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Por favor escutem Tiptoe Through The Tulips do Tiny Tim enquanto leem esse capítulo, te juro que a experiência fica muito mais legal, só parem de ouvir quando o capítulo acabar.

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Aquilo podia piorar sim, você nunca deve falar essas coisas em meio a um cenário de terror. Nunca diga uma coisa dessas quando estiver com medo, sempre pode piorar. Eu me sentei no chão, no meio de tantos pedaços de lâmpada e sentia pequenos cortes no meu braço, agora eu acreditava que a garota não estava brincando. Nada naquela situação podia ter sido planejado pela Dinah. Ou ela era uma péssima amiga e queria me matar, ou Camila definitivamente era o meu pior pesadelo, e a minha parte mística estava começando a acreditar na segunda opção. Era muito estranho ela ter conseguido fechar a porta do elevador se ela estava no meio dela, isso a teria matado, sei que seria horrível desejar a morte de alguém naquele momento mas ela conseguia me dar medo.

Tiptoe through the window... — eu conseguia ouvir a voz da Camila cantando, ela não tinha morrido. — By the window, that is where I'll be...

A voz dela era linda mas assustadora, algumas partes eram bem agudas, outras extremamente graves e eu não sei como ela conseguia fazer aquilo, só sei que ela parecia tentar imitar a voz do Tiny Tim e ele, naturalmente, já me assustava, agora uma música dele na voz da Camila me tirava do sério. Tampei meus ouvidos e esse movimento só me causou mais cortes pequeninos no braço, aquela dor não era nada comparada ao terror que eu estava sentido sentada no escuro com uma psicopata imitando a voz de Tiny Tim mas ainda sim deixando a sua própria marca na música. Eu estava presa, não tinha mais o que fazer, estava muito arrependida e tudo o que eu mais desejava naquele momento era a minha mãe.

Come, tiptoe through the tulips with me... — eu a ouvia continuar. Cada vez mais arrastando as sílabas e deixando a música mais lenta, sua voz ficando mais forte, intensa e grossa. — Oh, tiptoe from the garden, by the garden of the willow tree and tiptoe through the tulips with me...

A música em si não me assustava, Tiptoe Through The Tulips era um clássico quando eu ainda morava com meus pais, eles amavam Tiny Tim, o achavam excêntrico demais, ela falava sobre andar nas pontas dos pés, tulipas, salgueiros e beijos no jardim. Mas não era a letra que importava, era quem a performava e claramente Camila cantando aquilo era a minha versão menos preferida. Eu estava arrepiada e a voz dela parecia encher o elevador e ecoava na minha cabeça, tampar os ouvidos não tinha ajudado, a Camila não parava de cantar e eu não tinha para onde ir. Eu comecei a chorar, caiam muitas lágrimas do meus olhos, eu acreditava serem de dor, de exaustão e de medo, eu estava sentindo muito medo.

— Ca-camila?... — arrisquei chamar a garota. Minha voz estava trêmula e eu nem sabia o que diria exatamente. — Camila?! — repeti mais firme dessa vez, porém minha voz ainda saia fraca e chorosa, sem graça.

— Sim? — ela parou de cantar e eu agradeci aos céus por aquilo.

— Você pode me tirar daqui? — perguntei e, Deus, como eu parecia uma bebezinha falando.

— Não?! — ela me respondeu e aquilo parecia mais uma pergunta do que uma afirmação.

— Eu só quero ir para casa... Me deixa ir pelas escadas já que você quebrou o elevador. — não sei de onde tirei que conversar com ela seria uma boa ideia, acabei descobrindo mais tarde o quão firme em suas escolhas Camila era, e se não fosse trágico para mim aquela firmeza seria admirável.

Ela deu sua típica gargalhada e eu juro que podia sentir sua presença dentro do elevador, me encolhi mais no canto em que estava sentada. Eu ainda não tinha parado de chorar, queria muito mas era quase impossível com todo o pavor que eu estava sentido.

— Estou esperando você se curvar a mim... — ela me disse e eu senti todo aquele vento gelado novamente, dessa vez não apenas no meu pescoço mas no elevador por completo. Ela estava ali comigo, de alguma maneira aquela garota estava dentro do elevador comigo.

— M-me curvar... a você? — minha voz saiu baixa mas tinha certeza que a Camila tinha a escutado, só que ela optou em não responder. Ouvi o barulho de seus saltos batendo no chão, ela novamente estava andando em círculos ali. — Quem é você?

Olhei em volta imaginando onde ela estava no meio daquele breu todo, tentei aguçar minha audição mas o barulho de seus saltos ecoavam ora na direita, ora na esquerda me desnorteando. Foi quando vi dois pontinhos vermelhos na parede ao meu extremo, eles eram intensos e aquele brilho aumentava a cada segundo, sabia que era Camila. Ela me encarava, não piscava nem por um segundo e de algum jeito os pontinhos vermelhos foram se multiplicando na minha frente até eu estar rodeada por vários olhos escarlates sem pupilas. Aquilo era um pesadelo, não fazia ideia de qual era real e qual não era, tinha perdido a noção de espaço, o elevador parecia cada vez mais apertado e quente, muito muito quente.

Knee deep in flowers, we'll stray. — seus saltos batiam. Passos. — We'll keep the showers away and if I kiss you in the garden, — eu suava frio nessa hora, a voz dela estava baixa e continuava cortante. Me arrepiava por inteiro e eu juro que se eu conseguisse eu gritava, mas eu estava paralisada no lugar, abraçando minhas pernas e chorando. — in the moonlight, will you pardon me?

— And tiptoe through the tulips with me... — completei a parte que faltava da música. Num sussurro.

E eu nem sei porque.

O ritual do elevadorOnde histórias criam vida. Descubra agora