fala,

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— Você nunca foi boazinha, Jaguar... Nunca foi a garota perfeita... — eu pude ver Camila sentando ao meu lado e ela parecia não ligar para todo aquele vidro quebrado no chão.

— Isso tudo é pela Ally?

— Ally? — ela deu uma risada de desdém. — Acha que eu me importo com a Ally?

— Então você a conhece?... — respirando fundo eu a encarei. Seus olhos marrons brilharam quando encontraram os meus. Camila inteira parecia brilhando naquele momento, feita de luz, feita de fogo.

— Ora, claro...

— Como?

— Curve-se a mim. — disse a garota sem se importar com a minha pergunta. Camila, na verdade, parecia não se importar com nada e nem ligava se me deixava com medo ou curiosa. — Agora!

Sua voz era firme e ela tinha fechado os punhos, parecia nervosa. Mais uma vez o maldito temperamento, ela podia aprender a controlar aquilo pelo menos isso é o que eu penso agora, na hora eu só tremi, com muito medo. Se não era por causa da Ally, o que fazia ela estar ali? Por que era tão importante que eu me curvasse a ela? Encarei o chão, desviando dos seus olhos. Uma pilha de vidro estava sendo formada perto dos pés da Camila, não preciso nem dizer o quanto eu senti medo de ver aquele vidro "andando" sozinho, se amontoando aos pés de Camila. Eu não sabia do que ela era capaz, eu não sabia mais de nada, e também não entendia mais nada.

— Camila? — ergui meus olhos e falei com toda a coragem que eu tinha naquele momento, que definitivamente não era muita. Encontrei com o seu rosto e um sorriso divertido se formava em seus lábios.

— Sim?

— Abre a porta. — falei sem desviar os olhos dela dessa vez. A garota começou a rir igual uma lunática, se mexia para frente e para trás gargalhando cada vez mais e mais alto, sua voz ecoando. Eu nunca entendia o que era tão engraçado e nem porque ela fazia questão de se mostrar tão maluca.

— Você não acredita, não é? — parou de rir e num segundo a luz que estava envolta de seu corpo se apagou, eu tinha voltado a ficar no breu. Levantei do chão, eu não aguentava mais a brincadeira dela.

Dei um passo a frente tentando achar os botões do elevador, eu tinha que conseguir fazer alguma coisa funcionar, tinha que sair dali. Os cacos começaram a brilhar e a levitar, com o brilho fraco do vidro ao meu redor eu conseguia ver que a Camila não estava mais no elevador e a admirava secretamente por ter conseguido sair. Os cacos giravam e brilhavam mais, seu brilho variava num intenso escarlate e num anil profundo, mexendo e mexendo numa dança estranha pelos ares. Eles refletiam no vidro do elevador e aquilo era tão bonito mas tão horrível, os vidros não pareciam ter fim ainda mais refletidos no espelho e parecia existir mais cacos do que deveria pela explosão das lâmpadas. Eu me abaixei no chão novamente me protegendo de possíveis novos cortes. O azul e o vermelho começavam a se misturar, brilhavam feito um pisca pisca de natal. Só de reparar que ali no meio havia a cor vermelha eu sabia que a Camila estava envolvida.

— Não é lindo? — eu podia ouvir a voz da Camila no hall, atrás da porta fechada do elevador. — Você não acha essa a coisa mais incrível que você já viu? NÃO ACHA?

Eu não conseguia responder porque enquanto ela me perguntava os cacos viravam uma grande seta roxa que apontava para mim. Aquela mulher queria me matar? Como ela estava fazendo tudo aquilo? Como ela conseguia controlar o vidro? Ela tinha voltado a gritar, alto e mais alto, como se estivesse desesperada mas a única desesperada ali era eu, eu posso provar. Eu voltei a chorar e abracei forte as minhas pernas, a grande seta brilhante girava e se aproximava de mim, devagar e de maneira constante, nunca parava só se aproximava mais.

— Me deixa sair... — pedi com a minha voz chorosa, eu não me importava mais em demonstrar fraqueza. Eu faria qualquer coisa para ir embora daquele elevador, eu não queria mais voltar para casa, eu queria a minha mãe. Me arrependia a cada instante por ter mexido com isso. Eu só queria chorar e de alguma forma sair viva dessa.

A seta se aproximou da minha testa, eu estava pronta para qualquer que fosse o meu fim. Não estava preparada mas sabia que aconteceria, eu não era imortal, não suportava milhões de cacos injetados magicamente no meu corpo. A luz roxa atingiu a minha testa e nisso voltou a ser vermelha, eu sentia a ponta do vidro bem acima da minha sobrancelha e algo parecia escorrer de lá. Provavelmente sangue, o meu sangue. O grito da Camila ainda não tinha cessado e parecia dentro da minha cabeça agora. O vidro ainda estava na minha testa e meu corpo todo parecia esquentar aos poucos, ficando extremamente quente e insuportável no final. O que quer que a Camila estivesse fazendo, eu só queria que ela parasse. Eu não conseguia me mexer com medo de que aquela seta perfurasse a minha cabeça ou que abrisse um buraco maior acima da minha sobrancelha. Mais quente, insuportavelmente quente, eu sentia que estava começando a suar. Mais sangue, descia pelo meu rosto. Mais gritos, parecia que milhões de pessoas estavam presas na minha cabeça cada uma agonizando de uma maneira diferente mas com a voz amplificada em milhares de megafones. A porta do elevador abriu com um baque e junto com isso a seta se desmanchou jogando vários cacos em cima de mim, eu continuava paralisada, com o corpo fervendo, suada, chorando e sangrando.

— Quer brincar? — Camila perguntou parada na frente da porta, eu podia ver todo o hall iluminado com luzes amarelas e lá no final podia ver as escadas. Eu levantei, sentindo dor e vendo mais cortes se formarem. Estava sufocada com aquele calor e involuntariamente decidi que preferia os calafrios. Camila deixou sua cabeça cair para o lado e sorriu, não um sorriso contente ou tímido, mas um sorriso maldoso e cheio de intenções diabólicas. Eu não queria brincar e eu não queria enfrentar mais dor, eu acho que não aguentava.

— CORRE! — a Camila gritou e todas as luzes do hall começaram a piscar num frenesi louco, ela ainda mantia o seu sorriso quando caiu de joelhos no chão, parecia se contorcendo e aquilo era tão desconfortável de assistir. Ela fechou os olhos e ainda manteve seu sorriso sádico nos lábios. — CORRE!

E foi o que eu fiz.

O ritual do elevadorOnde histórias criam vida. Descubra agora