Ana e Cecília

11.

Ana

Isso não pode estar acontecendo. Sinto seus lábios contra os meus e a tensão que inunda o quarto. Tenho a sensação de tudo parecer um sonho. O que está acontecendo?
O beijo parece durar uma eternidade, sinto sua barba em meu rosto. O empurro e ele sai de cima de mim, deitando no lado. Mike solta um gemidinho de dor por conta da perna.

Ouço a porta bater com força e Cecília não está mais ali. Droga! Meu coração está acelerado.
Vejo Vitória sair atrás de Cecília e sinto meu rosto queimar. Ando apressada em direção a porta para ir atrás dela. Coloco a mão na maçaneta e Mike me interrompe.

Mike: Ei ei ei, desculpa.... eu precisava fazer isso...

Ana: Tu não devia ter feito!

Digo sem olhar para ele.

Mike: Eu sei, me perdoa... é que...

Franzo a sobrancelha e olho pra ele. Abro a boca pra dizer algo mas desisto.

Mike: Eu te amo... sabe?

Serio? Ok, por essa eu não esperava. Essas palavras não surgiram nenhum efeito em mim. Na verdade me deu até uma pontada de raiva. Desvio o olhar, me viro e saio do quarto batendo à porta. Vou até a sala e vejo Bruno, que está com uma garrafa de vodka na mão. Me olha assustado e aponta a garrafa para o corredor. Agradeço e corro até lá.

...

Estamos na frente do elevador. Nem vi onde a Vitória foi. Minha boca está seca. Eu não consigo dizer nada, devo me explicar? Sai algumas palavras da minha boca, mas minha vontade é abraçar ela e sumir daqui.

Ouço seu celular tocando e ela olha para ele. Suas próximas palavras são como um soco no meu estômago. Eu juro que por um momento, naquela cama a alguns minutos atrás, quando nos beijamos, eu podia imaginar tudo aquilo que deixamos de viver separadas e correr atrás do tempo perdido.

"Tenho que ir, a Júlia está me ligando."

Não consigo pensar em mais nada para dizer e ela vai embora.

...

Não queria voltar para o apartamento e encarar as pessoas ali. Se apenas a Vi estivesse eu já teria voltado correndo. Me encosto na parede do corredor e deslizo até sentar no chão. Juntos os joelhos e apoio minha cabeça. Sinto meus olhos pesarem.

Imagino que a Vitória deve estar sofrendo para não deixar Mike vir atrás de mim. Mas eu não quero voltar. Começo a me lembrar da noite anterior. Eu estava completamente feliz naquele quarto escuro. Cada beijo dela me fazia pirar. Cada toque me fazia flutuar. E agora estou aqui nesse chão, sem ela e com um no enorme na garganta. Parece algo tão simples de resolver mas não é.

Agora ela devia estar com a outra menina. Por um segundo penso nas duas juntas e me dá uma tontura rápida. Começo a me revoltar com meus próprios pensamentos. Finalmente ouço a porta do meu apartamento abrir e junto dela saindo um monte de vozes conhecidas no corredor. Primeiro sai as muletas depois o Mike, Bruno e Vi logo a trás.

Mike vêm até mim e os outros o seguem. Levanto a mão num gesto de pararem. Estava tudo bem. Mas não adiantou muito. Vejo que Bruno e Vi estão com um olhar de preocupados. Já Mike está com seu sorrisinho.

Ao verem meu gesto eles recuam mas Mike continua. Ele vem até mim, com dificuldade se senta ao meu lado e começa a tagarelar algo sobre a festa de ontem. Parece que já estava tudo bem entre a gente e nada aconteceu naquele quarto. Eu queria desesperadamente sair dali mas não conseguia, sinto uma vontade enorme de chorar. Meus olhos devem estar mais caídos do que o normal.

Eu só queria que ele parasse de falar. Numa hora dessas Cecília deve estar indo a encontro da Júlia. Eu a perdi novamente e ela não sai da minha cabeça. Quantas vezes eu já disse para mim mesma que quando não é pra ser, simplesmente não vai ser?

Mas eu queria.

Mike: Ei, eu to aqui. Porque está assim?

Não respondo.

Mike: Deve estar cansada né...

Reviro os olhos. Não respondo e volto a abaixar minha cabeça apoiando nos joelhos. Bruno e Vi voltaram para o apartamento e fecharam a porta.

Mike: Quem é aquela menina que saiu igual uma doida? -diz ele apoiando as muletas no chão dando uma risadinha debochada - Estranha, né?!

Espero um pouco para responder. Penso em algo que o faça ir embora, ou apenas parasse de falar por um tempo.

Ana: Ela é minha ex namorada.

...

Estou deitada na cama de Vi. Olho para o relógio na parede e são 00:10. Gostaria que a luz estivesse apagada.

Todos estão na sala. Ficamos a tarde toda assistindo filme e comendo porcarias. Uma hora ou outra Vi e Bruno tiravam alguns acordes no violão e cantavam. Olho para o celular na esperança de algum sinal de Cecília. Mas nada. Já me peguei escrevendo vários textos para ela mas eu sempre apago e não mando nada.

Tentei de tudo para causar um climão com Mike. Mas quando disse que Cecília era minha ex namorada ele só deu uma gargalhada debochada seguido de uma piada machista e mudou de assunto. Evitei ele a tarde toda mas mesmo assim ele não desistiu.

Minha cabeça está um confusão e quero desesperadamente mudar tudo. Não estou com um pingo de sono. Ouço risadas e alguns barulho de vidros vindo da sala. A Cecília estava seguindo em frente não é?! Eu também deveria seguir.

Porque não?!

Sempre dizem que não podemos tomar decisões depois de meia noite. Eu me esqueci desse conselho nesse dia.

Me levanto rápido. Vou até o banheiro e passo uma água no rosto. Saio apressada do quarto, atravesso o corredor e vejo Mike sentado no sofá, mexendo no celular, com uma garrafa de cerveja ao lado. A música está alta e só se tem a luz da tv ligada no YouTube. Vitória e Bruno estão totalmente bebados.

Ao me verem chegar dão um gritinho juntos. Vejo uma garrafa de vodka e uma de tequila em cima da mesa. Pego a garrafa de tequila e a viro. Sinto o líquido queimando na minha garganta. Bruno tira a garrafa da minha mão e faz a mesma coisa. Logo depois a vira na boca de Vi.

Pego a garrafa de novo e repito por duas ou trás vezes. Cadê vez arde menos ao beber. Bruno e Vi estão dançando de um jeito provocante. Olho para Mike e ele está sorrindo, olhando para mim. Não me impediu de fazer isso. Parece estar gostando.

Vitória me olha e logo em seguida olha para Mike. Ela já sabe o que vou fazer. Sei que estou fazendo merda porque ouço gritinhos apenas do Bruno comemorando. Vitoria fica em silêncio. Vou até o sofá, me sento em cima dele e o beijo.