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Acordo com pequenos raios de sol a entrarem no meu quarto.

Olhei para o relógio que apontava ser 6.25 da manhã.

Sempre acordei a estas horas desde muito pequenina e fiquei tão habituada que já nem sequer preciso de despertador.

Levanto-me e decido tomar um duche rápido.

Depois de toda a higiene pessoal feita e quarto arrumado decido comer uma taça de ceriais com leite.

O meu telemóvel toca.

-Dra. Mila?- fala a mulher do outro lado da linha mal atendo a chamada.

-Sim, eu própria.

-Venho avisá-la que hoje está de folga. Não há muita movimentação no hospital e assim aproveita para descançar. Mas aviso desde já que está de prevensão, mesmo de folga se precisarmos da sua ajuda logo a chamaremos.

-Está bem.- digo desligando seguidamente a chamada.

O lado mau de sermos psiquiatras é sem dúvida o nosso horário. Nunca temos um definitivo e estamos quase sempre de prevensão. Quando há uma emergência temos de ir para lá independentemente da hora ou se estavamos ocupados ou não.

Lavo a loiça e dirigo-me para a varanda com um caderno e lápis na mão.

Tenho de fazer um relatório sobre um paciente meu.

Os meus lábios formam uma linha fina enquanto penso o que irei escrever.

"Alyssa é uma criança muito fechada. Apresenta-se uma criança serena e calma mas não o é. Quando fala sobre o seu passado é impossível não notar a raiva que sente. É obscura, e  é capaz de guardar os seus sentimentos e esperar para libertar a sua raiva no momento certo. É paciente, sabe quando atacar o seu inimigo. Alyssa é perigosa, é uma menina que planeia detalhadamente a sua vingança não conseguindo colocar um limite na sua raiva. Alyssa é capaz de matar."

Releio o relatório da minha paciente várias vezes e cheguei à conclusão que não era preciso acrescentar mais nada.

Engulo um seco ainda não acreditando como uma jovem de 15 anos podia ser tão perigosa.

Alyssa durante as suas primeiras sessões parecia uma criança carinhosa e educada, até me perguntei o que ela estaria alí a fazer mas agora sei o porquê.

Alyssa guarda um enorme rancor das pessoas que lhe magoaram no passado e espera pacientemente para se vingar.

-Está tudo bem?-ouço uma voz masculina suar no silêncio.

Continuando sentada na minha cadeira que tenho na varanda olho preguiçosamente para baixo reparando no meu vizinho a olhar-me seriamente, como sempre.

Deve ter reparado na minha expressão de desgosto enquanto pensava na minha paciente.

-Sim.- respondo simplesmente.

Ele assente e volta a dar a sua atenção ao livro que estava a ler.

O meu vizinho tinha um quintal ao lado da minha varanda e qualquer pessoa que estivesse alí apenas tinha de olhar ligeiramente para cima para ter uma vista perfeita para a minha varanda. Era fácil saltar e entrar na varanda o que me deixou um pouco aflita pois assim facilmente me podiam assaltar.

-Como te chamas?- pergunto finalmente. Já tinha falado algumas vezes com ele mas nunca sabia o seu nome. Acho isso uma falta de educação.

-Tristan.- ele fala, desviando a sua atenção do livro,por meros segundos, para me encarar.- e Tu?- pergunta voltando a ler.

-Mila.- digo, olhando em frente e examinando a paisagem.

-Nome raro, é de que origem?

-Ucraniana.- respondo voltando a ler o relatório do meu paciente.

-És ucraniana?- ele pergunta serenamente com a sua habitual expressão séria.

-Não. Eu sou britânica mas a minha mãe sempre teve um fascinio por nomes ucranianos.

Ele olha para mim pensativo e assente.

-Tu também não és português.-afirmo.

-Pois não. Eu sou irlandês.

Lembro-me dos meus tempos em criança. Naquela altura quando era uma imatura ser humana tinha um grande fascinio por Irlanda e irlandeses claro. Mas agora cresci e abstrai-me de coisas inuteis para a minha vida profissional.

Trabalhar.

Foi a única coisa para que fui treinada toda a minha vida.

Ser uma psiquiátra profissional que não se deixe cair em  simples tentações como os normais humanos costumam cair.

Decido deixar de lado agora um pouco o meu trabalho porque já estava a ficar um pouco stressada por ainda não saber muito bem o que fazer em relação a Alyssa.

Fecho este caderno e abro o outro onde costumo escrever os meus assuntos pessoas e esse tipo de coisas.

"A raiva é um sentimento enormemente poderoso. Capaz de controlar o corpo do humano, este sentimento pode gerar um caos total no mundo podendo criar uma grande guerra e rivalidade entre os nossos seres. A raiva tira-nos a capaciadade de raciocinar racionalmente fazendo-nos desejar o mal ao outro."

Fecho o carderno sem reler o que eu acabara de escrever. Quando olhei para o pequeno quintal do meu vizinho encontro-o a observar-me atentamente.

Mal repara que o "apanhei" a olhar para mim, levanta-se rapidamente e entra dentro de casa sem uma palavra pronunciar.

Franzo a testa, confusa.

Não entendi a sua reação.

I Feel AgainOnde histórias criam vida. Descubra agora