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Eu estava me sentindo tão tonta de tanto remédio que tinham me feito tomar. Aquilo era mais forte do que qualquer droga que já inventaram e eu podia afirmar isso. Eu tinha certeza que não precisava de nada daquilo e que tudo o que tinha vivido era real, mas e se eu só tivesse inventado tudo? Não era tão estranho, as coincidências batiam, eu não tinha mais Dinah, Ally Brooke era uma médica. Mas e Camila? Quem era Camila e onde ela entrava naquela história toda? Parecia tão real, eu não conseguia acreditar que tudo o que eu tinha vivido naquelas últimas horas era irreal. Será que eu estava realmente tão louca assim? Por estar quase dopada, eu não estava mais amarrada na cadeira, estava deitava na cama ainda no quarto inteiramente branco. Eu precisava achar fatos que comprovassem que tudo aquilo era uma tremenda confusão, involuntariamente toquei na minha testa, a procura do machucado feito pela seta de vidro. Não tinha nada ali, assim como não existia nenhum pequeno corte nos meus braços.

- Você é realmente muito tola... - a voz da Camila tinha voltado a se materializar na minha cabeça.

- Saí da minha cabeça! - eu disse tapando os ouvidos. Eu precisava aprender a ignorá-la antes que eu realmente enlouquecesse.

- Será que eu estou na sua cabeça ou você na minha? - ela deu uma risada. Aquilo não fazia um pingo de sentido e eu começava a entender muito bem como a Alice tinha se sentido ao parar no País das Maravilhas, nada ali fazia sentido mas parecia que essa regra só se aplicava a mim. Todo mundo parecia entender muito bem aquele mundo e pareciam me conhecer mas, a verdade é que eu nunca tinha falado com aquele Carl e nem com a Aretha, nenhum deles existia pra mim até minutos atrás, só que les sabiam de tudo sobre a minha vida.

- Lauren, querida? - Carl entrou no meu quarto. Ninguém ali se importava em bater na porta. - A doutora Ally disse que talvez fosse melhor se você conversasse com as outras pacientes...

Se eu estivesse com toda a minha mentalidade naquele momento, eu diria que estava muito bem ali e que não queria sair, mas o que agia nas minhas veias era só doses e mais doses de remédio, eu não sabia o que responder, então só o olhei e tapei novamente meus ouvidos porque a Camila gargalhava e aquilo estava me incomodando. Eu não aguentava mais ouvir aquela risada, dentro da minha cabeça era ainda pior porque ninguém mais ouvia e eu era taxada como louca. Ele abriu mais a porta e dois enfermeiros entraram no quarto com uma cadeira de rodas, não reclamei quando eles me pegaram no colo e me colocaram nela, provavelmente eu não daria dois passos sem cair ou bater na parede. Carl tinha chamado Ally de doutora e isso era o que se passava na minha cabeça o caminho inteiro até o que parecia ser uma sala de estar do hospital. Ally não podia ser uma doutora porque ela era mais nova que eu, aquilo era cronologicamente impossível. Além dela ser mais nova, ela estava morta. Mortos não voltam a vida se você não está assistindo um episódio de The Walking Dead. E eu mal percebi quando eles me colocaram no canto da sala espaçosa e iluminada, de frente para uma mesinha vazia. Talvez aquele fosse o único canto colorido daquele lugar, trazia vida até. Muitas pessoas andavam para lá e para cá com camisolas idênticas e cabelos bagunçados. Uma mulher batia com a mão na parede de tempos em tempos fazendo uma batida ritmada, outras duas jogavam cartas, uma garota estava sentada encarando a janela, outra chorada abraçando os pés em um canto. Tiny Tim cantava a plenos pulmões em alguns alto falantes e eu consegui entender o porque de talvez ter fantasiado com Tiptoe Through The Tulips, quando a música acabou, ela começou a tocar novamente em som ambiente. Era só aquilo que eu iria ouvir ali? Isso aqui era definitivamente um hospício e, eu não sabia como mas, tinha vindo parar aqui.

- Eu gostei do seu relógio. - disse uma senhora parando na minha frente, eu não usava um relógio. Olhei para o meu pulso tentando enxergar o que a mulher estava vendo, mas eu não via nada. Como eu não a respondi, ela saiu de lá e foi assistir televisão.

Eu estava enlouquecendo.

- Psiu... - eu ouvi alguém chamando, tapei meus ouvidos com as mãos e fechei os olhos imaginando ser a voz daquele demônio de novo, aquilo precisava parar, urgentemente. - Psiu... - eu ouvi de novo.

Abri os olhos e eu não acreditei em quem estava na minha frente. Cada parte daquele dia estranho só parecia piorar e eu não sabia como agir, permaneci com os meus olhos parados nela e as mãos nos ouvidos. Era algo que eu desejava urgentemente não ser real. Eu podia estar vendo coisas, eu desejava imensamente estar vendo coisas. Fui descendo minhas mãos devagar e pousei elas na mesa, eu estava tremendo um pouco e eu comecei a sentir calor. Uma onda de pânico subiu pelo meu corpo e eu não sabia como controlar aquilo realmente, minha mente não estava processando direito e eu estava fora de mim.

- Ca-camila? - eu falei e minha voz saiu como um sussurro.

- Quem? Eu? - ela perguntou. Seus olhos estavam marrons, seu cabelo descia em ondas graciosas e ela parecia deslocada ali. Não parecia louca, não pertencia ali.

- Saí daqui, Camila. Saí da minha frente... - eu comecei a suar e quando fui ver já estava gritando com a menina. Eu estava desesperada e tinha começado a chorar. Carl e os outros dois enfermeiros correram até mim.

- Karla, eu preciso que você se afaste... - um deles disse segurando aquele demônio gentilmente pelo braço a tirando dali. Eu ainda gritava e chorava e suava, tudo ao mesmo tempo.

Carl empurrou minha cadeira para longe dos olhares curiosos das pacientes na sala de estar e o outro enfermeiro, que eu pude ler no seu crachá que se chamava Steve, veio com uma seringa com algum tipo de remédio, talvez morfina ou qualquer outra droga que fosse me deixar calma. Quando ele se aproximou de mim com aquilo eu senti vontade de gritar mais ainda e a Camila no meu cérebro gargalhava com a cena. Eu comecei a gritar para que ela se calasse e Steve estava com medo de me machucar, ele me pediu milhões de desculpas e me furou com aquela agulha. Quando o líquido que estava na seringa foi entrando em contato com a minha corrente sanguínea eu senti o meu corpo relaxar um pouco, os meus gritos se cessaram aos poucos e eu senti os meus olhos pesarem depois de um tempo.

A última coisa que me lembro antes de apagar foi do nome "Karla" passando pela minha mente e a risada da Camila ecoando.

O ritual do elevadorOnde histórias criam vida. Descubra agora