilhou no meu azul celeste,

Ou nova aurora pra mim raiou?

O bem da vida é o bem que tu me deste,

E o bem da vida em ti se consumou!

Ele sorriu abertamente pra mim, e os olhos dele brilhavam. Repreendi a mim mesma por notar essas coisas. Ele se endireitou. Oh não! Eu sabia o que ele ia fazer. Ele iria recitar também.

– Quando escutares meu arranco extremo,

Quando a agonia no arquejo supremo

No triste coração a voz me corte,

Dos meus olhos lerás na luz serena

Que uma dor que a virtude não condena,

Somente pôde me arrancar à morte.

Concede então à minha cinza fria

O que sempre na vida eu te pedia,

Como piedoso e último favor:

— Uma lágrima só! A derradeira...

A recompensa única... e primeira

Do meu fatal e malogrado amor.

Eu reconheci quase que instantaneamente que ele começou a falar. "Uma só lágrima" de Lord Byron. Ele recitava o poema de tal maneira que ele transmitia a angústia do autor ao proferir cada verso. Ele passava a emoção.

Eu fiquei parada apenas olhando pra ele. Essa disputa mal havia começado e eu com certeza já havia perdido, porque depois da minha falta de palavras ele próprio sabia que tinha ganho. Sabia que eu não tinha palavras.

Não foi o poema, ou até foi. Eu nem sei mais. Mas foi o modo como ele recitou que fez com que eu não tivesse mais palavras. Eu olhava em seus olhos e só via paz. Como se ele fosse a própria personificação da paz.

Mal percebi quando sua mão se levantou e se aproximou do rosto. Só percebi quando o senti deslizar sua mão pela minha bochecha, num afago gentil. Minha pele ardeu sob seu toque, e eu sentia o local formigar, mas era mais do que isso. Era mais como se ele estivesse queimando.

Sua mão foi deslizando até o meu pescoço, e eu expus mais pra ele. Meu corpo parecia ter vontade própria e minha mente parecia ter se desconectado do meu corpo. A mão foi em direção a minha nuca, e começou a massagear os meus cabelos soltos próximos ao meu couro cabeludo.

Fechei os olhos pleno deleite. Mas assim que fechei os olhos e fiquei livre do seu olhar hipnotizante, a razão parecia ter voltado para o meu corpo. Recuei e afastei a sua mão de mim. Quando abri os olhos, percebi que Alfonso estava sobressaltado pela minha reação abrupta.

- Não toque em mim._ eu murmurei.

– Não vou pedir desculpas por isso._ ele falou.

– Não foi o que eu disse que fizesse. _rebati.

– Não, não foi._ ele afirmou.

Parecíamos que estávamos em um daqueles jogos que mediam qual o olhar mais superior. Ou talvez só eu estivesse fazendo isso, porque parecia que Aldonso me olhava com pena.

E então? O que faremos no trabalho? _eu perguntei.

– Nem eu, nem você. Vamos falar sobre os dois._ ele optou no fim das contas.

Estávamos tão concentrados no trabalho que não vimos a hora passar. O trabalho era realmente extenso e exigia um pouco de nós. Seria pra ser entregue na terça feira, mas a semana pode se mostrar imprevisível quando se é um universitário e tanto eu quanto ele tínhamos concordado em que esse trabalho tinha que ficar pronto ali.

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