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Acordo de manhã com um pouco de dores de cabeça mas ignoro, levantando-me e preparando o meu pequeno almoço. Depois deste comido decido ir até à varanda mas paro-me a mim própria quando reparo que estava a chover. Abro a vidraça da varanda e fico no mesmo sítio observando a chuva a molhar cada canto da paisagem.

Inspiro o ar frio e fecho os olhos apreciando a sensação do vento a bater na minha pele. Quando os abro, olho de relance para o quintal de Tristan e encontro-o lá, a apanhar chuva.

Ele estava em pé, completamente desprotegido da chuva, a observar sériamente a paisagem.

-Estás à chuva.- eu digo, olhando-o confusa. Este rapaz é mesmo bizarro.

-Eu sei.- ele fala, fechando os olhos e inspirando fundo antes de me encarar.

-Mas... e se ficares doente?

Ele encolhe os ombros, indiferente.

-Paciência, depois passa.- ele fala calmamente passando a mão pelo seu cabelo molhado.

-E se não passar?-  eu pergunto já um pouco irritada por ele não se estar a importar minimamente na sua saúde.

-Então quer dizer que os meus segundos acabaram.- ele diz olhando para mim com um sorriso de canto.

Olho para o chão e mordo o lábio inferior, corando um pouco ao me lembrar da nossa conversa na noite anterior.

Tristan ri levemente e salta para minha varanda.

-O que, o que estás a fazer?!- eu pergunto com os olhos arregalados dando vários passos atrás.

Tristan ri outra vez.

-Não te preocupes, não te vou fazer mal. Apenas vem.- ele diz, estendendo-me a mão.

Engulo um seco e penso várias vezes antes de pegar na sua mão. Tristan puxa-me para meio da varanda.

-Pára! Eu vou ficar molhada!- eu digo tentando voltar para onde eu estava pois aí não apanhava chuva.

Tristan suspira e agarra-me na cintura levando-me para o sítio onde antes estavamos.

Desta vez não o impeço e ambos ficamos lado a lado, na minha varanda, apanhando chuva.

-Fecha os olhos.- Tristan pede e eu olho para ele desconfiada.

-Vamos lá. Não vai acontecer nada de mal.- ele assegura-me e então eu suspiro e faço o que ele me pediu.

-Agora concentra-te em cada gota que caí no teu corpo. Sente a sensação fria com a tua pele quente. Frio e quente são completemente opostos mas mesmo assim, nesta situação, eles atraem-se. Combatem contra as suas diferenças e juntam-se. A sensação é fantástica não é?- ele pergunta-me e eu assinto ainda com os olhos fechados, aproveitando aquela sensação maravilhosa.

-É como agora,- ele começa e eu rapidamente abro os olhos quando sinto-o a me dar a mãos e a entrelaçar os nossos dedos.- A minha alma quente luta contra a tua alma fria,e quem sabe se, um dia, nós ainda podemos acabar por nos juntar.- ele diz olhando-me nos olhos.

Desvio o olhar dele e solto a minha mão da dele. Estou um pouco incomodada, não sei como lidar com esta situação por isso decido permanecer calada.

Tristan suspira e volta a encarar a paisagem à nossa frente.

-Desculpa. Eu fui um pouco insensível quando foste a minha casa, mas eu estava chateado porque a tua frieza e indiferença estava a me incomodar. Nunca foi minha intenção te fazer chorar.- ele confessa, parecendo realmente arrependido.

Eu limitei-me a encolher os ombros.

-Não tem importância....- eu sussuro fechando novamente os olhos.- Eu sou psiquiatra, sinceramente não devias esperar que eu fosse diferente. Psiquiatras não sentem, eu não sinto.- eu digo preparando -me para entrar em casa mas Tristan impede-me agarrando firmamente o meu pulso.

-Se dizes que não sentes mesmo nada, porque foste abaixo e choras-te à minha frente?! Como tu dizes psiquiatras não sentem, então o que foi aquilo?!- ele atira um pouco irritado.

-Tu não és ninguém para eu ter de me justificar.- eu digo, soltando-me abrutamente do seu aperto, entrando dentro de casa, deixando Tristan, alî, a encarar-me com a sua expressão habitual. A sua expressão séria.

Eu não tenho de me justificar àquele rapaz que poucos dias me conhece. Aquilo na casa de Tristan foi uma descaída e nunca mais vai voltar a acontecer porque eu fui criada para ajudar os outros e não ao contrário. A minha mãe sempre me disse que a minha família não precisava de sentir para ser feliz e se é assim eu também não preciso. Tristan talvez só quer mostrar que sentir pode até não ser assim tão mau, mas sinceramente eu tenho medo de arriscar porque muitos dos meus pacientes vieram ter comigo exatamente por sentirem demasiado, pois deixaram-se dominar pelos sentimentos e acabaram destruidos. E eu não quero acabar assim.

Destruída.

I Feel AgainOnde histórias criam vida. Descubra agora