Capítulo 09

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Seria pra ser entregue na terça feira, mas a semana pode se mostrar imprevisível quando se é um universitário e tanto eu quanto ele tínhamos concordado em que esse trabalho tinha que ficar pronto ali.



Eu não consegui dormir. Nada de novo nisso, a não ser o fato de que a todo o momento a imagem de Alfonso aparecia na minha mente. Era ele que não estava me deixando dormir. Ele com seu jeito estranho, pelo menos a meu ver.

Ele era diferente de Mai, e não estou só dizendo isso pelo fato dele ser homem, mas ele tinha algo mais que Mai nem a própria Madson tinham. Quando eu era grossa demais com as duas, elas simplesmente se recolhiam, ainda que uma hora depois estivessem de volta, insistindo os mesmos pontos.

Alfonso não parecia ser do tipo que era intimidado. E ele estava deixando isso bastante claro para mim. Pelo contrário, eu tentava intimidá-lo, mas o efeito parecia ser sempre o contrário. Parecia que quanto mais eu tentava me fazer de durona, mais ele insistia em derrubar a barreira que eu construí em volta de mim.

E eu manteria essa barreira a todo custo. Não importa se aqueles olhos pareciam cobrar as respostas que eu não dava a ninguém. Não interessa se ele queria essas respostas ou não. Ele não as obteria.

Ele parecia não sair da minha mente de jeito nenhum. Eu queria escrever, mas não adiantava. Eu não conseguia me concentrar no enredo de Eleazar e Carmen, na hora em que tentava colocar algo no papel, o rosto dele me vinha à mente. Como eu poderia tentar fazer qualquer coisa desse jeito?

Eu encarava o relógio que estava acima do criado mudo com raiva. Como se a força do meu pensamento fosse fazer o tempo parar! Eu ainda não havia virado um X-men, mas colocaria isso na minha lista de desejos. Quem sabe um dia ele não se tornaria realidade? Ou talvez quem sabe, eu não tivesse que continuar nessa vida? Ou não, melhor ainda, quem sabe eu não sou adotada e meus verdadeiros pais vêm atrás de mim depois de todos esses anos?

Parei, a amargura dos meus pensamentos estava ficando demais até mesmo pra mim que já estava acostumada com eles. Os ponteiros continuavam a se mover, e eu me via mordendo o lábio inferior, torcendo a barra da minha camiseta e me remexendo inquieta na cama.

Até que o momento do encontro não pode mais ser adiado. O interfone tocou mostrando que alguém havia chegado, só podia ser ele, então nem me dei ao trabalho de responder e fui direto para a porta abrir.

Eu achei que estava preparada para lidar com aquele olhar pelas horas em que estava me preparando mentalmente para esse encontro. Mas não, eu não estava. Ele me olhou de novo com curiosidade. Quem esse estranho pensa que é? Ele só me conhece há dois dias, e por causa dele eu vou ter que fazer trabalho voluntário também.

– Oi_ ele falou olhando pra mim.

– Oi._ respondi apática dando espaço para que ele entrasse.

– Casa bonita._ ele murmurou quando entrou olhando a sala.

– É só uma casa normal._ dei de ombros sem agradecer ao elogio.

Comecei a andar para subir as escadas em direção ao meu quarto, parei quando percebi que ele não estava me acompanhando. Quando olhei pra ele, ele tinha os olhos fixados em mim. Corei.

– O que ainda está fazendo parado?

Ele me olhou confuso, arqueando a sobrancelha. _Você espera que eu suba com você?_ ele perguntou.

– É obvio não?_ rebati.

E sem olhar pra trás novamente fiz meu percurso escada acima. Os sons dos passos dele me alertavam que ele estava me seguindo. Meu quarto, era onde eu fazia os trabalhos em dupla com Mai quando era necessário.

Como eu nunca me sentia em paz, verdadeiramente em paz nessa casa, o único lugar que era meu refúgio era o quarto, e eu me sentia bem só ali. Quando havia a necessidade de alguém chegar próximo ao ponto de ver minha família, eu trazia para o meu quarto porque assim não teria de passar muito tempo com eles.

E mesmo agora, com eles fora de casa, eu ainda me sentia deslocada no que deveria ser meu lar. Mas um pensamento mais desconcertante que seria o de Alfonso estando no meu quarto começou a me dar pânico.

Eu sentia as palmas das minhas mãos ficarem suadas, e eu não duvidava que meu rosto estivesse um pouco mais pálido que o normal. Mas agora já estávamos em frente a meu quarto que estava com a porta aberta.

Eu entrei primeiro e me sentei na beirada da minha cama pra pegar os livros e os cadernos que havia deixado lá. Assim que peguei em meus braços o que precisava, me levantei para coloca-los sob a pequena mesa que havia para os meus estudos. Cabiam cerca de umas três pessoas ali.

Olhei pra Alfinso que estava parado na soleira da porta, encarando-me.

– Não vai entrar? Eu gostaria de fazer esse trabalho logo?_ queixei-me. Ele deveria estar sendo lento de propósito, só para me irritar.

– Não sabia se deveria entrar aqui ou não. Você não gosta de muito contato, e um quarto é o ambiente mais pessoal que você tem._ ele respondeu.

– Não precisamos falar de mim, só do trabalho._ cortei.

– Mas como faremos um bom trabalho se eu não me dou bem com a minha parceira? Se não a conheço?_ ele questionou, os olhos verdes cobrando uma resposta de novo.

– Fazendo, é simples. Profissionalismo, é o que testaremos aqui. Muitas pessoas que trabalham juntos não necessariamente se gostam, mas quando o objetivo é em comum e há o esforço, dá certo.

Ele coçou o queixo e de repente começou a rir. Eu fiquei olhando espantada pra ele. Ele é louco? Só pode! Ele jogou a cabeça pra trás e gargalhou com vontade, o riso ecoando pelo quarto inteiro.

Era estranho como ele conseguiu fazer sentir a sua presença em todo o cômodo. Quando a "crise" dele foi cedendo, eu observei que ele mantinha a atenção em um ponto fixo do quarto. No caderno em que eu escrevia a minha estória e que estava sob a cama.

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